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A Casa Caiu para os Policiais que Executaram Pixadores em São Paulo

O caso passou a ser investigado pela Corregedoria da PM: agora, quase sete meses após a tragédia, os policiais foram acusados de assassinato e devem enfrentar julgamento.

Alex Dalla Vecchia.

No dia 31 de julho de 2014, o marmorista Alex Dalla Vecchia avisou sua companheira Bruna que chegaria tarde em casa. Ela já sabia do que se tratava: pixação. Mesmo contra a vontade dela e da mãe, Mara, ele colava no point e trocava mensagens com os amigos combinando lugares para pixar pela cidade. Ele, que gostava de pixar prédios, era conhecido no meio como ALD, do Jets. No dia em que ele avisou Bruna que chegaria tarde, ele tinha intenção de pixar um prédio na Mooca com o amigo Ailton dos Santos, conhecido como Anormal. Pixar prédio era rotina, e aquele dia não era para ser diferente do de sempre: entrar sem suspeita, subir, pixar e sair. Mas foi. O zelador do prédio percebeu a movimentação dos rapazes estranhos ao ambiente e acionou a polícia.

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O que aconteceu depois foi uma história trágica sobre a qual falamos aqui:a Polícia Militar matou os dois pixadores no alto do prédio e alegou legítima defesa. Acusou ambos de portarem armas, trocarem tiros e não resistirem aos ferimentos. Um dos policiais foi ferido no braço. O resto deles saiu ileso.

Duas armas foram entregues à investigação como sendo das vítimas: um revólver calibre 38 e uma pistola 380. O tiro que feriu o braço do sargento Amilcezar Silva era de uma arma calibre 40, a mesma usada pela Polícia Militar. O caso passou a ser investigado pela Corregedoria da PM: agora, quase sete meses após a tragédia, os policiais foram acusados de assassinato e devem enfrentar julgamento. A investigação concluiu que a bala que acertou o sargento foi a mesma que atravessou o corpo de Alex. "Vai ver foi um sinal de que não ia ficar barato", diz Bruna.

Mara e Bruna me receberam na casa em que Alex morava com a mulher e o filho de um ano e meio. Desde a morte dele, elas disseram que a vida tem sido bem difícil. Ele deixou cinco filhos, e, poucos dias depois de sua morte, Bruna descobriu que estava grávida novamente. Já Ailton tinha uma filha de cinco anos. Elas querem apenas justiça e não pretendem ficar caladas. "Eles acharam que ia ser só mais uma, mas não foi", garante Bruna.

O caso ganhou uma grande repercussão e teve até manifestação de pixadores no centro de São Paulo. De início, Alex e Ailton foram acusados de estar roubando o prédio. Bruna conta que pertences do zelador estavam na mochila deles, mas ela tem certeza de que aquilo também foi plantado. Ambas acham que foi bom o caso ter ganhado destaque apesar das mensagens agressivas dos comentaristas de portais de notícias. "Quero ver se agora vão continuar falando coisas horríveis. Eu também não gosto da pixação, mas isso não era motivo para acabar com o meu filho. Ele era trabalhador", desabafa Mara. "As pessoas têm língua e falam o que querem, mas não procuram saber quem era a pessoa."

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Mas agora os comentários podem ser diferentes. A Rede Record teve acesso ao depoimento de dois dos policiais militares presentes no local do crime que viram Alex e Ailton vivos. As testemunhas acusam os colegas de terem assassinado os pixadores e implantado os revólveres que os incriminaram.

Além dos depoimentos, a emissora também divulgou uma carta anônima de uma terceira testemunha que confirma essa acusação e informa que eles não reagiram à abordagem policial, contando em detalhes o que aconteceu no apartamento do zelador do prédio naquela noite. Nela, a testemunha afirma que ouviu Alex implorar pela vida e também que Ailton foi morto porque o tenente Danilo Matsuoko, à frente da operação daquela noite, teria ficado nervoso com ele.

As famílias só souberam da carta anônima através da emissora.

De acordo com a assessoria de imprensa da PM, o inquérito ainda está em andamento e "os policiais militares estão em atividades internas até a conclusão das apurações e do julgamento". O julgamento deve acontecer logo. Bruna e Mara esperam que os responsáveis sejam condenados, mesmo que isso não traga Alex de volta. "Nada vai amenizar", lamenta Mara. Mesmo assim, elas querem limpar o nome de Alex e provar que os dois não eram ladrões. Mara me contou que seu sobrenome ficou marcado. Em todo lugar, perguntam a ela se foi mesmo seu filho que morreu.

Apesar dos problemas com a lei por causa do pixo, Bruna e Mara afirmaram que Alex sempre pagou pensão e era um pai muito presente para seus filhos. Agora, elas estão com medo pelas crianças. "Eles [os policiais] estão todos soltos, trabalhando; podem matar qualquer um aí, não deve ser a primeira morte deles", frisa Bruna.Dados apontam que a Polícia Militar foi responsável por 343 mortes ano passado. "Eles tinham de defender meu marido e acabaram matando. O Brasil hoje não tem uma polícia capacitada para defender ninguém", conclui Bruna.

Mara e Bruna não acreditam no olho por olho. "Se tiver um juiz competente, vai dar a pena máxima pela crueldade como eles agiram com o meu filho. Não vou fazer a violência que eles fizeram, porque não acho que eles têm de morrer", diz Mara.

Bruna me contou que não é a primeira vez que a sua família tem um caso de morte pelas mãos da Polícia Militar: ela já perdeu um primo de 16 anos num caso semelhante. Elas gostariam que o Estado se responsabilizasse pelo trauma, pelo menos com uma assistência psicológica para Bruna e para as crianças, além de uma indenização. "Mas não é pelo dinheiro, é porque eles não podem ficar impunes. Eles tinham filhos. Quem vai assumir isso agora? Quem vai dar estrutura para essas crianças?", questiona Mara, que não dorme direito há meses imaginando a cena de seu filho implorando pela vida.