A Dor e as Lágrimas do Palhaço: O Pesadelo Norte-americano que Criou o Insane Clown Posse

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Música

A Dor e as Lágrimas do Palhaço: O Pesadelo Norte-americano que Criou o Insane Clown Posse

O ICP continua fazendo música para suas hordas de fãs obcecados fora do mainstream.

O histórico Masonic Temple de Detroit fedia a maconha, suor, refrigerante choco e desodorante Speed Stick naquela noite de 21 de fevereiro. O cheiro juggalo dominou o ar de um prédio que – graças ao teto dourado e carpete vermelho – parecia mais apropriado para uma apresentação de O Lago dos Cisnes do que de dois rappers brancos com maquiagem de palhaço.

Há sempre um clima estranho de tenda de festival nos shows do Insane Clown Posse, mas o Juggalo Day era um monstro diferente. Neste ano, o show gratuito anual na cidade natal do grupo, que visa a coletar doações de comida enlatada para bancos de alimentos, lembrava a rave com banho de sangue de Blade, trocando o sangue falso por refrigerante Faygo Moon Mist. Os fãs arrebatados do ICP se contorciam no seu sacramento de soda, gritando "whoop-whoop", enquanto Violent J, Shaggy 2 Dope e sua trupe de palhaços dançarinos davam voltas no palco, com o tipo de altivez que você só aprende nas piores escolas públicas dos EUA.

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Para as pessoas de fora da cultura, a cena do Juggalo Day foi uma vergonha na melhor das hipóteses e um perigo na pior. O FBI classifica atualmente os juggalos como uma gangue internacional. E, depois de 26 anos lançando discos e fazendo turnês internacionais, o ICP é tão polêmico hoje quanto era quando a defunta revista Blender os chamou de a pior banda da história. Apesar de a família juggalo nunca ter sido tão grande e forte, pouca gente aprecia a arte por trás do som e do apoio gerado pela cultura que eles criaram. E mesmo assim eles continuam fazendo música para suas hordas de fãs obcecados fora do mainstream.

E assim o grupo lançou seu novo disco, The Marvelous Missing Link: The Lost Version, no mês passado. E, mesmo ficando entre os 10 álbuns de hip-hop mais baixados no iTunes naquela semana, não houve críticas no Pitchfork.com e nem o perfil deles saiu nas últimas páginas da New Yorker. Quando a banda recebe qualquer atenção da imprensa dos EUA, a matéria é geralmente péssima e diminuta. Todos os críticos de rap com quem falei sobre o ICP se recusaram a ser mencionados neste texto, porque a banda é, nas palavras deles, "irrelevante". Sem falar que quase todos os meios de comunicação – incluindo este – já mandaram repórteres a eventos como o Juggalo Day para se chocar com as personagens bizarras e retratar a banda e seus seguidores como imbecis.

No entanto, eu não estava entre os escravos do bacanal pegajoso do Juggalo Day. Eu estava nos bastidores com a pequena (para padrões do rap) comitiva de amigos e familiares do ICP. E, dali, a cena não parecia um bando de fãs raivosos curtindo músicas que exaltam os prazeres do refrigerante. Parecia uma engrenagem azeitada. Os rodies entravam e saíam do palco de forma sincronizada, cobrindo as luzes quentes com respingos de Faygo e trazendo acessórios e efeitos especiais. Palhaços extras entravam e saíam como lutadores de luta-livre, baseados num roteiro rigoroso e cronometrado. Era como se esses caras do Meio-Oeste estivessem fazendo uma versão bizarra de Miss Saigon.

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"É tudo baseado nas indicações que [Violent J e Shaggy 2 Dope] definem", afirmou um dos palhaços extras. "Estamos nos apresentando, e eles têm de saber quando entrar, quando sair, quando bater no chão, quando jogar Faygo – todos juntos", me disse Violent J. "É igual aos Backstreet Boys."

Num show importante como o Juggalo Day, o ICP ensaia pesado todos os dias durante uma semana antes do show num palco num armazém em Farmington Hills, Michigan. Eles ensaiam a troca de figurino, a coreografia, praticam as indicações para se entrar no palco e aprimoram sua técnica de espirrar Faygo. É como uma versão carnavalesca dos regimes de ensaio dos artistas da Motown nos anos 60 em Hitsville USA, que fica a apenas dez minutos de onde Violent J e Shaggy formaram o ICP.

