A Era Dourada do GameFAQs e a Arte em ASCII

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A Era Dourada do GameFAQs e a Arte em ASCII

Fiz um leve garimpo de ASCII escondido no GameFAQs, um site especializado em guias de videogame criados pelos próprios usuários que revelam macetes, fases e bugs de seus joguinhos prediletos.

Antes do advento da Web 2.0, de grandes impérios corporativos erigidos em cima de conteúdo criado por usuários, quando a internet começava a engrenar nos meados dos anos 90 e a melhor fonte de informações sobre os jogos de videogame que você amava ainda era as revistas especializadas, um grande centro de informação foi criado nos revoltosos mares do ciberespaço. O GameFAQs é um site especializado em guias de videogame criados pelos próprios usuários, que, tendo jogado os títulos muito mais horas do que é saudável para um ser humano médio, desenvolveram seus próprios guias não oficiais contando todos os macetes, fases e bugs de seus joguinhos prediletos.

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O site continua bem vivo, mas seu auge foi no começo da primeira década deste milênio por alguns motivos convergentes entre seu público alvo; motivos estes que partilhei 200% com a molecada que passava horas consultando os enormes arquivos de extensão .txt de um megabyte. Essa época foi justamente quando os emuladores começaram a bombar; lembro, saudoso, das tardes preguiçosas em que eu passava procurando os melhores games de Super Nintendo (videogame que eu nunca tive, mas, através da magia do microcomputador, poderia jogar qualquer um feito para aquela plataforma). Nessa internet gostosa dos baixos anos 2000, que a galera também começou a poder fazer uma pesquisa retroativa dos melhores games que eles haviam perdido das gerações anteriores, tanto para os consoles quanto para PC; foi também o auge dos sites de abandonware, termo absolutamente confuso que buscava possibilitar a pirataria com um verniz bonitinho sob o manto que tudo explica (e justifica) da cultura gamer.

Quando muita gente começa a se interessar sobre jogos mais antigos, isso bate em um problema crucial de qualquer jornalismo especializado, papel que as revistas de videogamevcumpriam antes do advento da internet. O jornalismo trabalha, na maioria das vezes, com notícia, com o que acabou de sair ou com o que está saindo; por sua própria natureza, essa atividade não trata de um objeto que não seja "fresco" nem novidade. Muito da força da internet vem da criação de nichos onde todo mundo pode encontrar seu lugarzinho: os jogadores aficionados de videogame, por sua natureza tecnológica, sempre tiveram esse nicho assegurado. Criado com o intuito de ser um grande receptáculo de guias criados por usuários, que, para sempre, ficaria lá para quem quisesse acessar, o GameFAQs começou a cumprir um papel que o jornalismo de videogames já não podia mais cumprir.

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Muita gente da minha geração dependeu das informações, nem sempre corretas, dessa bela publicação nacional. Provavelmente um dos maiores sucessos da editora Escala.

É engraçado ver alguns guias mais antigos, como um de 1998 sobre Final Fantasy VI (III, na versão americana), um dos mais louvados pelos fãs da série. Neste guia, o escritor fala: "Faz quatro anos desde que o jogo foi lançado na América do Norte, então tenho certeza de que quase ninguém mais joga este jogo, mas, para mim, FF3 ainda é o melhor jogo que existe em todos os sentidos". Bom, amigo, depois de alguns anos, você veria que não era o único que o coloca num pedestal. Essa característica insular dos gamers dos anos 90 que dependia apenas da opinião de seus amigos imediatos e da recepção deles sobre os games, além do que conseguia ler nas revistas, fazia muita gente se sentir sozinha em seus gostos, como este belo escritor de FAQs. Com os jogadores cada vez mais olhando para trás, não apenas para frente, só a internet poderia juntar toda a informação que essa turminha precisava produzir e consumir.

Aliás, a era de ouro dos emuladores me proporcionou um curioso e frustrante embate tecnológico que me impediu de progredir em um game. Quando eu finalmente adquiri um ROM de Chrono Trigger, um dos RPGs mais amados da era 16 bits, obviamente recorri ao GameFAQs nas partes em que eu travava. Nessa hora, era necessário digitar um código no jogo para abrir uma porta que consistia em segurar os botões L e R e apertar A. Acontece que a maioria dos teclados de computador, inclusive do meu belo pentium 166 na época, tem um limite de teclas que se pode apertar ao mesmo tempo – com exceção das teclas control e alt. Sem saber disso, eu não consegui por nada nesse mundo digitar o maldito código e fiquei anos sem jogar o game e passar daquela parte desgraçada. Bosta de teclado.

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Uma das belezas dos guias disponíveis no GameFAQs é que, fora algumas imagens descoladas dos antigos e dos mais recentes em HTML, eles estavam limitados ao formato TXT. O texto puro sobre o fundo branco contrastava muito com as revistas de videogame e sua poluição visual adequada para chamar a atenção da juventude movida a refrigerante e salgadinhos. Apesar disso, a parte visual nos guias nunca foi completamente abandonada, e existem muitos exemplos de como a molecada consegue deixar bonito um arquivo de texto puro. A resposta lógica para chamar a atenção para aquele detonado invocado que você fez do segundo Zelda? Arte em ASCII. Se você não conhece a terminologia, é a figuração feita apenas com os caracteres comuns de texto – e dá pra fazer muita coisa só com isso. Pela dificuldade simplista da técnica em si, apenas a mera reprodução dos letreiros dos joguinhos já é um puta feito, e o pessoal se orgulha de seu trabalho nessas belezocas das artes visuais.

Como um apreciador da arte ASCII, resolvi fazer um leve garimpo de um pouco do ouro escondido nos guias do GameFAQs; inclusive, estou, através deste texto, oferecendo meus serviços de pesquisador para quem quiser me pagar para trabalhar em período integral para ir atrás e catalogar as mais belas artes em ASCII. Se você for um milionário excêntrico, patrono das artes digitais, entre em contato comigo! Como não descobri um método melhor, a pesquisa foi feita através de uma arqueologia errática: ir procurando títulos de jogos e clicando em milhares de FAQs diferentes. Felizmente, nessa busca achei um artista em especial, escritor de FAQs e artista em ASCII, participante da comunidade dos famigerados fóruns do GameFAQs; se você tem algum amor pela arte ASCII, recomendo fortemente que passe alguns minutos da hora do cafezinho no seu trabalho vendo a bela galeria do DomZ Ninja. E sobre os milionários excêntricos, eu estava falando bem sério: entrem em contato.

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