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A Polícia Militar do Rio de Janeiro Está Impedindo Adolescentes da Periferia de Irem às Praias da Zona Sul

O recolhimentos dos menores é feito sem nenhuma justificativa legal ou motivo aparente. Todos os jovens impedidos são moradores de regiões pobres da cidade e a maioria é negra.

Foto originalmente publicada aqui. Crédito: Fábio Teixeira.

Neste final de semana, cerca de 160 jovens cariocas foram recolhidos pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro sem nenhum motivo aparente. Todos estavam a caminho das praias da zona sul da cidade e eram de diferentes regiões periféricas do Rio. Nenhum portava drogas, armas ou estava praticando nenhum tipo de ato infracional.

A Polícia Militar montou uma blitz especialmente para essa operação. Antes de os ônibus atravessarem o Túnel Rebouças (que liga as regiões norte e sul da cidade), a polícia fez os adolescentes descerem do transporte público e entrarem no coletivo especial da PM que os levou até o Centro Integrado de Atendimento à Criança e ao Adolescente.

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Após a detenção dos menores, a polícia tentou levá-los até a Central Carioca, onde a entrada foi vetada pela própria diretora do centro por não haver nenhum motivo aparente para o recolhimento.

Eufrásia Souza das Virgens, defensora pública da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), acompanhou o caso e relatou que os jovens ficaram até o final da tarde no local aguardando os responsáveis legais irem buscá-los para serem liberados.

A defensora já pediu informações ao Comando da Polícia Militar sobre a operação. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, as únicas hipóteses que permitem a detenção de um menor são duas: quando ele é pego em flagrante ou quando há uma ordem judicial expedida pela autoridade competente, o que não era o caso dos jovens.

"Eles só estavam indo à praia, pretendendo se divertir. Todo adolescente tem o direito de viajar e de ir para outra comarca acima dos 12 anos sem a necessidade de acompanhante ou de autorização. Isso parte realmente de um preconceito quanto à procedência desses adolescentes que não tem justificação legal alguma. É uma violação de direitos, de ir e vir e de estar em locais públicos", explica.

Um habeas corpus já havia sido impetrado neste ano pela defensoriaa fim de evitar que mais abordagens sem justificativa como essa última voltassem a acontecer futuramente. "Isso não é nada mais do que exigir que haja o cumprimento dos direitos assegurados pelo estatuto. O que a gente está fazendo é evitar que essas práticas continuem", frisa a defensora.

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Segundo o jornalExtra, uma conselheira tutelar que acompanhou o recolhimento de 15 menores reclamou da operação e disse que o único critério utilizado pela polícia é oda classe social e nada mais.

Só no fim de semana dos dias 22 e 23 de agosto, 160 jovens foram impedidos de ir até a Zona Sul. E parece que essa prática da polícia já estava acontecendo com certa frequência.

"A gente já tinha notícias antes desse tipo de abordagem, mas ainda não tinha conseguido constatar a chegada dos ônibus com os adolescentes. No domingo, nós vimos com muita clareza o que está acontecendo; por isso, [é] que vamos reiterar o pedido da defensoria perante a Vara da Infância e da Adolescência para cessar esse tipo de abordagem policial indevida", afirma Eufrásia.

Procurada sobre o caso, a PMERJ declarou por meio de sua assessoria que "as ações preventivas realizadas pela Corporação têm por objetivo encaminhar para os abrigos da prefeitura crianças e adolescentes em situação de risco. Muitos desses jovens, além de estarem nas ruas sem dinheiro para alimentação e transporte, apresentam condição de extrema vulnerabilidade pela ausência de familiares ou responsáveis".

Eufrásia discordou da justificativa da PM de que os jovens estavam em situação de vulnerabilidade. "A gente não pode querer que os adolescentes não cheguem a determinados locais na praia, isso não é serviço da polícia. O serviço da polícia é para todos, inclusive para a população de todas as regiões da cidade", completa.

O governador Luiz Fernando Pezão não criticou a ação da polícia e ainda afirmou que ela foi realizada para evitar arrastões e outros crimes que são cometidos nas praias por adolescentes. Segundo a EBC, Pezãoafirmou que a polícia "tem visto e mapeado com inteligência, toda essa movimentação de menores, desde o embarque nos ônibus".

Além de não poder frequentar as praias da zona sul quando bem entender, o jovem carioca pobre também precisa se esquivar do tratamento policial oferecido nas periferias. Segundo o relatório apresentado no começo do mês pela Anistia Internacional , mais de oito mil pessoas morreram entre 2005 e 2014 por causa de intervenções policiais no Estado do Rio. As vítimas são majoritariamente homens (90%), negros (70%) e jovens entre 15 e 29 anos (75%).