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A Última Tribo Isolada do Equador Enfrenta A Promessa do Petróleo da Selva

Enquanto tribos isoladas se enfrentam, o governo equatoriano cruza os braços e se prepara para extrair petróleo no meio da Amazônia.

Estou flutuando numa canoa por uma hora quando Luis Ahua bate no meu ombro e aponta para a margem do Rio Tiputini, incrustado na Amazônia equatoriana.

“Pegadas”, ele diz, apontando para uma pequena quebra na linha das árvores. Dias antes, um guia num refúgio científico na mesma floresta tinha me mostrado pegadas de onça-pintada. Mas essas eram pegadas humanas.

“Você tem medo deles?”, perguntei a ele.

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“Não”, ele me disse. “Nossa tribo conhece violência. Eu posso te contar sobre violência”.

O Rio Tiputini passa perto de Guiyero

O que aconteceu com o povo Huaorani vivendo em Guiyero, a vila que estou visitando, é tão tipicamente previsível, que os pesquisadores conseguiram escrever e publicar artigos sobre o quão similar foi ao que aconteceu a dezenas de comunidades de povos indígenas em dezenas de países.

"Apesar da separação geográfica, na África Central e na Amazônia ocidental o processo de aculturação e seus resultados foram bem similares para os Bagyeli e os Waorani”, escreveu Kelly Swing, um professor da Universidade Estadual de Luisiana que passou as últimas décadas operando um centro de pesquisa sobre biodiversidade no Parque Nacional de Yasuni, do Equador, em um artigo publicado no Journal of Developing Societies. “Nos dois casos as expectativas de melhorias na qualidade de vida foram altas quando as empresas petrolíferas chegaram, mas tremendamente desapontadoras logo em seguida.”

É assim que acontece: uma empresa petrolífera de uma nação desenvolvida se aproxima, às vezes ao longo de anos, tentando ganhar a confiança de alguns dos líderes indígenas mais importantes. Nos primeiros anos pode haver violência. Muitos ocidentais padeceram sob a lança de um guerreiro Huaorani. Mas eventualmente, a sedução dos bens de fora – do dinheiro, da gasolina, dos caminhões, dos motores para canoa, do álcool, da junk food – se tornam demais.

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A terra é comprada, emprestada ou trocada. Os canos são instalados, a perfuração começa, a paz é tênue. Os sons espantam os animais. A poluição envenena os rios. Jovens começam a ficar doentes muito antes de sua hora. Bebês e crianças morrem inexplicavelmente e de doenças misteriosas. Mas é tarde demais. As pessoas se tornam dependentes. Uma tribo que foi nômade durante séculos se torna fixa em um só ponto.

“É uma daquelas coisas em que, no começo, você pode dizer 'dessa vez é diferente', mas é absolutamente a mesma coisa”, disse Swing. “Se você está do lado de quem recebe de uma empresa petrolífera, você é de fato, até certo ponto, uma pessoa inocente e ingênua que está interagindo com uma máquina muito sofisticada que está ali para ganhar dinheiro e te acotovelar para fora do caminho.”

As empresas petrolíferas vieram a Guiyero há 20 anos. Hoje, a comunidade está tendo uma festa para celebrar a ocasião.

O autor e Cogui

Duas horas depois que Ahua aponta as pegadas, desço da canoa, cambaleio pela margem enlameada do rio, passo por mulheres lavando roupas e homens nus tomando banho. Tropeço em um dique inclinado e entro em Guiyero. Nesse exato momento o gerador a gás que fornece energia para a vila inteira para de funcionar, e a noite se aproxima depressa.

Isso geralmente não seria um problema, mas a festa não pode acontecer sem energia. Familiares passaram três dias andando pela selva para chegarem aqui.

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Enquanto Ahua vai fuçar no gerador, sou apresentado a Cogui, um homem de 90 anos que lembra um tempo antes dos forasteiros serem bem-vindos. Suas orelhas foram alargadas e ele está usando uma faixa na cabeça feita de folha de palma, na moda Huaorani tradicional, mas fora isso, ele usa roupas ocidentais, uma camiseta branca esportiva, shorts azuis atléticos e um relógio de prata genérico.

Cogui não fala uma palavra de espanhol. Ele me saúda com um aperto de mão e imediatamente começa a entoar uma música repetitiva e monótona. Vários outros Huaorani se juntam a ele. Pergunto a uma das pessoas mais jovens o que a música significa. Numa tradução livre, disse: “é uma música de boas-vindas. Ela diz 'no início, como de costume, eu queria te matar. Mas depois vi que você era OK e agora podemos ser amigos'”.