A ética de trabalho e preparação intensas do ICP foram essenciais na ascensão deles de uma banda de rap secundária de Detroit a líderes de sua própria cultura – um feito nunca alcançado por nenhum outro grupo da música popular norte-americana, que não o Grateful Dead.

Ser um juggalo se tornou um modo de vida para dezenas de milhares de norte-americanos que se sentiam deslocados por um motivo ou outro. Sarah, uma juggalette de dreads que conheci no Juggalo Day, me falou que o ICP é para "garotos que não se encaixam em outros lugares… é família. Você se sente bem… você pode ser você mesmo".

O estilo de vida dos juggalos não é só decorar as letras macabras das dezenas de CDs do grupo. É assistir aos filmes da dupla até saber de cor cada palavra e apoiar todas as outras bandas de cara pintada do selo Psychopathic Records, que faz cerca de US$ 10 milhões por ano. É beber refrigerante Faygo até aumentar seu risco de diabetes. É participar de eventos como Juggalo Day e Gathering of the Juggalos, no qual milhares de pessoas se juntam todo ano para apedrejar a Tila Tequila, ver uma mina fazer lap dance para veteranos com deficiência física e cantar junto canções clássicas do ICP, como "Please Don't Hate Me (Eminem's Mom)". (Um trecho da letra: "Please don't hate me, but I been fucking your mom loose lately".)

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O último lançamento do ICP é o disco The Marvelous Missing Link: The Lost Version, que gira em torno da fé, porque, de acordo com Violent J, viver sem fé é como "usar uns óculos escuros de depressão. Não importa como esteja o tempo, tudo sempre parece nublado e escroto".

Um sentimento estranho vindo de um grupo conhecido por fazer músicas "inapropriadas", tão ofensivas que eles foram chutados da segunda grande gravadora que os contratou nos anos 90. Mas eu sempre soube que havia mais no ICP do que eles aparentam; por isso, fui até Detroit, o lugar de nascimento do juggalo, para descobrir como eles se tornaram um dos fenômenos mais insultados e bem-sucedidos da cultura pop nos EUA.

O centro de Detroit parece uma Bagdá com neve. Prédios de seis andares sem janelas pontuam a paisagem. Restaurantes locais empregam seguranças com coletes à prova de balas. Helicópteros da polícia circulam no céu da cidade como urubus, dia e noite, com o som de sirenes constantemente ao fundo.

E, ainda assim, o ICP é otimista quanto ao futuro da cidade. Quando encontrei a dupla pela primeira vez na sede da Psychopathic Records, em Farmington Hills, a 35 quilômetros do centro, eles garantiram que Motor City estava "dando a volta por cima", uma noção cada vez mais difícil de se entender. Eu me peguei pensando: "Se isso aqui é dar a volta por cima, o que é estar numa pior?".

Shaggy 2 Dope e Violent J, cujos nomes verdadeiros são Joseph "Joey" Utsler e Joseph Bruce, cresceram juntos em bairros pobres dos arredores de Detroit nos anos 70. Essa foi uma era de declínio econômico acentuado na cidade, com fuga dos brancos dos subúrbios e instituições cruciais, como a Motown e as montadoras, trocando a cidade por localidades mais lucrativas. Os crimes violentos em Detroit alcançaram o ápice, com mais de mil homicídios anuais durante quase toda a década. Esse nível de violência opressiva era parte do cotidiano de J e Shaggy, mesmo quando eles eram crianças. Em sua biografia, Behind the Paint, Violent J se lembra de ver uma mulher nua "fugindo de uma casa com as mãos amarradas" quando ia à escola. A mulher, segundo ele, tinha acabado de ser estuprada.

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O livro também conta os problemas que Violent J estava tendo em casa. Num capítulo chamado "A Vida com Satã", ele descreve como seu padrasto, que ele chama pelo nome falso "Lester, o Pedófilo", agarrava seu pênis quando ele era só um menino.

(O músico não estava disponível para comentar o caso de abuso infantil. O publicitário da Psychopathic Records me disse por e-mail para "se referir à autobiografia de Violent J, Behind the Paint, sobre sua visão do assunto… muitos nomes foram trocados por motivos legais, mas Jumpsteady [o irmão de Violent J] pode confirmar tudo o que está escrito no livro".)

Violent J lembra que os dois netos do padrasto vinham visitá-lo de vez em quando. Um dia, segundo ele, um dos netos falou "Vamos transar" e o mandou tirar a roupa e deitar de barriga para baixo. Nessa época, Violent J nem sabia o que era sexo. Ele disse que se recusou, saiu da sala e contou tudo para o irmão, Jumpsteady. De acordo com o livro, Jumpsteady expulsou os netos da casa na mesma hora.

"Agora que sou um homem crescido e velho, as coisas são diferentes", escreveu Violent J. "Se eu cruzar com a cara cansada do meu padrasto de novo, eu o mato."

Mais tarde, quando era adolescente, segundo o livro, seu amigo o levou para trás de uma casa abandonada. O amigo tirou o pênis da calça e mandou Violent J chupá-lo. Ele diz que começou a chorar e aí viu um pedaço de pau no chão. Ele se abaixou, como se fosse chupar o amigo, pegou o pedaço de pau, jogou nele e saiu correndo.

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"Memórias assim podem te assombrar para sempre", ele escreve. "Sei que todo mundo tem suas próprias memórias horríveis. Não estou sozinho nisso. Acho que o melhor é contar para outros ninjas suas memórias horríveis, porque, com o tempo, uma memória horrível pode se tornar uma história engraçada, e fica muito mais fácil lidar com isso."

Claro, esse é um mantra que entra fundo em muito do trabalho do ICP, considerando suas incontáveis canções humorísticas sobre se matar pedófilos. E, apesar de uma infância repleta de abusos, fica claro que J tem memórias queridas desse tempo, principalmente depois que fez amizade com Shaggy na escola fundamental. Essa amizade era o que eles tinham de mais constante na vida na época, enquanto as duas famílias lutavam para sobreviver.

"Há muitos juggalos por aí que cresceram sozinhos em condições assim, e era difícil. Não foi fácil até eles descobrirem o ICP." – Violent J

Eles se identificavam um com o outro, porque eram pobres e nunca tiveram uma figura paterna real em casa. A falta de uma presença masculina em casa afetou principalmente Shaggy, que começou a beber e usar drogas bem cedo, em parte porque não havia ninguém por perto forte o suficiente para impedi-lo.

"Ninguém conseguia aguentar. Eu vivia bêbado", Shaggy contou a Howard Stern em 2006. Ele explicou como o problema com o álcool piorou depois que o ICP explodiu. "Ainda arranjo brigas. O único problema com a sobriedade é que agora me lembro dessas brigas."

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Como eram moleques pobres, eles só tinham uma camiseta e duas calças cada um, o que chamou a atenção dos colegas de classe. Os outros garotos viviam zombando dos dois por serem pobres e os tratavam como "scrubs" (pessoas sem valor). Aí, um dia, eles decidiram que já tinham aguentado o suficiente. No ensino médio, eles começaram a abraçar a "scrublife" e fizeram uma escolha de estilo, se apelidando de "the floobs" ("os párias").

"Podemos fazer não ter nada ser legal", decidiu Violent J. Ele e Shaggy começaram a se exibir. Quando andavam com suas bicicletas toscas pelo bairro, eles gritavam "Somos floobs!". Provavelmente, uma cena parecida com os juggalos gritando desafiadoramente "Família!" no Juggalo Day, declarando sua união como párias orgulhosos.

Fazer algo do nada se tornou um tema essencial da música do ICP e da cultura ao redor disso. Eles acabaram escrevendo canções sobre tênis Payless como se eles fossem Margielas e odes de amor a mulheres acima do peso como se elas fossem a Rihanna. "Muitas minas gordas curtem isso", Violent J me disse. No entanto, ele vê a missão do ICP como muito séria. "Há muitos juggalos por aí que cresceram sozinhos em condições assim, e era difícil. Não foi fácil até eles descobrirem o ICP."

