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Música

A Guerra da Thatcher Contra o Acid House

Se você quisesse bater de frente com o sistema no final da era Thatcher, o jeito mais rápido de ser fichado pela polícia era assistir futebol ou ouvir músicas com batidas repetitivas com o intuito de dançar.

Primeiro ela foi atrás do leite. Aí ela foi atrás dos mineiros. Depois ela ficou sem ter o que perseguir, então foi atrás dos torcedores de futebol que arranjavam brigas para se divertirem e do acid house.

Pode parecer muito improvável numa época em que todo pub do Reino Unido obrigatoriamente tem um par de telões passando Sky Sports, mas se você queria bater de frente com o sistema no final da era Thatcher, o jeito mais rápido de ser fichado pela polícia era assistir futebol ou ouvir músicas com batidas repetitivas com o intuito de dançar.

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Se você está procurando uma medida de como a Inglaterra mudou desde o reino Thatcher, considere como duas constantes do mainstream atual — futebol e música eletrônica — já foram pintadas como demônios folclóricos por um regime que rapidamente ficava sem coisas novas para onde apontar sua polícia montada.

Claro, os torcedores de futebol tinham poucas ilusões sobre como eram vistos nos anos 1970, e qualquer um que tivesse ligações com indústrias ou sindicatos já prestava atenção na política Tory bem antes de Thatcher subir ao poder em 1979. Mas para quem é mais jovem, e especialmente para quem é mais jovem e mais do sul da Inglaterra, o quanto o governo Thatcher pegou pesado com os demônios gêmeos do futebol e da música dance parece até loucura.

Foto por Gavin Watson.

Foi só quando fugi de uma festa em Dalston em 1989 que senti isso em primeira mão. O motivo da minha partida precipitada foi a súbita entrada de um grupo de policiais da delegacia de Stoke Newington, notórios no local por sua selvageria. Eles entraram, tiraram os números dos uniformes e começaram a quebrar as coisas da maneira mais violenta possível sem usar armas de fogo, indo para cima tanto dos caras quanto das minas sem distinção. Pode falar o que quiser sobre violência — e é isso que o Estado geralmente esquece quando escolhe aplicá-la —, mas isso não te faz ficar focado. Se você está procurando por um jeito de estimular a cabreragem das últimas pessoas que não estavam putas no país (homens brancos de classe média que usavam drogas eufóricas, como era o meu caso), então mandar o Grupo de Apoio Territorial para arrebentar uma pista de dança era uma maneira bem eficiente atingir esse objetivo.

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No entanto, até que a lei realmente voltasse seu cassetete para elas, era difícil encontrar pessoas que realmente se importassem com como o governo as tratava na época. O fotógrafo Gavin Watson — autor de Raving '89, que documenta de um jeito bem engraçado as raves de acid house do final dos anos 1980 e começo dos 1990 — concorda: “A política se tornava supérflua durante as raves. Toda a merda que a Thatcher fazia entrava por um ouvido e saía pelo outro, estávamos tão envolvidos com a cultura que simplesmente não tínhamos tempo de nos importar com política”.

As capas do Boy's Own.

Cymon Eckel, cofundador do fanzine de acid house e futebol Boy's Own, pensa como Gavin. “Uma coisa meio trágica sobre rave era que, diferentemente das outras cenas musicais, essa era completamente despolitizada”, ele explica. “Acho que se pode dizer que as pessoas queriam escapar da negatividade da política naquela época, ou que tinham mesmo desistido dessa porra.”

De qualquer maneira, o que se seguiu foi uma lição objetiva de como transformar hedonistas em hereges. “Como poucas pessoas tinham o poder de reunir milhares de jovens com um telefonema, o governo pensou que havia ali um ângulo político que na verdade não existia”, diz Andrew Weatherall, outro cofundador do Boy's Own e hoje uma das principais figuras da história da música dance britânica. “O governo, e não as pessoas que realmente estavam envolvidas, foi quem começou a politizar a cena colocando a polícia para seguir e filmar esse pessoal, e discutindo sobre isso no Parlamento.”

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Foto por Gavin Watson.

Os conservadores e a mídia, que adoravam propagar sua indignação com a cena, foram, nas palavras do próprio Gavin, “pegos com as calças na mão — eles estavam cinco anos atrasados quando começaram a falar disso”. No que foi provavelmente um dos melhores exemplos de como a mídia estava desinformada quando se tratava de acid house — e, aparentemente, avesso a qualquer pesquisa básica —, um jornal chegou a relatar a descoberta de “embalagens de ecstasy” numa pista de dança depois de uma festa. Watson elabora: “A tentativa de propaganda deles era uma piada, uma sensação de total impotência. A gente acabava indo às raves e rindo do governo e das 'embalagens de ecstasy' deles”.

E os jornalistas que metiam o pau na cena na imprensa também não eram avessos à sedução da coisa toda: “Sim, claro que os jornalistas apareciam!”, ri Weatherall. “Eram as pessoas que trabalhavam nesses tabloides, sabíamos quem eles eram. Às vezes eles frequentavam as festas mesmo.”