A praça principal de Guiyero.

“Waponi”, digo, arranhando a única palavra em Huaorani que me ensinaram. É uma palavra que manda todas boas vibrações, tipo como “aloha”. Significa “oi”, “tchau”, “obrigado” e “é bonito”, e muitas outras coisas importantes. Parece-me algo garantido de se dizer, e eu tenho razão.

Mostro-lhe minha câmera e o deixo tirar uma foto. Ele pula quando o flash é disparado, e ri. Cogui pega no meu braço e começa a alisá-lo. Nos comunicamos por expressões faciais e contrações de ombro. Finalmente, Ahua retorna e começa a traduzir para mim.

“Sua pele”, diz ele. “Ele nunca viu nada assim.”

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Na festa, que deve começar a qualquer momento, Ahua e seus companheiros tribais beberão chicha, uma bebida de milho fermentado feita pelas mulheres, que tem gosto de tinta. Ficarão bêbados. Um garoto vai pegar meu smartphone e fazer vídeos com ele até que a bateria acabe e a memória esteja cheia. Ele me perguntará se eu lhe deixo escutar rap enquanto sua irmã está ocupada tentando ser nomeada a Miss Guiyero. Os meninos adolescentes vestidos com camisetas de futebol, cabelos recém-cortados, jeans azuis e infelizes chapéus fedora flertarão com as adolescentes, que usam sapatos de salto-alto e maquiagem. Eles tropeçarão tentando recriar passos de dança que viram no YouTube.

Mas nada disso pode acontecer a não ser que o gerador comece a funcionar. Já comemos uma sopa de javali selvagem e iúca, esperando o negócio voltar a funcionar. Um grupo de garotos jogando futebol numa quadra de basquete teve que parar porque ficou escuro demais para enxergar.

Apesar do afastamento da vila, os adolescentes Guiyero aprenderam sobre a cultura americana através do YouTube e da televisão.

Nem todas os Huaorani estão em Guiyero para a festa; alguns estão incrustados na floresta. Em 1950, quando missionários americanos contataram os Huaorani, um pequeno grupo de 200 pessoas chamado Taromenane se enfiou mais adentro ainda da Amazônia, preservando suas formas tradicionais, e permaneceram por lá.

Foram suas pegadas que Ahua me mostrou da canoa. Eles ainda são não-contactados, indigenas isolados. E são eles que, provavelmente, serão completamente enxotados pelo plano do Equador de expandir sua campanha de perfuração petrolífera para dentro das partes mais imaculadas da Amazônia.

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Isso é porque, em algum lugar debaixo da vegetação, dos macacos, das árvores e dos povos Guiyero e Taromenane, está um quinto da vasta reserva petrolífera do Equador.

O presidente equatoriano, Rafael Correa, recentemente anunciou que é hora de começar a perfurar uma sessão do Yasuni conhecida como o bloco Ishpingo-Tambococha-Tiputini (ITT), perto do local que, acredita-se, os Taromenane vivem, e suas vidas que se danem.

É um cenário de pesadelo para Eduardo Pichilingue, o diretor do Centro de Direitos Econômicos e Sociais do Equador. Quando o conheci em seu escritório em Quito, seu cabelo ondulado e negro estava preso para trás num rabo de cavalo. As paredes de seu escritório estavam cobertas com mapas do Yasuni. Os mapas estavam etiquetados com pontos onde tribais Taromenane foram avistados – muitos no ITT – e lugares proeminentes de perfuração petrolífera.

Pichilingue ajudou a organizar protestos por todo o país e esteve tangencialmente envolvido numa petição tentando organizar um referendo público sobre se deviam começar a perfurar o ITT ou não, uma petição que o governo equatoriano rejeitou no mês passado.

Logo depois que Correa anunciou que a perfuração no ITT começaria, milhares de protestantes foram às ruas de Quito. A polícia atirou bolinhas de paintball neles enquanto marchavam.

O povo tem razão para estar bravo. Em 2008, Correa ajudou a reescrever a constituição do Equador, sua 20ª. Tornou-se a primeira constituição a notar “o direito da população de viver num ambiente saudável e ecologicamente equilibrado” e adicionou que “a conservação ambiental, a proteção de ecossistemas, biodiversidade… [e] a prevenção de danos ambientais são declarados assuntos de interesse público”.

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Finalmente, e talvez mais importante, reconheceu que “os territórios dos povos vivendo em isolamento voluntário são uma posse irreduzível e intangível, e todas formas de atividades extrativistas devem ser proibidas… a violação desses direitos devem constituir crime de etnocídio”.

Correa disse que o petróleo enterrado debaixo do ITT vale 15 bilhões de dólares na economia atual, e que ele precisa desse dinheiro para ajudar os pobres. A constituição equatoriana também declara que todos os recursos naturais enterrados do país pertencem ao Estado.

Em entrevistas recentes, Correa disse que não há tribos isoladas vivendo no ITT. Pichilingue pode produzir documentação governamental provando que o próprio governo acredita no contrário.

“Esse é o mesmo presidente que disse uma vez que devemos tomar conta dos povos indígenas isolados”, Pichilingue disse. “Quando ele quis obter dinheiro de outros países, o papo era 'temos que proteger esse lugar porque é a terra dos povos indígenas'. Agora, quando a prioridade é extrair petróleo, de repente eles não existem mais”.

Pichilingue, Swing, as pessoas em Guiyero e milhares de ativistas equatorianos acreditam que, se o Equador começar a perfurar o ITT, os Taromenane serão forçados a entrar em contato com Huaorani mais modernizados, como os de Guiyero. E os Taromenane e os Huaorani já mostraram uma propensão à violência quando se encontram.

Para provar isso, Pichilingue puxa um vídeo do YouTube de um Huaorani idoso chamado Ompore Omeway falando de seu encontro com os Taromenane e o mostra para mim.

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No vídeo, Ompore, de quase 70 anos, reconta ter esbarrado em um grupo de jovens Taromenane não longe de Guiyero. Os homens eram altos e fortes, e não estavam barbeados. Eles lhe disseram que estavam com medo de atravessar a estrada perto de Guiyero, que tinham medo de carros. Ao invés de atravessar a vastidão de cascalho de aproximadamente seis metros de largura, disseram que andaram por cinco dias para dar a volta na estrada ao invés de atravessá-la.

Os homens eram amigáveis, Ompore disse, mas lhe disseram que queriam que os Huaorani lhes ajudassem a expulsar os grupos petroleiros que operavam perto de Guiyero.

“Nós somos corajosos, não temos medo de forasteiros. Nós voltaremos para visitar vocês”, disseram. “Se vocês tiverem problemas com forasteiros, nos diga e lhes ajudaremos a matá-los. Somos muito rápidos. Atacamos e desaparecemos.”

Ompore disse que lhes avisaria. Disse que torcia para que eles voltassem.

Menos de um ano depois, em 5 de março, eles voltaram, mas as empresas petroleiras, obviamente, não haviam ido embora. Na segunda vinda, os Taromenane o mataram com 12 lanças. Atravessaram o corpo de sua mulher, Bogueney, com mais cinco.

Uma declaração publicada pela Organização da Nacionalidade Huaorani de Orellana depois das mortes disse que os Taromenane “expressaram sua raiva a Ompore e a Bogueney sobre o barulho, a plantação de alimentos desconhecidos, os muitos não-Huaorani, as árvores sendo cortadas e a plataforma petrolífera. Eles queriam que o Ompore e a Bogueney parassem tudo isso. Evidentemente, o Ompore a Bogueney não podiam ajudar”.

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O presidente Correa chamou o assassinato e qualquer violência entre os dois grupos de “uma questão complicada”.

Animais raros são comuns por todo o Yasuni, a não ser onde as perfurações dominam.

Uma semana antes de conhecer Ahua, fiz uma viagem para a Estação de Biodiversidade de Tiputini, de Swing, que fica a sete horas da cidade mais próxima. A estação é famosa por ser uma das mais importantes da Amazônia, em parte porque, apesar da localização remota, suas instalações são de nível mundial.

Elas incluem um centro de ciências de dois andaram com biblioteca (que conta com volumes sobre insetos, insetos que imitam esses insetos para enganarem predadores, árvores, aranhas, macacos, onça-pintadas, e quase todo artigo de revista científica que já foi pesquisado na estação), um refeitório com três refeições diárias, cabines com água de torneira potável, quilômetros e mais quilômetros de trilhas e acesso à Internet via satélite.

A qualquer momento, algumas dúzias de pesquisadores de todo o mundo podem estar estudando. Enquanto eu estava lá, havia um botanista da Universidade de Maryland e seu estudante de doutorado procurando uma área apropriada para estudar diversidade de plantas; um dos primeiros botanistas do mundo estudando a predação de insetos no Inga, um gênero de arbusto e árvore; um espanhol estudando o comportamento dos macacos (dez espécies diferentes vivem no Yasuni); e Diego Mosquera, o administrador atual da estação, especialista em onça-pintada.

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O Yasuni tem um terço das espécies de pássaros e répteis do planeta. Um hectare do parque tem mais espécies de insetos do que o Canadá e os Estados Unidos juntos. A região tem uma densidade de onça-pintadas maior do que em qualquer outro lugar na Terra. Mais de 200 espécies de plantas são endêmicas do parque. Um número não declarado de espécies de animais, plantas, fungos e insetos ainda não descobertos vivem por lá.

Certa vez, Ann Curry foi caminhar com Swing no Tiputini e descobriu uma nova espécie de tarântula, assim, andando pela trilha. Quando as pessoas falam de partes “imaculadas” da Amazônia, elas se referem a Tiputini, e se referem ao ITT, onde, até agora, ainda não houve desenvolvimento humano significativo.

Se você caminhar por Tiputini por um tempo longo, você verá macacos, verá papagaios, e sapos, e tucanos, e martim-pescadores, e araras. Verá insetos que você nem sabia que existiam, e verá aranhas gigantescas.

Se você não fizer barulho e tiver um bom olho para esse tipo de coisa, verá um javali ou uma capivara. Se tiver sorte, verá um onça-pintada ou uma jibóia, ou um gato selvagem. Se escutar, ouvirá chamados de acasalamento de sapos e grilos gorjeiando, e você não conseguirá dormir à noite até que os sons da selva parem de te impressionar ou de te assustar. E se escutar com atenção, escutará as plataformas petrolíferas.

A ideia de perfurar para achar petróleo na Amazônia não é nova. A Shell tentou perfurar no Equador em 1937, e várias empresas têm feito isso desde então. O governo equatoriano mesmo criou e foi dono de várias empresas petrolíferas, e agora opera a PetroAmazonas na região.

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Não importa de quem seja a culpa; o país não teve lá muito sucesso ambiental quando o assunto é empenho. Em 2011, a Chevron perdeu o maior processo da história, com o Equador exigindo que pagassem 8 bilhões de dólares em reparações pelo papel que a subsidiária Texaco teve em derramar a incrível quantidade de mais de 60 milhões de litros de óleo cru na Amazônia, na área petroleira Lago Agrio, 160 quilômetros a noroeste de Yasuni. A área continua sendo um terreno baldio tóxico.

Perfurações no Yasuni em si (e não no ITT) acontecem há pelo menos 20 anos, começando com a empresa Maxus, baseada no Texas, que construiu a chamada estrada Maxus que passa por perto de Guiyero. Hoje, muitas dessas perfurações no Yasuni são dominadas pela PetroAmazonas, a Repsol, espanhola, e diversas empresas chinesas. Mas há muito mais petróleo para ser explorado.

Enquanto um plano de extração de petróleo na Amazônia está longe de ser novidade, a ideia lançada pelo presidente equatoriano Rafael Correa em 2007, era. Ele a chamou de “A Iniciativa ITT” e pediu ao mundo 3,6 bilhões de dólares em doações em troca de não extrair petróleo da ITT, que se acredita possuir o equivalente a 846 milhões de barris de petróleo. Analistas sugeriram que não extraindo petróleo na área, mais de 420 toneladas métricas de dióxido de carbono seriam prevenidas.

O plano foi inicialmente aclamado por pessoas como Ban Ki-moon, da ONU, Leonardo DiCaprio e Edward Norton. Mas quando Correa assumiu o mandato em 2006, ele anunciou que o Equador estava inadimplente em grande parte de sua dívida, minando a credibilidade do país. As doações não chegaram tão rápido quanto Correa esperava – a maioria dos países, incluindo os Estados Unidos, se negou a contribuir. Depois de seis anos, apenas 116 milhões haviam sido angariados. Correa anunciou que a iniciativa seria abandonada e que a perfuração petrolífera, o chamado “Plano B”, seria instituído.

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“O mundo nos decepcionou”, disse Correa na ocasião.

A área rural de Guiyero inclui quatro poços de pesca feitos pelo homem, porque o Rio Tiputini na região é poluído demais para pescar.

