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A Jogada Decisiva para Descentralizar o Controle da Internet

A presidente Dilma Roussef assinou o Marco Civil da Internet, que fornece garantias legais para a neutralidade on-line dentro do país e descentraliza o controle da internet.

Depois que os programas de vigilância global do NSA foram revelados no ano passado, poucos países têm defendido uma reforma na internet tão publicamente como o Brasil. E ontem, o país tomou passos concretos para assegurar mais democracia on-line: num evento sobre o futuro da internet em São Paulo, a presidente Dilma Roussef assinou a chamada Constituição da Internet, que fornece garantias legais para a neutralidade on-line dentro do país, entre outros critérios fundamentais da internet livre.

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“Queremos proteger a internet como espaço democrático, de todos, como um bem comum, um patrimônio da humanidade”, disse Roussef durante o discurso na conferência Net Mundial. “Também queremos continuar uma força econômica, mas fazendo com que isso se torne cada vez mais inclusivo.”

Entre os muitos documentos liberados por Edward Snowden estava a revelação de que Rousseff era pessoalmente espionada pela NSA, juntamente com o governo e cidadãos brasileiros. A revelação levou a propostas bastante pesadas, com a presidente falando em construir uma internet não americana, o que, em certo momento, foi acrescentado à lei, conhecida como Marco Civil da Internet.

“Esses eventos não são aceitáveis, não eram aceitáveis no passado e continuam inaceitáveis hoje, porque são uma afronta à natureza livre da internet como plataforma aberta e democrática”, disse Dilma, referindo-se aos programas de espionagem do governo americano.

A presidente Dilma Rousseff é aplaudida depois de assinar o Marco Civil na manhã de ontem. Imagem: YouTube/Net Mundial.

Como Bruce Douglas explicou ano passado, a proposta de uma internet não norte-americana, que incluía que todos os dados on-line brasileiros fossem armazenados no país, teria sufocado a indústria de tecnologia local em novos custos, e ameaçaria o acesso dos brasileiros a serviços estrangeiros. Em março, Rousseff anunciou que essa proposta seria descartada, deixando o resto da lei pronta para ser aprovada.

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E, para deixar claro, essa é mesmo uma legislação inovadora, que aborda o trio de pontos chaves da internet livre. Primeiro, a lei garante neutralidade, o que foi aprovado apesar da pressão dos grupos de telecomunicações brasileiras, que queriam preços diferenciados para conteúdos diferentes. Tim Berners-Lee, que falou antes de Dilma, aplaudiu a proteção.

“A internet está se tornando um serviço público essencial e temos que considerá-la como tal”, ele disse. “O crescimento explosivo da internet nos últimos 25 anos só aconteceu por causa da neutralidade da rede.”

A lei brasileira também limita a coleta de metadados, exige que companhias estrangeiras – Google, Facebook e Twitter – cumpram a lei brasileira e, mais importante, ordens judiciais para entrega de dados de usuários, mesmo se esses dados estiverem armazenados no exterior (isso pode se provar uma questão controversa, mas como foi destacado em relatórios de transparência, empresas globais de internet já tendem a obedecer em grande parte às leis locais).

Fora isso, a Reuters destacou que uma parte da lei não foi muito discutida: ela “protege liberdade de expressão e informação, estabelecendo que os prestadores de serviço não serão responsáveis pelo conteúdo publicado pelos usuários, mas que devem obedecer às decisões judiciais e remover materiais ofensivos ou difamatórios”.

“Quero salientar que os mesmo direitos que as pessoas têm off-line elas devem ter no mundo on-line”, disse Rousseff.

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Essa foi uma referência a um discurso sobre o NSA em janeiro, no qual o presidente Barack Obama se esquivou de questões sobre direitos de privacidade on-line. Por exemplo, ao responder sobre a incapacidade das grandes companhias de tecnologia em revelar o alcance dos programas espiões – um véu que foi parcialmente levantado desde então – Obama disse: “Esse segredo não permanecerá por tempo indeterminado e terminará numa data fixada, a menos que o governo demonstre uma necessidade real de mais segredo”.

Ao mesmo tempo, os EUA têm visto o apoio à neutralidade na rede desmoronar pouco a pouco. “Acho que também vamos ver um mercado de dois lados, onde a Netflix pode dizer: 'Bom, vou pagar para ter certeza que meu assinante receba a melhor transmissão possível desse filme'. Acho que queremos deixar esse tipo de coisa evoluir”, disse o presidente da FCC (a Comissão Federal de Comunicações norte-americana) Tom Wheeler, em dezembro, um mês depois de tomar posse.

E mesmo que o acordo Netflix-Comcast, que aconteceu alguns meses depois, não tenha exatamente matado a neutralidade da rede, esse é um exemplo real da evolução dos EUA em direção ao acesso pago da internet que Wheeler previu. Comissários da FCC disseram que a agência está comprometida com a internet aberta, mas que a falta de um apoio compreensivo à neutralidade na rede por parte do governo norte-americano é um grande motivo pelo qual Rousseff e outros líderes mundiais queiram mais controle sobre a internet.

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Juntamente com a lei brasileira, Rousseff apresentou um artigo da legislação da ONU, que ela patrocinou junto com a chanceler alemã Angela Merkel, que também foi alvo do NSA, visando construir proteções de privacidade globais mais robustas para os usuários da internet. O comitê de direitos humanos da Assembleia Geral da ONU adotou por unanimidade a resolução em novembro passado, um movimento simbólico para garantir direitos humanos off-line no espaço on-line.

Com essa resolução apoiada pela nova lei da internet brasileira, parece que Dilma mudou sua estratégia: em vez de tentar golpear diretamente a dominância dos EUA na internet, ela fez uma jogada pesadamente diplomática para aumentar a igualdade global no governo da rede. Ela tocou bastante nesse ponto em seu discurso naquele dia.

“Uma arquitetura de rede aberta e descentralizada favorece um maior acesso ao conhecimento. Isso ajuda a tornar o acesso à rede mais aberto e democrático”, disse.

Esse sentimento também está cada vez mais popular na Europa, onde líderes têm pressionado para arrancar algum controle da internet das mãos dos EUA. De modo crucial, a União Europeia votou mais cedo este mês para proteger a neutralidade da rede, que continua sendo a essência do que dirige o crescimento da internet e sua igualdade, já que ela está se tornando um conceito bastante abstrato para os EUA.

Berners-Lee, que criou a Web Foundation especificamente para promover a proteção dos direitos humanos on-line e a descentralização do governo da internet, disse que esforços como o do Brasil e da UE são o melhor caminho para uma rede mais forte e livre.

As legislações do Brasil e da UE são “dois exemplos que sugerem que estamos progredindo, mas ainda há um longo caminho pela frente”, ele disse. “Sessenta por cento da população global ainda não têm acesso à internet.”

“A internet que teremos nos próximos 25 anos ainda não será transparente, mas depende só de decidirmos o que queremos fazer da rede, o que queremos fazer deste mundo”, ele continuou. “Precisamos definir uma magna carta global para a rede. É por isso que peço que o mundo siga o exemplo do Brasil e da Europa, para desenvolver regulamentações fortes para proteger a internet livre e aberta.”