Todo juggalo que conheci no Juggalo Day ecoou esse sentimento. Contando as histórias de como se identificaram como juggalos, eles falam como gays sobre se sair do armário. Você não se torna um juggalo – você nasce um juggalo. Antes de o ICP os conscientizar de que eram parte da família juggalo, eles se sentiam párias. Eles eram muito gordos, feios e pobres para sair com os punks ou com os nerds dos quadrinhos. A cultura juggalo deu a eles uma identidade e ainda transformou seus estigmas em algo de que se orgulhar. Ou como Violent J afirmou, "Agora todo mundo é um floob".

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No final da adolescência, os floobs se tornaram uma gangue de verdade: o Inner City Posse. "Éramos fracassados naquele ponto das nossas vidas, e a coisa da gangue nos deu uma desculpa para sermos fracassados", escreve Violent J em sua biografia. Enquanto a maioria das gangues vende crack ou comanda quadrilhas de prostituição, eles faziam "coisas horríveis" como jogar tijolos na cara de prostitutas. Mas a gangue também agia como Robin Hoods sedentos de sangue. "Eu odiava os ricos", escreveu Violent J em Behind the Paint. "A gente ia de carro até Birmingham e socava os moleques ricos que encontrava pelo caminho."

Violent J estava ocupado demais causando caos nas ruas para levar o rap a sério. Só depois que foi preso por 90 dias quando tinha 18 anos, por tentar roubar um carro, ele começou realmente a escrever rimas. Quando saiu, ele decidiu ficar longe de problemas e se devotar à música. Ele gravou uma fita chamada Enter the Ghetto Zone, usando o nome Violent J pela primeira vez. Shaggy adorou o som e começou a rimar com ele.

"Todo mundo na cena rap de Detroit começou a desenvolver um jeito de chamar a atenção. Kid Rock se vestia de cowboy. Esham disse que adorava o diabo. E o ICP começou a fazer maquiagem de palhaço."

A dupla passava horas gravando músicas, entregando panfletos e implorando para donos de lojas de discos venderem seus álbuns. Eles amavam o trabalho. Violent J esperava realizar tanto musicalmente quanto seus ídolos Michael Jackson e Brian Wilson, que "trabalharam tanto que ficaram loucos". No entanto, essa ética de trabalho teve um preço. "Isso significou sacrificar várias merdas que moleques normais de 19, 20, 21 anos fazem, como ir à balada, xavecar as minas e fazer festas", frisou Shaggy.

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A primeira encarnação do Inner City Posse rimava principalmente sobre a zoeira. Foi só depois que Violent J e Shaggy ouviram os Geto Boys (grupo de rap de Houston, Texas) no final dos anos 80 que eles se interessaram por fazer uma música que fosse igualmente inspirada em lances gângsteres e em filmes de terror. No começo dos anos 90, muitos rappers de Detroit estavam escrevendo sobre a vida nas ruas; então, todo mundo na cena rap de Detroit começou a desenvolver um jeito de chamar a atenção. Kid Rock se vestia de cowboy. Esham disse que adorava o diabo. E o ICP começou a fazer a maquiagem de palhaço.

Violent J diz que a ideia de usar maquiagem de palhaço veio de Deus.

"Dark Carnival entrou na nossa vida e começou a dar ideias. Não fez sentido no começo, mas pensamos 'Vamos fazer isso' – e fizemos", relatou Shaggy.

O sentido vem evoluindo com os anos, mas, falando no geral, Dark Carnival é o universo em que o mito do Insane Clown Posse se baseia. Mais especificamente, como Violent J contou à Rolling Stone, isso tem a ver com "matar os racistas e os pedófilos". Nesse sentido, isso é uma alegoria do julgamento, um tipo de parque de diversões temático de purgatório no qual a burguesia, os opressores e os predadores finalmente recebem o que merecem.

"Na nossa música, expressamos muito raiva. Muita dessa raiva ainda é real. É mais fácil dizer isso no disco, e isso é amplificado nos nossos álbuns", me falou Violent J. "Se falamos sobre matar um pedófilo, isso vem de algum lugar. Isso é raiva real. Queríamos poder matar um pedófilo; então, fazemos isso nos discos."

