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A Guerra Contra Trabalhadores Sexuais se Intensifica: o MyRedBook Foi Tirado do Ar pelo FBI

Quando entrei no Facebook no dia 26 de junho, dei de cara com dezenas de screenshots de um aviso com os selos do FBI e do Internal Revenue Service, indicando que o MyRedBook tinha sido tirado do ar.

Manifestantes zombam da polícia durante um protesto de trabalhadores sexuais em 2010. Foto via usuário do Flickr Steve Rhodes

Quando entrei no Facebook no dia 26 de junho, dei de cara com dezenas de screenshots de um aviso com os selos do FBI e do Internal Revenue Service, indicando que o MyRedBook tinha sido tirado do ar. Digitei a URL deles e recebi a mesma mensagem. Foi quando senti um nó no estômago. Para quem não sabe, o MyRedBook era uma rede de fóruns privados e públicos que oferecia um lugar no qual acompanhantes dos EUA podiam anunciar seus serviços, serem avaliados, listar clientes ruins, verificar clientes novos e apoiar uns aos outros num negócio que é, em geral, solitário e isolador. Mais importante, o MyRedBook provavelmente era o maior site de anúncios de entretenimento adulto do norte da Califórnia, e o único em que as pessoas podiam anunciar de graça.

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Alguns anos atrás, o Craigslist fechou sua sessão de serviços eróticos depois que Melissa Farley mentiu para o Congresso norte-americano sobre a idade média de entrada na prostituição ser de 13 anos, e a Women's Funding Network deu falso testemunho dizendo que a prostituição de menores de idade no site tinha aumentado em 64,7% em seis meses. O que também foi um choque para mim. No Craigslist eu podia postar explicitamente as experiências que eu queria ter e encontrar cavalheiros compatíveis – de repente, eu só podia anunciar minha disponibilidade de horário e taxa por hora. Discussões sobre compatibilidade ou expectativas podiam me mandar direto para a cadeia, e eram sempre bloqueadas pelos sites de anúncio. E se meus novos clientes esperassem serviços que eu não queria fornecer?

Algumas amigas ficaram em condições muito piores. Uma delas não podia ter cartão de crédito ou conta em banco, e como não tinha ninguém em quem pudesse confiar e de quem pudesse pegar um cartão de crédito emprestado (o que tornaria essa pessoa, legalmente, cafetão ou cafetina dela), ela logo teve que trabalhar nas ruas para poder pagar o aluguel.

“Não acredito que isso está acontecendo de novo”, digitei no celular para outra amiga que vive em São Francisco. “Espero que as pessoas não acabem nas ruas.” Comecei a arrumar minha estante de livros por títulos para tentar ocupar a cabeça. Meu celular vibrou.

“Claro que vai acontecer. Provavelmente já está acontecendo enquanto conversamos.”

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Voltei para o Facebook para buscar mais informações. A Abeni, uma organização sem fins lucrativos que fornece serviços aos trabalhadores sexuais, incluindo vítimas de exploração sexual doméstica, postou: “Como o RedBook foi tirado do ar, sabemos que algumas pessoas terão que fazer escolhas difíceis sobre como proceder e que propostas aceitar. Pedimos que vocês ouçam seu instinto e não pulem os passos que normalmente seguem para se sentirem seguros. Não esqueçam de avisar quando estão saindo e quando estão chegando, pesquisem seus encontros se possível e considerem usar aplicativos como o KiteString se necessário. Para os que têm pouca ou nenhuma escolha, pedimos que vocês se mantenham o mais conectados possível aos seus amigos e colegas.”

Conversei com Meg Munoz, diretora da Abeni, e ela explicou que o MyRedBook era “um grande trunfo quando se tratava de encontrar sobreviventes e no acompanhamento deles. Isso ajudava a trabalhar com um sobrevivente para estabelecer uma relocação de emergência”.