Foto por Stuart Griffiths.

Antes da introdução dos assentos numerados, o futebol — assim como o acid house — poderia te jogar no meio de uma multidão que parecia fora de controle quando vista de fora. Mas o que poderia ser algo eufórico de se participar se tornou um espetáculo a ser temido. Assim como as pessoas morriam em jogos de futebol e narrativas mentirosas se espelhavam pela mídia sugerindo que as vítimas é que deviam ser culpadas, o acid house e seus passatempos associados também eram pintados como atividades cujos participantes precisavam ser protegidos de si mesmos. Ou, se isso não desse certo, totalmente derrotados.

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Eu gosto que isso seja difícil de imaginar numa época em que Stewart Downing tem permissão para atacar de DJ em seu tempo livre, mas houve uma época em que ligar um aparelho de som num prédio abandonado atraía uma resposta da polícia que seria muito mais apropriada para a montagem de equipamento nuclear. Seja lá o que atiçou o establishment sobre a cena rave, de sua própria maneira distorcida eles tinham um motivo. Aquilo era perigoso.

Antes que as “batidas repetitivas” — como um ato da Justiça Criminal definiu isso em 1992 — chegassem ao mainstream, a falta de lugares para ouvir essa música significava que, quando as pessoas conseguiam se reunir, você tinha gente de todo tipo ouvindo música de nenhum gênero específico, sob a influência de drogas que as desabilitavam e sem recorrer à violência. Vários aficionados por futebol na época frequentemente falam sobre isso: se maravilhar com a maneira com que homens que eram capazes de lutar por prazer no meio dos anos 1980 acabavam se envolvendo em abraços fraternais e se dissolvendo na grande perspiração em massa das possibilidades que se desdobravam a cerca de 120 bpm, enquanto a década chegava ao fim.

Foto por Gavin Watson.

Não curto teorias da conspiração, mas até a análise mais simples de “dividir e conquistar” sugere que, do ponto de vista da classe dominante, pessoas de todas as raças, origens ou alianças futebolísticas se dando bem não era algo que poderia continuar por muito tempo. Pelo menos não sem patrocínio.

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“Rave era mais um lance de união”, explica Watson. “E, diferente das outras cenas, não havia realmente nenhum rosto em que a sociedade pudesse se apegar ou usar como bode expiatório, o que deve ter sido frustrante para o governo e para a mídia na época. Como aquilo era tipo uma grande massa inclusiva sem rosto, eu também sentia que as pressões sociais que faziam as pessoas procurarem alívio na cultura rave acabou trazendo coisas boas para apagar um pouco as divisões.”

Mesmo que ter que lidar incansavelmente com a polícia estragando a diversão fosse sem dúvida um puta saco, Eckel vê pontos positivos na guerra da sociedade Thatcher contra a cultura jovem. “Se a Thatcher criou uma carência de cultura com suas políticas e encheu as ruas principais de marcas, conformismo e coisas mundanas, o que aconteceu foi que a molecada tentou preencher o vazio, o que só pode ser uma coisa boa.”

Weatherall concorda, citando a politização da cena rave acid house como algo que, de muitas maneiras, realmente ajudou. “Quando os políticos agiam como se estivessem moralmente ultrajados e discutiam isso no Parlamento, eles recebiam elogios por serem 'guardiões da moral'. Mas as pessoas que estavam desafiando a moral, a cultura jovem, também se davam bem, porque gente jovem gosta de chocar. Choque vende discos e ingressos para festas de acid house. A cultura jovem é muito simbiótica; a cultura mainstream e a cultura jovem são os dois lados da mesma moeda.”

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Foto por Gavin Watson.

E o que aconteceu depois? Bom, as coisas se sucederam rapidamente e as forças da escuridão ficaram mais diabólicas. Mais efetiva do que qualquer legislação é a assimilação. Primeiro veio a Copa do Mundo de 1990, com uma música tema para a Inglaterra feita pelo New Order, e logo os estádios e as Technics eram seguros para todo mundo. Agora o Manchester City faz o “Harlem Shake” para o Comic Relief.

Mas eu fico feliz, orgulhoso até, de dizer que muitos dos bons momentos em que me envolvi desde então — numerosos relacionamentos que continuam até hoje e muito do que eu considero ser o lado bom da minha natureza — foram moldados por essas forças. Parecia na época que a resistência política de Thatcher para acabar com a cena tornou aquilo, que de outra maneira seria apenas uma questão de mero gosto musical, em algo tangível e forte.

Com o falecimento da figura principal dessa era, fico com a sensação de que, mesmo se você não estiver tendo o melhor momento da sua vida num campo aberto com milhares de outras pessoas, o seu direito de curtir a balada continua intacto — acima e além de algumas das mais antigas liberdades civis que se erodiram desde que essa batalha de monstros foi aparentemente vencida.

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