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A CPI do Swissleaks está uma arara com o Fernando Rodrigues

O jornalista, um dos poucos que mantém o registro das 106 mil contas secretas em um banco suíço, negou de imediato o acesso à lista do SwissLeaks pelo Senado por não confiar na capacidade da CPI de mantê-la em segredo.

Crédito de foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil.

Tempos atrás, vazou uma lista com 106 mil contas secretas num banco suíço, entre as quais apareciam 8.667 contas brasileiras por onde passaram R$ 20 bilhões em grana suspeita. Enfileirada em notas de R$ 100, a quantia depositada na agência do HSBC em Genebra cobriria 24 mil quilômetros. Celebridades do tamanho do Jô Soares e da Cláudia Raia aparecem lá, junto com membros da família Marinho, dona da Globo, e da família Frias, da Folha. Também há políticos graúdos como o tucano Márcio Fortes e outros 11 caras de seis partidos.

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Uma lista tão poderosa, capaz de complicar tanto político, empresário, advogado, ator, escritor, jornalista e músico não deveria ser segredo, dizem alguns. Uma soma tão vultuosa tem de vir a público. Mas não vem. Pelo menos, não integralmente até agora.

Desde o surgimento do escândalo, a lista está nas mãos de uns poucos jornalistas agremiados no ICIJ (International Consortium of Investigative Journalism). Eles vêm pingando alguns dos mais de oito mil nomes vinculados ao Brasil em matérias avulsas e exclusivas no UOL e no jornal O Globo. O resto da imprensa fica de fora da cobertura por falta de insumo.

A lista à qual o ICIJ teve acesso foi vazada por um ex-técnico de informática do HSBC, Hervée Falciani, em 2008. Para lidar com a maçaroca de dados, a entidade acionou alguns de seus jornalistas investigativos associados em vários países. No Brasil, isso caiu na mão, primeiro, do jornalista Fernando Rodrigues, do UOL. Mas por que ele não revela logo a lista toda de uma vez? Foi o que perguntamos ao próprio numa entrevista especial publicada em março na VICE.

A revelação paulatina de grandes nomes envolvidos no escândalo se tornou um negócio tão incendiário que motivou a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado. Ministérios se mexeram, a Polícia Federal entrou no caso, a Receita quis mostrar serviço: todo mundo entrou em parafuso ao mesmo tempo, mas ninguém tinha de fato a lista que havia motivado o alvoroço todo. Ninguém – além de Rodrigues e, em seguida, de Chico Otávio, do jornal O Globo.

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Uma das primeiras providências do presidente da CPI, o senador Paulo Rocha (PT-PA), foi pedir a lista a quem a tem. Mas Rodrigues negou de imediato, em público e taxativamente, numa sessão da CPI, na cara dos senadores.

Esconder a lista de outros jornalistas é parte da concorrência entre veículos de comunicação, é normal entre repórteres concorrentes. Mas negar acesso a parlamentares que participam de uma comissão de investigação investida de poderes legais é toda uma outra história.

Crédito: Antonio Cruz / Agência Brasil.

Na terça-feira, o presidente da CPI recebeu a VICE no gabinete número oito da ala Teotônio Vilela do Senado. Entre uma audiência privadacom lobistas da empresa de telefonia Oi e fotos com conterrâneos paraenses, Rocha encontrou tempo para fechar a porta e criticar Rodrigues com dureza. "Ele está muito mais preocupado em querer manter matérias jornalísticas ao longo do tempo, vazando uma informação ali, soltando uns nomes acolá, pra manter a condição de produzir matérias jornalísticas que não têm nenhum aprofundamento maior. Está muito mais preocupado em criar fatos jornalísticos", acusou, na lata.

Rocha é um sobrevivente. Foi o único político petista inocentado na Ação Penal 470, o famoso Mensalão. Entrou para o partido em 1981. De lá pra cá, teve cinco mandatos como deputado (1990, 1995, 1998, 2002 e 2006) e encara, agora, sua primeira experiência no Senado. A voz grave e o olhar fixo que emergem atrás de um rosto de sobrancelhas grossas e barba espessa dão à fala do senador um tom ancestral. O ex-sindicalista paraense encarna o elo perdido do PT palaciano com as origens rudes da militância fundadora.

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"Ele (Fernando Rodrigues) se valeu de um artigo da Constituição que assegura o sigilo da fonte. Mas, nesse caso, acho que o direito à informação era maior, dada a relação entre essa situação e tudo o que está acontecendo em nosso país", arrematou.

Informado pela VICE, Rodrigues se surpreendeu com o tom da crítica e enviou uma resposta por escrito:

"Entendo o desejo do presidente da CPI do HSBC, o senador Paulo Rocha (PT-PA), de ter acesso ao acervo vazado do HSBC. Entendo também que o Senado e a CPI têm o dever de perguntar aos jornalistas se poderiam fornecer os dados —o que foi negado. Estranho, entretanto, a crítica contida na seguinte declaração do senador Paulo Rocha: 'Ele [Fernando Rodrigues] está muito mais preocupado em querer manter matérias jornalísticas ao logo do tempo, vazando uma informação ali, soltando uns nomes acolá, pra manter a condição de produzir matérias jornalísticas que não têm nenhum aprofundamento maior'. Faço duas sugestões ao senador. Primeiro, a leitura das explicações detalhadas a respeito de como se dá a apuração do SwissLeaks. Segundo, que o senador tente verificar sobre o que fez o governo federal, comandado pelo PT, nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, quando o governo francês estava se dispondo a compartilhar os dados do SwissLeaks, fato amplamente noticiado pela mídia".

O jornalista já havia dito em plenário que não confiava na capacidade da CPI de manter a lista em segredo. Para Rocha, o levantamento dessa suspeita "foi uma descortesia, uma grosseria com o Congresso Nacional e com a CPI, uma vez que se trata de um trabalho investigativo do Congresso, que tem a seriedade e o compromisso que todos nós temos perante a Constituição, assim como ele acha que tem também".

Lá se vão sete anos desde que se ouviu falar na tal da lista pela primeira vez. Recentemente, em março, o governo começou a pedir ao governo da França acesso aos dados vazados – tudo muito lento, errático e tímido. Há uma avalanche de corrupção, escândalos e operações com nomes esquisitos se sucedendo no Brasil em uma velocidade incrível. No meio disso, imprensa e governo vão batendo cabeça, concorrendo, se mordendo, como acontece agora entre o jornalista e o senador. Dizem que é esse o amadurecimento da democracia.

Jonhyelson acha que não.