Comecei a ouvir rumores de que menores e cafetões estariam utilizando o site, o que teria atraído a ira do FBI. “Como os policiais vão encontrar vítimas de exploração sexual agora que elas não têm mais um lugar para anunciar?”, as pessoas razoáveis se perguntavam. Parecia que os presos no caso tinham sido acusados apenas de lavagem de dinheiro e algo relacionado ao Mann Act, uma lei que proíbe uma prostituta de colocar um anúncio num site para facilitar seu transporte através de fronteiras dos estados para propósitos imorais. Essa parte foi o que me deixou mais puta. Quase dez anos atrás, um homem na minha rede estendida de conhecidos levava mulheres para seu estado para estuprá-las. Isso claramente era transportar mulheres além das fronteiras dos estados para propósitos imorais, mas o FBI discordou e não quis apresentar queixas. Como de costume, o governo se recusou a usar leis supostamente criadas para proteger mulheres para realmente proteger as mulheres, usando-as contra elas em vez disso.

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O fechamento do MyRedBook veio logo após uma operação pente fino pelos EUA, na qual o FBI prendeu 168 vítimas, 281 cafetões e mais de mil trabalhadores sexuais. É isso mesmo: o FBI conseguiu achar 1,67 cafetões para cada vítima. Em algumas cidades, o FBI encontrou diversos cafetões e nenhuma vítima. Esse foi o resultado da Operação Cross Country, parte do Projeto Inocência Perdida. A primeira vez que ouvi falar disso, pensei que Inocência Perdida fosse um site pornô de ninfetas, mas, na verdade, é uma desculpa que o governo dos EUA usa para te caçar se achar que você colocou sua inocência no lugar errado.

Um repórter do Truthout falou com vários agentes do FBI, que foram evasivos sobre o número de trabalhadores sexuais presos e o que acontecia com menores “resgatados”. Na semana passada, o escritório nacional do FBI não retornou as ligações da VICE.

Cinco dias depois que o MyRedBook foi tirado do ar, os senadores norte-americanos Dianne Feinstein, da Califórnia, e Mark Kirk, de Ilinóis, introduziram o SAVE Act. A lei, que pretende reprimir a exploração sexual de crianças, quer eliminar todos os sites de “anúncios adultos” da internet, incluindo aqueles que trabalham com anúncios de serviços adultos legais. O que significa que será um crime federal ter um site que “facilita ou criado para facilitar” anúncios de serviços adultos “que levem a transações comerciais”. O Center for Democracy and Technology e a União Americana Pelas Liberdades Civis criticaram a lei por sua amplitude e potenciais efeitos negativos na liberdade de expressão.

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Não vou dizer que sou especialista em lei constitucional. Mas, pelo meu entendimento, a eliminação de anúncios adultos na internet vai mandar muitos trabalhadores sexuais de volta à era das trevas do trabalho nas ruas. Para evitar atrair a atenção da lei, os trabalhadores vão pular dentro dos carros de cliente que nem sequer verificaram, sem tempo para negociar o pagamento ou os serviços a serem oferecidos, e acabando num espaço confinado com travas de segurança na companhia de estranhos. Se for aprovada, essa lei será a causa de muita violência desnecessária contra os trabalhadores sexuais – gente que muitas vezes não pode dar queixa dos crimes que sofreram sem serem presas.

Nove dias depois da introdução do SAVE Act, uma colega foi presa e acusada de sete crimes envolvendo exploração sexual. Ela não foi acusada de forçar, fraudar, coagir ou cometer qualquer outro tipo de abuso. O policial que a prendeu alegou que ela fornecia marketing on-line de mulheres para “clientes do mercado de exploração sexual”, que mantinha um lugar de prostituição e estava em posse de 31 acordos de contratado independente. Anúncios on-line, associados a espaços fechados compartilhados, oferecem um alto nível de segurança para quem trabalha no mercado sexual – mas tomar medidas para aumentar a segurança das pessoas nesse ramo se chama exploração sexual hoje em dia.

Os políticos dos EUA dizem que tudo isso é para salvar quem trabalha na indústria do sexo, para nos resgatar, como se fôssemos gatos de rua. Mas para os profissionais impactados, essas ações indicam uma agenda clara – criar um mundo no qual os trabalhadores sexuais são cada vez mais empurrados para o submundo, onde acompanhantes têm seu apoio profissional e pessoal cortados, sem ter como se proteger de cafetões ou clientes violentos. Dizem que o patriarcado se preocupa em garantir aos homens acesso sexual livre às mulheres. Hoje, isso está conseguindo punir mulheres e transexuais que ousam oferecer sexo que não seja de graça.

Tara Burns é a autora de Whore Diaries: My First Two Weeks as a Escort e Whore Diaries II: Adventures in Independent Escorting. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor