FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

A Moça que Correu Pelada em Porto Alegre não Aguenta mais ser Tratada como um Pedaço de Carne

Sua primeira e única declaração pública sobre o caso até agora foi um mix de prostituição, nudez, patrocínio e política, levantando suspeitas de que Betina fosse uma lutadora em busca de autopublicidade ou uma esquizofrênica.

Foto: Reprodução/Facebook.

​No dia 6 de novembro, Betina Baino olhou para o quarto de pensão onde mora sozinha, em Porto Alegre, esvaziou todo o ar do peito e concluiu que a vida não tinha sentido. Ela tirou completamente a roupa deixando à mostra músculos, cicatrizes e enormes tatuagens de flores e dragões que cobrem seus braços, seus ombros e suas costas morenas, mas em vez de entrar no chuveiro e chorar com a água cobrindo os soluços, abriu a tranca "em desespero" e saiu correndo nua pela cidade.

Publicidade

No fim do dia, jornais, TVs e blogs de todo o país traziam a imagem de uma mulher pelada correndo por Porto Alegre e dizendo frases desconexas sobre artes marciais e política. Era o segundo caso do tipo. Em 30 de outubro, outra mulher havia sido presa por correr sem roupa no Parque Moinhos de Vento, o "Parcão". Duas outras pessoas, um homem e uma mulher, ainda fariam isso depois de Betina, levantando dúvidas sobre a real natureza do fenômeno.

Ainda alheia à polêmica que o próprio gesto causaria, Betina corria, cadenciando as passadas largas e a respiração enquanto repassava na memória todas as vezes em que seu corpo tinha sido usado em troca de dinheiro, desde que decidira, num Dia dos Namorados, vender sexo para comprar comida. "Eu chorei tanto no meu primeiro dia como dançarina de boate que a dona do lugar me tirou do palco e me deu emprego de garçonete dançante, por pura pena de mim", contou à VICE entre soluços. "Eu fiquei um tempo trabalhando ali, mas logo depois, numa luta de MMA, me machuquei muito e não pude trabalhar. Aí, tive de começar a fazer programas para conseguir algum dinheiro. Mas é muito difícil se prostituir e eu não estava conseguindo dinheiro como prostituta. Eu perdi tudo. Eu perdi honra, caráter. Não tinha dinheiro para comer. Não pagavam nem para fazer programa comigo, então eu sai pelada para dizer: 'Já que querem olhar, olhem."

Correndo, Betina lembrou da boate e pensou nos dois filhos criados longe de si – Isadora, de 17 anos, filha dela com outro lutador de MMA, e Pedro, de apenas 3 anos, fruto de um relacionamento com um advogado. As duas crianças vivem hoje com a avó, longe da mãe, no bairro de Ipanema, em Porto Alegre. Além do afastamento de Pedro e Isadora, passavam pela cabeça de Betina os relacionamentos rompidos, os dias de trabalho como faxineira e como cuidadora de idosos numa clínica geriátrica, o diálogo rompido com os próprios pais, as contas impagáveis, a dificuldade de continuar treinando MMA, o esporte que havia escolhido praticar dois anos antes, e tudo que não se encaixava mais em seus 35 anos de vida. Betina só não pensava no mundo lá fora que, a partir desse dia, faria dela uma personagem ao mesmo tempo bizarra e sensual, resumindo sua vida pública numa cena e numa frase desconexa, bem ao gosto das redes sociais.

Publicidade

"É isso que sobrou da mulher que vocês querem ver", foi o que ela gostaria de ter dito na hora, quando questionada sobre o porquê do gesto. Em vez disso, saiu algo confuso. Sua primeira e única declaração pública sobre o caso até agora foi um mix de prostituição, nudez, patrocínio e política, levantando suspeitas de que Betina fosse uma lutadora em busca de autopublicidade ou uma esquizofrênica.

"Foi uma sequência de acontecimentos na minha vida que me levou a isso. Quando me perguntaram, na hora, eu tive de dizer alguma coisa. Mas aquilo foi só um desabafo", explicou à VICE hoje, no que ela disse ter sido sua primeira entrevista sobre o assunto. "Eu não tenho dinheiro, não tenho celular, não tenho telefone nem televisão. Eu nem sabia da dimensão que tudo isso ia tomar. Estou falando de favor na academia do meu mestre e não posso ocupar a linha por muito tempo", se desculpou.

A atleta diz que até agora não entende toda a publicidade criada ao redor do tema. "Chocante é a violência, o descaso com a saúde, tem tanta coisa chocante pras pessoas se preocuparem, em vez de ficar ligando pra uma mulher pelada. Eu nem sabia que alguém tinha feito isso antes de mim. Só soube depois".

Semana passada, ela tentou tirar uma Carteira de Trabalho pela primeira vez, mas desistiu, derrotada pela burocracia. Tanta lombada na vida faz pensar se Betina teria na cabeça a mesma saúde que tem no corpo. Ela disse que depois do incidente passou por dois dias de avaliação psicológica e foi liberada. Mas um de seus ex-namorados já disse na imprensa que ela teria "problema com drogas".

Tiago Moicano, de 17 anos, companheiro de treino, se apressou em dar um testemunho certeiro sobre o valor de Betina: "Cara, essa mulher tem uma vida cheia de dificuldades. Ela fica sem comer, sem ter dinheiro para o transporte. Eu considero ela como minha mãe. Tenho muito amor por ela."

Antes de desligar, Betina disse uma última frase: "Olha, aquilo não é nada. Imagem não é nada. Eu tenho muito mais do que aquele ato de desespero …", e começou a chorar de novo, sem concluir a frase.