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Você pode ver isso em músicas como "Piggy Pie", de 1997, e "To Catch a Predator", de 2010, uma fantasia de vingança sobre se torturar e decapitar um pedófilo. No reino do Dark Carnival, são pessoas assim que devem sumir.

"Talvez nem tudo seja igual à minha visão, mas algo está vindo e vai consumir todas as almas que não forem puras", J escreve em sua biografia.

Aqueles que fazem o julgamento e a execução dentro do Dark Carnival são um núcleo de personagens fictícios extremamente violentos. Elas têm nomes sinistros como O Grande Milenko e O Mestre do Picadeiro, são retratados com rostos horríveis e possuem poderes únicos. Cada personagem é representada por sua própria "carta curinga", que serve de capa para cada disco epônimo das personagens no catálogo do ICP. A banda completou seu primeiro baralho em 2004 com seis cartas. Agora, o grupo está em seu segundo baralho e o recém-lançado The Marvelous Missing Link: Lost/Found Era é a terceira carta.

"Geralmente, a mensagem da carta curinga vem atrás do entretenimento e é uma mensagem secreta", me disse Violent J. No entanto, "A mensagem [de The Marvelous Missing Link] está na cara: Encontre esperança".

"Nenhum rapper por aí, não importa quem seja, pode fazer o que [o ICP] fez. Eles criaram um movimento." – DJ Paul

Um conceito como esperança como centro de um disco do ICP não é algo inédito. Em 2001, depois de sair da Island Records para lançar música por sua própria gravadora, a Psychopathic Records, eles lançaram The Wraith: Shangri-La, o primeiro disco da carta final do primeiro baralho curinga. A última faixa do disco, "Thy Unveiling", chocou até mesmo os fãs de longa data com a estrofe final do verso de abertura:

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"When we speak of Shangri-La, what you think we mean? / Truth is we follow God, we've always been behind him. / The Carnival is God, and may all Juggalos find him!". ("Quando falamos de Shangri-La, o que você acha que significa? / A verdade é que seguimos Deus, sempre estivemos atrás dele. / Dark Carnival é Deus, e que todos os juggalos o encontrem!")

Alguns juggalos se sentiram enganados: o ICP era religioso desde sempre? Apesar de o Guardian e de outras mídias terem chamado o grupo de cristão, os rappers garantem que isso é falso. Eles simplesmente queriam trazer uma mensagem mais profunda em suas músicas e dizer aos juggalos, seus colegas floobs, que há esperança mesmo no apocalipse. O fator do choque também ajudou a manter o nome da banda nas notícias.

"Somos o contrário de bandas como o U2, que podem dizer 'Vamos tirar alguns anos de folga e depois reagrupar'. Não podemos fazer essa merda. Somos underground", me falou Violent J. "Estamos constantemente tentando nos manter relevantes – lutando sempre para fazer barulho a fim de que as pessoas olhem para nós. É difícil quando você é underground e não tem sucessos tocando nas rádios e essas merdas."

A aposta compensou. Hoje, a Psychopathic Records é um negócio próspero e o ICP é um esteio da paisagem cultural norte-americana. Pela tabela de álbuns independentes da Billboard, eles venderam mais discos indie que o Yeah Yeah Yeahs ou o White Stripes. A banda também continuou a ganhar novos fãs. No Juggalo Day, conheci juggalos de segunda geração que foram criados por pais juggalos.

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"Como rappers, acho que outros rappers nem podem dar sua opinião sobre o ICP, porque o ICP está acabando com todos eles", me disse o fundador do Three 6 Mafia e lenda do hip-hop, o Dj Paul. "Nenhum rapper por aí, não importa quem seja, pode fazer o que [o ICP] fez. Eles criaram um movimento. [No Gathering of the Juggalos] as pessoas dormem em carros e na grama por três dias seguidos. Não consigo pensar num rapper que faria isso. Você tem de ter mais que algumas músicas boas e ter vendido alguns milhões de discos para fazer isso. [Eles têm] um plano de gênio."

O ICP comanda a Psychopathic Records de um prédio de dois andares em Farmington Hills, um subúrbio nos arredores de Detroit. Sua própria versão demente de Hittsville, USA.

Fumando um cigarro eletrônico, Shaggy me levou para um passeio pelo prédio com Violent J. Num escritório no primeiro andar, eles colam fotos dos fãs na "Parede do Carma".

"Há alguma coisa por trás de cada foto", destacou Shaggy. "Algumas fotos são bem normais – fotos das pessoas no colegial, fotos de bebê –, mas temos coisas bem interessantes no meio disso. A foto não vai estar ali se não significar alguma coisa para alguém aqui."

No segundo andar, fica o escritório do CEO da Psychopathic Records, Bil Dail (que o ICP conhece desde criança), e de Jumpsteady, o irmão de Violent J. Dail guarda o forte, enquanto o grupo faz turnês ou grava. E Jumpsteady ajuda a passar uma mensagem importante para a família juggalo. "Os juggalos amam e confiam na palavra de Jumpsteady", ressaltou Violent J.

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Violent J e Shaggy construíram a Psychopathic com base em valores de família, o que é inacreditável considerando suas vidas disfuncionais na infância. Eles contratam parentes ou velhos amigos; além disso, os dois rappers levam os filhos e as esposas nas turnês, parando em restaurantes Chuck E. Cheese pelo caminho para entreter as crianças. Os anos de fúria e de transas com "milhares, milhares" de mulheres ficaram para trás, explica Shaggy.

"[Ficar sóbrio] não faz diferença durante as turnês, nunca tivemos as turnês loucas de astros de rock", me contou Shaggy. "Agora, isso não é mais tão atraente quanto costumava ser. Fazemos um show e ficamos cansados pra caralho."

Para preservar seu legado, eles transformaram a sala de conferências num espaço para armazenar suas recordações. Prateleiras de metal e gaveteiros guardam 25 anos de história do ICP: uniformes de polícia falsos, máscaras de zumbis, hábitos de monge, uma fantasia de macaco – e a lista continua. A sala dá numa escada que nos leva até um grande armazém, onde eles guardam o merchandising que vendem pela internet. A mercadoria do ICP vai de camisetas básicas a roupas que parecem moda de rua de qualidade superior. É só uma questão de tempo até lojas como a V-Files se apropriarem das calças "PsychoBitch" ou dos macacões roxos com "Faygo" escrito atrás.

Mas o coração e a alma do prédio não têm nada a ver com roupas ou e-commerce – é o estúdio de gravação, "o Lotus Pod". Um estúdio com painéis de madeira onde eles gravaram a maioria de suas obras-primas.

"[O Lotus Pod] é a meca da Psychopathic Records", me explica Violent J.

"É o ponto de partida de toda a mágica que produzimos", continua Shaggy 2 Dope. "É daqui que o barulho vem – bem aqui, neste prédio."

Nas paredes, estão os resultados desse barulho: o disco de ouro de The Amazing Jeckel Brothers e uma placa de platina por The Great Milenko. Essas conquistas e a fortaleza familiar em Farmington estão muito longe da infância pobre e despedaçada do grupo, quando esses moleques bastardos corriam pelas ruas cinzentas de Motor City. A placa representa o trabalho duro que eles vêm canalizando para sua música.

"É mais um estilo de vida do que um vício em trabalho", acrescentou Shaggy. "É como se o trabalho fosse nossa vida."

E eles querem que os novos dois discos, The Missing Link: Lost e The Missing Link: Found, continuem a ensinar a comunidade juggalo a ter esperança num futuro melhor.

E quem melhor para espalhar a palavra do que Violent J e Shaggy 2 Dope? Afinal de contas, antes dos floobs, antes de The Great Milenko, antes do Gathering, antes de o Faygo se tornar a água-benta do White trash, eles eram apenas dois garotos pobres se juntando para superar os perigos de uma Detroit infestada por gangues e traumas.

"Quem pode superar algo como a esperança? Como alguém pode diminuir algo que dá esperança às pessoas?", me perguntou Violent J. "E é disso que estamos falando, cara: tenha esperança na sua vida."

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Tradução: Marina Schnoor