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​A PM Deu o Cano numa Reunião para Discutir Violência da PM

Depois de bater em manifestantes, polícia de São Paulo não aparece para conversar com as vítimas no Ministério Público.

Foto por João Paulo Charleaux.

Um monte de senhores engravatados, de nome e sobrenome, se reuniu no MPF (Ministério Público Federal), ontem, em São Paulo, para pôr em panos limpos as denúncias de espancamento, mutilação, ofensas e outros abusos polic​iais cometidos durante as manifestações de rua de 2013/2014, as chamadas Jornadas de​ Junho. Até o Sérg​io Silva, fotógrafo que perdeu o olho esquerdo por um disparo de bala de borracha, esteve lá. Só faltaram os principais envolvidos no assunto: o comandante da PM, coronel Benedito Roberto Meira, e o secretário de Segurança Pública do Governo do Estado de São Paulo, Fernando Grella. Ambos deram o cano numa audiência que havia sido convocada pelo Poder Judiciário com 30 dias de antecedência.

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"Eu pediria que não houvesse nenhum tipo de agressão. Está tudo sendo gravado", advertiu de partida o procurador do MPF, Jefferson Dias, que presidia a mesa. Ele explicou, com um sorriso nervoso, que o comando da PM até mandou uma equipe responsável por checar as condições de segurança do prédio do Ministério Público, numa das principais avenidas de São Paulo. Depois disso, a corporação confirmou a vinda do comandante, a reunião foi então atrasada em mais de uma hora à espera do dito cujo, mas, no fim, Benedito não apareceu.

"Ele acha que é a encarnação do imperador de Roma", gritou da plateia o padre Júli​o Lancelotti, histórico militante dos direitos humanos em São Paulo. Mesmo com um saco de Jó e com toda a paciência que Deus lhe deu, Lancelotti arrastou suas sandálias para fora do plenário e não voltou nunca mais. Ficou bravo.

O pessoal ensaiou uma vaia às autoridades ausentes e a cadeira de Benedito ficou vaga, de propósito, só com a plaquinha que trazia o nome dele, como uma crítica velada ao cano que ele deu. Apesar de não estar ali quando essa sanção simbólica foi explicada ao plenário, a moça do café – única negra a subir no palco – não serviu nada no local que correspondia a Benedito, mesmo ele tendo o nome de um tremendo santo de devoção dos afro-descententes, que costumam, na roça, colocar uma xicarazinha de café no pé da imagem, como oferenda sincrética.

Grella também não foi. Mesmo não tendo nome de santo, ele certamente ganharia café e críticas. O secretário é a autoridade civil que controla a PM no Estado. No lugar dele, apareceu o assessor Eduardo Dias, responsável por segurar a bucha.

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Se faltaram autoridades do Executivo, sobraram papas do Ministério Público, que afastou as críticas de leniência com os abusos policiais e teve a pachorra de convocar o encontro em sua própria casa, dando prestígio a ONGs de direitos humanos como a Conectas, Artigo 19, Advogados Ativistas e outras tantas que formaram o grosso do agito.

O advogado Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas, organização que pediu a realização da audiência, lembrou ter apresentado mais de 200 casos concretos, com nome e sobrenome de pessoas que sofreram abusos policiais nos protestos. "Apesar desse imenso esforço, até hoje as instituições nacionais não apresentaram respostas para evitar violações e nenhum policial ou comandante foi punido ou responsabilizado pelos sistemáticos abusos cometidos nas ruas", disse.

Eduardo Silva, assessor da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, representou o chefe e ouviu críticas de todos os lados. Foto via Conectas.

Como a coisa virou uma chuva de críticas na ausência dos criticados, nós puxamos o celular e mandamos umas mensagens para a Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado de São Paulo, para saber onde estava o Grella e o que ele achava daquilo tudo.

"Por que o senhor não está na audiência pública do Ministério Público Federal sobre direito a manifestação?", foi a primeira pergunta. A secretaria respondeu que o secretário havia assumido outros compromissos antes e que estava representada pelo senhor Dias.

"Por que nenhum policial foi punido se teve tanto abuso registrado?", perguntamos em seguida. Aí eles mandaram essa: "Os casos das manifestações estão sendo apurados. A dificuldade é que várias teste​munhas se recusaram a comparecer e reconhecer os policiais que supostamente praticaram os abusos."

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O Sérgio Silva estava ali. E ele tinha sofrido um super abuso – perdeu o olho numa ação da polícia e estava agora ali, segurando um calhamaço com 45 mil assinaturas de cidadãos que pediam o fim do uso da​s balas de borracha em manifestações. Acho que ele não teria problema em fazer as denúncias e ir até o fim.

"E o caso do Sérgio?", perguntei. "Sobre o fotógrafo Sérgio, é preciso lembrar que o abaixo-assinado já foi entregue ao secretário, que remeteu o documento ao comando da PM para estudos e análises técnicas", responderam. "Então, tá", pensei.

Perguntei por dados. Veio o seguinte: "De 2007 para cá, foram demitidos e expulsos 3.023 policiais." Nenhum deles pelas manifestações.

Por último, achei importante dizer que tinha gente andando com soco-inglês nas duas marc​has da direi​ta que pediram o impeachment da presidente da República. Vai que eles acertam alguém sem querer, numa marcha apoiada pelo mesmo partido do governador de São Paulo. "A polícia não tem predileção partidária – esta insinuação, se foi feita por alguém ouvido pela VICE, é absurda. Sobre as fotos de jovens usando supostas armas brancas, elas são lamentáveis, e provavelmente as imagens refletem 'pontos cegos' numa manifestação com mais de 10 mil pessoas, em que é impossível ter uma visão onipresente e onisciente de tudo o que acontece. É importante lembrar que não houve registros de incidentes graves, para além dos bate-bocas relatados nas redes sociais", a secretaria respondeu.

Pensei que eu talvez devesse transmitir ao plenário todas essas respostas. Afinal, toda aquela gente importante estava lá pra isso. Mas olhei de novo a mensagem enviada pela secretaria e achei que não faria muita diferença pra gente como o Sérgio Silva. Então, fui comer uma esfiha na esquina.