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A Primeira Igreja Gay do Brasil Não Aprova Relacionamentos Abertos

Usando a abordagem “a Bíblia sem preconceitos” para os sermões, e defendendo os bons e velhos valores familiares para um grupo cada vez maior de pessoas gays, a Igreja Cristã Contemporânea tem deixado os outros cristãos putíssimos.

A Igreja Cristã Contemporânea, Rio de Janeiro.

O que um cara gay extremamente devotado a Deus faz quando sua própria igreja diz que sua atração por pessoas do mesmo sexo é uma passagem direto para o inferno? Se esse gay for Marcos Gladstone, ele ignora o fanatismo e funda sua própria igreja com uma congregação que não seja formada por um bando de homofóbicos.

Hoje, a Igreja Cristã Contemporânea de Marcos está firmemente estabelecida no Rio de Janeiro, usando a abordagem “a Bíblia sem preconceitos” para os sermões, e defendendo os bons e velhos valores familiares para um grupo cada vez maior de pessoas gays.

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Meu primeiro contato com a casa de adoração de Marcos foi um anúncio numa das maiores revistas gays do Rio, em meio a fotos de garotos de programa e números de telefone para receber Viagra em casa. “Essa é nossa igreja gay”, disse meu amigo. “Eles estão deixando os outros cristãos putíssimos.”

Alguns dias depois, aqui estou eu, no meio de uma multidão cantando em êxtase, entoando hinos religiosos num dos cultos de Marcos. Até agora, tudo está como devia ser, esse é um culto pentecostal normal. Muitos hinos estimulantes sobre viver a vida com ajuda do Todo Poderoso; muitas palmas; lágrimas e lábios tremendo; um sermão sobre coisas sagradas tradicionais, como a gratidão; interjeições (“Amém!” — “Mais alto!” — “É isso aí!”); e máquinas de cartão de débito em cima do altar.

Tudo isso, com certeza, agrada ao Criador, mas o que ele ia achar dos dois homens cantando de braços dados? Ou da vocalista sapata? Ou do pastor Marcos, que divide a cama com um parceiro do mesmo gênero?

“Deus ama a todos nós igualmente — Ele não tem preconceito”, o pastor explica em seu escritório. Vestindo um terno elegante, o pastor de 37 anos lembra mais um advogado bem-sucedido — o que ele também é. “O que a Bíblia condena é o comportamento pecaminoso, como embriaguez, uso de drogas e promiscuidade. Mas um homem amar outro homem e ser fiel a ele — ou uma mulher amar outra mulher e ser fiel a ela — não é pecado aos olhos de Deus. Você pode ler mais sobre isso em nosso panfleto 'A Bíblia Sem Preconceitos'”, ele explica.

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“Mas interpretar o Livro Sagrado conforme sua vontade não é se iludir?”, pergunto. “Por que não admitir: mais ou menos, todas as religiões são homofóbicas.” O Pastor Marcos tem uma resposta pronta. “A Bíblia não é homofóbica, assim como não é racista ou misógina”, ele diz. “No passado, a Bíblia foi usada para justificar a escravidão e a opressão à mulher — mas não lemos mais a Bíblia dessa maneira. E quando se trata de gays e lésbicas, já é hora de parar de fingir que a Bíblia é homofóbica, porque não é — ela condena a promiscuidade, independente da orientação sexual.”

Pastor Marcos.

Se isso for verdade, parece que boa parte dos irmãos e irmãs em Cristo de Marcos não se deram conta disso ainda. O Vaticano pode ter suavizado sua linha sobre o assunto desde que o Papa Francisco foi eleito no ano passado, mas a maioria das igrejas evangélicas ainda assume uma postura intransigente.

“Outras igrejas evangélicas dizem que somos o capeta”, diz Marcos. “Elas ficaram tão perturbadas com a gente que tivemos que contratar seguranças para nossos cultos. Mas isso não vai me desviar [da minha missão]; é um prazer sofrer pela causa.”

O Pastor Marcos fala tranquilamente, sempre com um sorriso no rosto. “Muitos gays têm sido machucados — machucados pela família, pela sociedade, pela igreja”, ele diz. “Estamos aqui para curá-los com o amor de Deus. Muitas vezes, os gays não têm valores — eles só pensam em hedonismo. Aqui, oferecemos uma visão alternativa. Defendemos os valores da família — casamento gay e adoção gay.”

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Pergunto se isso significa que o sexo antes do casamento é proibido.

“Claro que não”, ele responde, sorrindo, sem deixar que eu terminasse a pergunta. “Sexo fora do casamento não é um problema. Você não pode casar com alguém com quem não tem um laço de intimidade.”

E quanto aos relacionamentos abertos, eles são legítimos?

“Não”, ele responde. Parece que esgotei a reserva de tolerância do homem. “Para nós, o que não é condenado por Deus é um relacionamento de amor e fidelidade entre duas pessoas, sejam elas do mesmo sexo ou não.”

O Pastor Marcos já se casou com seu marido quatro vezes, reforçando os laços sempre que a legislação brasileira é atualizada. Juntos, eles adotaram dois filhos, Felipe, de 10 anos, e Daveson, de 11.

“A adoção por casais gays no Brasil é fácil, mas as pessoas só querem bebês brancos”, ele diz. “Crianças negras, e mesmo crianças brancas de mais de dois anos, ficam na prateleira. Então nós, casais gays, temos muito a oferecer.”

Além de promover a adoção e aconselhar os pais, a igreja também trabalha com um orfanato para crianças HIV positivo, uma casa de repouso e uma favela local. Mas o pastor e seus seguidores ainda têm um longo caminho até que a sociedade aceite inteiramente gays e lésbicas. Com 312 mortes em 2013, o Brasil lidera o ranking mundial de violência contra homossexuais.

Enquanto isso, no Congresso, há um deputado evangélico que defende que a “cura gay” seja paga pelo governo. Ele argumenta que ser gay é uma doença e que todo mundo devia ter direito à cura — tornar-se saudável e hétero.

“Nós temos a cura gay”, diz Alberto Dias Lemos, membro da Igreja Cristã Contemporânea. “Isso se chama amor.”

Enquanto eu saía da congregação e partia para um bar gay, não consegui deixar de pensar o quanto eu odiaria se a crença do pastor Gladstone de moralidade máxima tomasse conta da comunidade gay. Mas, num mundo de skinheads que odeiam gays e pregadores homofóbicos pedindo que os homossexuais sejam “curados”, agradeço a Deus por ele existir.