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A Trágica Batalha de Aaron Swartz Contra os Direitos Autorais

Um dos mais vigorosos defensores do acesso livre e da reforma das leis de direitos autorais cometeu suicídio em Nova York, aos 26 anos.

Aaron H. Swartz, um dos mais vigorosos defensores do acesso livre e da reforma das leis de direitos autorais, cometeu suicídio em Nova York na sexta-feira passada, aos 26 anos.

Ele foi um pioneiro e um renegado, parte do time que construiu o Reddit e o amplamente utilizado protocolo RSS. Mas Aaron começou a aparecer nas manchetes por causa de uma façanha de codificação que realizou em setembro de 2010, quando usou os servidores do MIT pra capturar e baixar dois milhões de artigos acadêmicos armazenados no catálogo online JSTOR usando um programa chamado keepgrabbing.py. Pelas leis norte-americanas de direitos autorais, isso é ilegal, ou como alguns argumentam, “imprudente”. Esses artigos deveriam estar disponíveis apenas pra afiliados do MIT, não pra pessoas do mundo inteiro que Swartz acreditava também merecerem um acesso melhor a essas informações.

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O MIT não prestou queixa e nem o JSTOR. O governo, no entanto, decidiu pegar no pé de Swartz, despejando 13 acusações em cima dele e o ameaçando com décadas de prisão. De acordo com sua mãe, Swartz estava deprimido com o caso e a possibilidade de ser preso. Ele já tinha pensado em suicídio no passado e agora, por motivos desconhecidos, levou isso adiante.

Em julho de 2011, Swartz foi preso e indiciado pelo caso. Em setembro, o distrito de Massachusetts empilhou acusações criminais adicionais, aumentando o número de processos de quatro pra 13. Eles incluíram tudo que conseguiram imaginar: fraude eletrônica, fraude por computador e prejuízos ao JSTOR — justificada pela acusação devido ao tempo em que a base de dados esteve sob o “ataque maciço” de Swartz —, e a promotoria ainda disse que Swartz tinha “roubado… milhões de dólares” em “propriedade”. As acusações pendentes carregavam as penalidades potenciais de até 35 anos de prisão e 1 milhão de dólares em multas. Naquela época, ele recusou o nosso pedido de entrevista. “Acho que não vou poder comentar muito sobre o caso”, ele escreveu.

Mas a ITHAKA, organização sem fins lucrativos responsável pelo JSTOR, reiterou pra nós em setembro que já tinha liquidado suas queixas cíveis com Swartz e que considerava a questão encerrada. Você deve estar se perguntando por que a acusação estava tão encarniçada em seu caso contra Swartz, considerando que a ITHAKA optou por não levar isso adiante. Muitos consideram que Swartz estava sendo usando como exemplo pelo FBI.

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A Demand Progress de Aaron Swartz, com mais de um milhão de membros, foi uma crítica proeminente contra o SOPA.

É possível que Swartz tenha afetado a maneira como você usa a internet e como vai usá-la no futuro. Antes desse incidente de grande proporções (e em outra grande façanha), Swartz já tinha se provado um técnico e intelectual ilustre, sendo o coautor da primeira especificação de RSS — que pode ser o que te trouxe até este artigo — quando tinha apenas 14 anos de idade. Ele então começou a frequentar a Universidade de Stanford, mas largou os estudos depois de um ano com a seguinte alegação: “Não acho a escola uma atmosfera intelectual, já que muitos dos outros garotos parecem profundamente despreocupados com seus estudos”.

Ao invés de terminar a faculdade, Swartz fundou uma companhia chamada Ifogami, financiada pelo primeiro programa de verão da Y Combinator. Através da Y Combinator, ele acabou no time que fundou o Reddit, e como aponta seu amigo Cory Doctorow, é considerado um cofundador por muitos, mesmo não estando listado oficialmente como tal. Mais recentemente, Swartz se juntou à luta contra o SOPA e o PIPA, fundando a popular organização ativista online Demand Progress, e também participava do Centro de Ética de Harvard.

Aaron também fez uma crítica inteligente à enciclopédia online que prevaleceu em “Who Writes Wikipedia” (em 2011, ele realizou uma palestra sobre a Wikipédia na conferência O'Reily Tools for Change). Em 2007, ele ajudou a desenvolver a Open Library, que procura coletar informações sobre todos os livros já publicados. Obras de arte que ele fez com a fotógrafa Taryn Simon apareceram no New Museum em 2012. Mais recentemente, ele morava no Brooklyn e programava pra Avaaz.org.

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Aaron numa entrevista em 2007.

Em todos os aspectos, Swartz é conhecido como uma mente pioneira do movimento de internet livre. Através de sua própria descrição de eventos durante a aquisição do Reddit, ficou óbvio que o envolvimento de Swartz surgiu de um desejo de expandir os princípios do acesso livre à informação e de reformar o ensino superior, ao invés da predisposição a monetizar o que rapidamente se tornou uma fonte lucrativa de tráfego de referência pra publicações online. Essa ideologia foi depois destacada em seu “Guerrilla Open Access Manifesto”, publicado em 2008, que define a filosofia de Swartz sobre o movimento do acesso livre.

“Escanear bibliotecas inteiras, mas só permitir que os colegas do Google leiam? Fornecer artigos científicos pra universidades de elite do Primeiro Mundo, mas não pra crianças do hemisfério sul? Isso é ultrajante e inaceitável.”

É difícil dizer agora como a situação legal de Aaron afetou sua decisão de tirar a própria vida. Durante anos ele admitiu suas batalhas pessoais com a depressão e não fazia segredo de sua ansiedade com o caso.

“Sair e tomar um ar ou ficar com a pessoa amada e não se sentir melhor, só mais nervoso por ser incapaz de compartilhar a alegria que todos em volta parecem sentir. Tudo fica colorido com tristeza”, escreveu ele em 2007. Quando as coisas pioram “você sente como se faixas de dor corressem através da sua cabeça, você acaba com seu corpo, você procura uma saída, mas não encontra”.

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Num post num blog no sábado, a família de Swartz e sua parceira Taren Stinebricker-Kaufmann escreveram: “A morte de Aaron não é simplesmente uma tragédia pessoal. É o produto de um sistema de justiça criminal repleto de intimidação e perseguição. As decisões tomadas pelos membros da procuradoria de Massachusetts e pelo MIT contribuíram com a morte dele. A procuradoria o perseguiu com uma variedade excepcionalmente dura de acusações, com penalidades potenciais de mais de 30 anos de prisão, tudo pra punir um suposto crime sem vítimas. Enquanto isso, diferentemente do JSTOR, o MIT se recusou a defender Aaron e os princípios mais caros de sua comunidade”.

Uma coisa é clara: a internet livre está de coração partido. Poucos conseguiram tirar algum sentido da perseguição implacável da procuradoria contra Swartz. Ele já tinha mexido com o governo antes, durante seus esforços em 2008 pra construir um sistema que fornecesse aos norte americanos acesso livre a documentos relacionados à jurisprudência federal (o sistema atual cobra 10 centavos de dólar por página), o que rendeu a ele uma investigação pelo FBI, apesar das acusações nunca terem sido arquivadas (uma versão desse projeto ainda vive em theinfo.org). Sua afiliação aos hackers de Cambridge pode ser o que atraiu a atenção das autoridades pra ele, ansiosas pra condenar Bradley Manning, que visitou uma vez o espaço hacker do MIT.

A frustração da internet com a morte de Swartz ecoa a indignação com a crescente caçada aos hackers pelo governo. Segurança cibernética é, no momento, um dos maiores problemas de Washington, mas na falta de uma estratégia real pra resolver o problema, os federais decidiram aplicar uma abordagem dura, indiciando hackers por captura de dados e emitindo sentenças draconianas numa tentativa de desencorajar outros.

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Lawrence Lessig, especialista legal de Harvard que também acusa as leis de direitos autorais de matar a criatividade e a liberdade acadêmica, chama isso de um cenário de “bullying”. Fundador da Creative Commons e amigo e defensor de longa data de Aaron, Lessig postou sua própria reação ao suicídio com esse título e não se desculpa por fazer uma ligação entre o acontecido e a perseguição legal contínua a Swartz:

“Aaron literalmente nunca fez nada por dinheiro. Ele teve sorte com o Reddit, mas com seus trabalhos no padão RSS, arquitetando o Creative Commons, liberando documentos públicos, construindo uma biblioteca pública livre, apoiando o Change Congress / FixCongressFirst / Rootstrikers e depois o Demand Progress, Aaron visava sempre e somente o bem público (ou pelo menos o seu conceito disso). Ele era brilhante e engraçado. Um garoto genial. Uma alma, uma consciência, a fonte de uma questão que me perguntei milhões de vezes: o que o Aaron pensaria? Essa pessoa se foi hoje, levado ao limite pelo que uma sociedade decente chamaria de bullying…

Cinquenta anos de prisão, acusa nosso governo. De alguma maneira, precisamos superar a lógica do 'Estou certo, então tenho o direito de bombardear você que domina nossa época'. Isso começa com uma única palavra: Vergonha.

Uma palavra e infinitas lágrimas.”

Alguns dias depois de sua morte, a visão de Swartz foi corroborada, pelo menos numa pequena parte dela. O JSTOR anunciou que vai tornar milhares de artigos — apenas uma pequena porção de sua base de dados — livres pra usuários registrados, pela primeira vez na sua existência.

Imagem via Flickr.