A Marcha Feminista das Vadias

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A Marcha Feminista das Vadias

Não que feministas não saibam se divertir. Muito pelo contrário.

Tudo começou quando um policial, palestrando numa universidade no Canadá, aconselhou estudantes a não se vestirem como “vagabundas” (“sluts”) para evitar assédio, violência sexual e estupro. Revoltadas com mais uma tentativa de responsabilizar mulheres e seus corpos pela violência que sofrem, estudantes canadenses criaram a “Slut Walk”.

As recentes declarações sexistas do comediante Rafinha Bastos à revista Rolling Stone Brasil ("Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho. Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus pela oportunidade”) e durante o CQC 3.0 (“por que tem mãe que enfia a teta nas caras das pessoas na rua, véio? Mano, vai prum banheiro”) enfureceram feministas e não-feministas, tal o grau das idiotices proferidas. Fazer piada com estupro e mandar lactante dar de mamar no banheiro (como disse uma amiga, “repleto de coliformes fecais”) é desrespeitar e desconhecer profundamente tanto a anatomia como as cicatrizes femininas.

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Quando Madô Lopez e Solange De-Ré postaram um convite no Facebook para a “Marcha das Vadias” em São Paulo (em sintonia com as “Slut Walks” do resto do mundo), talvez não estivessem pensando em protestar contra o machismo dos CQCistas. Mas o fato é que feministas organizadas e independentes aproveitaram o evento e o ensejo para dar estofo político e lastro feminista a uma marcha que se ensaiava mais pop, light e carnavalesca.

Não que feministas não saibam se divertir. Muito pelo contrário. Ao chegar à concentração na Praça dos Ciclistas, entroncamento de duas importantes avenidas paulistanas, já avistei as meninas da “Fuzarca Feminista” puxando o coro e o batuque: “sou feminista, sou progressista, sou socialista”, para estranhamento das neófitas no assunto. Pequenos grupos de meninas vestidas com shortinhos e meia arrastão, que nunca haviam ido antes a uma manifestação feminista, aprendiam com as garotas da Marcha Mundial de Mulheres e com as Blogueiras Feministas a gritar frases como “a nossa luta / é por respeito / mulher não é só bunda e peito" e "não sou modelo / de passarela / a minha vida / não é novela”. Sem grana para carro de som, Elisa Gargiulo (guitarrista do Dominatrix) atacava de DJ Megafone, colocando Joan Jett e The Gossip pra animar as concentradas da praça.

Preciso registrar que me espantei com o número de fotógrafos, cinegrafistas e repórteres presentes no início da manifestação. Não me lembro te ter visto tamanha atenção da mídia em datas como o Dia Internacional da Mulher ou cobrindo a Caminhada Lésbica. Talvez porque a marcha tenha marcado o quarto sábado seguido de ocupação das ruas de São Paulo por cidadãs e cidadãos insatisfeitos. Ou então porque o evento prometesse mulheres em trajes “ousados”. Tudo isso pode ter atraído mais “caçadores de imagens espetaculares” para seus portais, jornais e veículos.

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Melhores e mais poderosas representações, entretanto, ainda estavam por vir. No outro lado da praça, por exemplo, as meninas do Ghawazee sentaram-se enfileiradas, caladas, comendo e cuspindo maçãs, como Evas de saco cheio. Uma imagem que valeu por milhares de palavras, embora tenha ouvido pessoas perguntando “por que maçãs?”

Enfim, logo a praça ficou pequena para os 700 manifestantes e a Fuzarca saiu pela Avenida Paulista, abrindo alas para uma multidão compacta de homens, mulheres e crianças. Dobramos à esquerda (sim, esquerda) na Rua Augusta aos berros de "presta atenção, o corpo é meu / a minha roupa não é problema seu” e empunhando cartazes coloridos com os dizeres: “A porra da boceta é minha!” e “Ensine os homens a respeitar, e não as mulheres a temer”.

Quando chegamos à frente do Comedian´s Club, teatrinho dos CQCistas Rafinha Bastos e Danilo Gentilli, Elisa sacou de seu megafone e propôs boicote econômico aos integrantes do programa. Em resposta, mais gritos da mulherada: “Abaixo o CQC”, “o machismo não leva a nada / estupro não é piada” e “mamaço, mamaço”, quando a blogueira Luka resolveu amamentar sua filha Rosa ali mesmo, na frente do clube de “comédia”.

O megafone ficou à disposição de todas as mulheres que quisessem falar. Após o megafonaço, o mamaço, o batucaço e o feministaço, colamos todos os cartazes na porta do Comedian´s. Soube depois que foram arrancados pelos seguranças do estabelecimento, ao anoitecer. Rolaram boatos de que o Danilo Gentilli cerrou as portas e se trancou lá dentro quando avisado de que estávamos chegando. Não Importa. Nós, mulheres, demos nosso recado. E foi bem bonito.

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Nota da redação: Alguns babacas colaram pra azedar o rolê com um 'barangômetro' -- e a destruição deste.