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Salvando o Sudão do Sul

A Terra Deplorável

Nairóbi é uma mistura de corrupção, caos no trânsito e péssimas lembranças para Machot, o ex-menino soldado sudanês que largou o exílio nos EUA para voltar com a VICE à sua terra natal, palco de um dos piores conflitos do mundo.

Machot circulando e falando pelo telefone via satélite em Nairóbi. Fotos de Tim Freccia. 

A VICE foi ao Sudão ver como uma das civilizações mais ricas e avançadas durante os séculos de colonialismo na África transformou-se num país castigado por golpes de Estado, ditaduras e desmandos, mergulhado numa série de conflitos intermináveis após a independência, em 1956. Nesta série de 22 capítulos, Robert Young Pelton e o fotógrafo Tim Freccia mostram de perto o que acontece num dos maiores países do continente africano, rico em petróleo e guerras, rachado ao meio em 2011, e com um futuro incerto pela frente.

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Machot – o ex-menino soldado sudanês que deixou seu exílio nos EUA para voltar às suas origens e tentar ajudar seu país – está agora apreensivo. Ele odeia o local onde estamos agora, Nairóbi a capital do Quênia. É tudo cheio demais para ele. Machot tem más lembranças da última vez que passou por aqui - foi quando era ainda um dos Garotos Perdidos, ou, mais especificamente, um jeca do interior horrorizado, tendo sua carteira batida por ladrões e sendo extorquido pela polícia, por donos de lojas e taxistas.

Numa tentativa de economizar dinheiro, certo dia, depois de vagar pela cidade, ele decidiu não tomar o ônibus. Em vez disso, andou até sua casa. Machot foi assaltado por uma gangue de jovens no meio de uma estrada. Um homem apunhalou a parte de trás da cabeça do Machot enquanto outros roubaram tudo que ele tinha, incluindo suas roupas. Ele andou os quilômetros restantes até a casa de seu primo, o sangue escorrendo até a cueca. Nenhum transeunte ousou se aproximar para prestar-lhe ajuda naquele estado.

A volta a Nairóbi traz esse tipo ruim de nostalgia. Machot quer ir embora tão logo chegamos. Mas estamos presos aqui, fazendo milagres com o telefone para arranjar um encontro com um piloto que tenha coragem para nos levar pela mata para encontrar Riek Machar – o ex-vice-presidente do Sudão do Sul, perseguido sob acusação de liderar um complô.

Para passar o tempo, Machot sai com a diáspora nuer, que sempre parece estar a caminho de uma reunião a respeito disso ou daquilo. Todo centavo que damos a Machot some rapidamente; ele curte pagar a conta de seus novos amigos. Ele também curte, na mesma medida, pedir mais dinheiro.

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Enquanto isso, marcamos uma reunião com um grupo de políticos nuer que planejam ir a conversações sobre a paz em Addis Ababa, na Etiópia, mas que agora estão tecnicamente sob prisão domiciliar em Nairóbi, depois de terem sido acusados de planejar um golpe. Eles nos pedem cartões telefônicos e lhes pagamos um almoço num shopping de alta classe. Eles nos dizem que estão tão confusos com a reviravolta nos acontecimentos quanto nós. Dizem que não sabem por quê foram presos. Não sabem por quê não podem viajar para Addis Ababa para as negociações de paz. Tudo o que eles sabem é que o presidente Salva Kiir iniciou uma nova era de guerra e de divisão étnica.

Com um senso palpável de orgulho, eles me contam que dois dos homens de Joseph Kony estão conversando com os homens de Machar e pode ser que juntem forças com eles para lutar contra o presidente Kiir. A tribo de Joseph Kony, Acholi, está etnicamente, geograficamente e politicamente relacionada aos nuer. Os acholi também controlam a fronteira sudeste do Sudão do Sul com Uganda, com guerrilheiros adicionais se estendendo a oeste em direção à República Centro- Africana. Ambas as tribos desejam expulsar Kiir.

Os equipamentos da equipe perto de uma peça de propaganda queniana a favor da moderação.

As armas começaram a fluir. Favores começaram a ser embolsados. Ligações começaram a surgir da Nigéria, do Sudão e da Eritreia, todos buscando tirar vantagem das mudanças sísmicas das falhas geológicas em ruptura do Sudão do Sul. Com a explosão da violência na República Centro-Africana e na República Democrática do Congo, poderes regionais estão se envolvendo no emaranhado de terra e recursos. Todos querem tomar uma cadeira antes da música acabar – sem que terminem sendo arrastados sem vida pela rua no processo.

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Os políticos nuer nos apresentam a um jovem magricela usando um boné dos New York Yankees e jeans da moda. Amos é seu nome. Eles nos pedem para levá-lo ao Sudão do Sul conosco, e nosso grupo ganha mais um membro.

Amos é sargento no Exército do Sudão do Sul,  guarda-costas e motorista, então há esperanças de ele ser útil para atingirmos nosso objetivo. Em dezembro, Amos foi enviado a Uganda por seu chefe, Taban Deng Gai – governador do Estado de Unidade, no Sudão do Sul, e o homem que está encabeçando as conversas de paz – para comprar algumas partes necessárias para consertar em casa o Cadillac Escalade de Deng Gai. Enquanto ele estava fora, o país desmoronou. Ele não faz ideia de como voltar a Juba sem que seja morto ou preso.

Enquanto planejamos várias rotas pela mata sul-sudanesa que não alertem o governo sobre nossa presença, alguns sugerem que nós simplesmente viajemos por Juba.

Isso espanta tanto Machot quanto Amos. “Eles nos matarão”, é tudo que eles dizem, e é tudo que preciso escutar, já que sou lembrado das vantagens e desvantagens de um homem branco viajando pela África Central com um antigo Garoto Perdido. Juba, nem pensar.

Dias após dias passam voando enquanto Tim, Machot, Amos e eu permanecemos sentados em Nairóbi e tentamos inventar uma forma de sair de fininho pela fronteira sul-sudanesa. O clima aqui é perfeito, as pessoas falam bem inglês e o aeroporto tem conexões para toda parte – todos esses são motivos para que este local sirva como coração da infraestrutura das ONGs da África. Além disso é caro, sujo, cheio de gente, cheio de bandidos insignificantes, e o trânsito é enlouquecedor. Por baixo disso tudo há um desespero sombrio. Vendedores ambulantes escapam de filas de carros em alta-velocidade para vender comida de barraquinhas improvisadas ao longo da estrada. Todos vivem na correria para ganhar dinheiro, a corrupção é desenfreada, em todos os níveis. Toda corrida de táxi termina em uma discussão sobre a tarifa. Mesmo os policiais operando as rotatórias param os carros se estes não derem àqueles uma pequena gorjeta.

Quanto mais tempo passo em Nairóbi, mais começo a compartilhar do ódio que Machot tem por esse lugar. Se isso é o que chamam de civilização aqui, precisamos chegar aos confortos do mato.

Então, no nosso oitavo dia na cidade, finalmente temos uma oportunidade. Depois de queimar centenas de dólares pelo tempo no nosso telefone via satélite, finalmente encontramos outro piloto e uma linha de pouso. Estamos a caminho de Akobo.

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Traduzido por: Julia Barreiro