Antes do sol se pôr, um homem muito bêbado me segura e me diz que quer falar dos Taromenane. Ele me diz que não tem medo deles. Diz-me que eles mataram um membro de sua família. Diz que quer matar até o último deles. Pessoas bêbadas falam muita coisa – mas, ao que parece, um grupo de homens Huaorani já causou grande diminuição da população Taromenane.

No mês que seguiu a morte de Ompore, um grupo dos homens mais fortes dos Huaorani – eles não estão na festa, Luis Ahua me diz, porque gostam de ficar na deles – foram pro meio da selva para encontrar o responsável. Levaram lanças e revólveres. Nas duas primeiras viagens, não acharam nada.

Na terceira, encontraram quem procuravam. Eles assassinaram entre 10 e 40 homens, mulheres e crianças Taromenane. A maioria dos relatos coloca o número ao redor de 30. Duas garotas Taromenane, de dois e cinco anos, foram sequestradas (ou poupadas, depende do ponto de vista). Não se sabe se alguém escapou. As garotas foram levadas de volta às vilas Huaorani para provar que os guerreiros de fato vingaram a morte do Ompore.

O Equador abriu uma “investigação oficial”, mas não acusou nenhum Huaorani. Um artigo da Newsweek detalhando os eventos publicado no início do ano incitou uma resposta de Nathalie Cely, a embaixatriz do Equador nos Estados Unidos, que escreveu que “apesar de o Presidente estar frustrado com o ritmo da investigação, dada a localização remota do incidente, nenhuma evidência tangível foi encontrada a não ser as duas garotas e uma fotografia sem autoria, o que desacelerou o processo”.

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Nos meses que se seguiram, as Nações Unidas exigiram que o Equador adotasse "medidas necessárias para prevenir violência futura entre o povos indígenas Taromenane e Huaorani”.

 “Se [a extração petrolífera na Amazônia] não existisse”, um grupo oficial dos Huaorani disse em uma declaração seguinte ao acidente, “famílias não-contatadas permaneceriam livres e esses encontros violentos seriam reduzidos”.

Os Huaorani com quem conversei disseram que os impactos ambientais da perfuração petrolífera os forçaram a se aventurar mais para o meio da selva para caçar, levando a encontros mais frequentes com os Taromenane.

Luis Ahua (direita) e seu tio.

Kelly Swing tem palavras mais duras.

“É um genocídio por negligência”, ele disse. “Nós normalmente pensamos que não é apropriado mandar nosso exercito para dizimar pessoas para que possamos ter nossa terra. Mas é normal ficar de lado e deixar isso acontecer entre eles até que se dizimem uns aos outros? Você não é levado a julgamento em côrte internacional por violação dos direitos humanos porque você não fez nada”.

Correa disse que a exploração petrolífera na área “não teve nada a ver” com o que aconteceu. A violência entre os dois grupos “é normal”, disse ele.

“Como devemos proteger aqueles que são isolados sem entrar em contato com eles?”, disse. “As Nações Unidas acabaram de declarar que o governo equatoriano tem que proteger as vidas daqueles que vivem isolados. Ótimo. Se nos disserem como… fazemos isso agora mesmo”.

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Nos nove meses desde que visitei Guiyero, não foram registrados mais relatos de violência na Amazônia equatoriana. O plano de perfurar o ITT continua a todo vapor. Houve relatos de que Correa abriu uma estrada clandestina para dentro da Amazônia que serve para transportar a infraestrutura para a perfuração, e no fim do mês passado, o governo do Correa lançou suas primeiras permissões – à PetroAmazonas – para iniciar a atividades de extração petrolíferas no ITT.

Maquinário pesado trazidos pelas empresas petrolíferas se tornou comum em Guiyero.

Está um breu quando, da distância, escuto o gerador começar a funcionar. As únicas luzes elétricas em Guiyero, penduradas bem no alto, na laje de concreto, começam a acender. Besouros quase do tamanho da palma da minha mão imediatamente gravitam em sua direção.

Graças a Repsol o gerador funcionou. A Repsol o deu aos locais, assim como a Repsol lhes deu suas casas de concreto de um quarto, suas escolas bilíngues de concreto onde as crianças aprendem a ler espanhol, o campo de futebol, o outro campo de futebol, a lojinha improvisada que vende refrigerantes, doces, cerveja e biscoitos. Obrigado a Repsol pelos refrigerantes, doces, cerveja e biscoitos na lojinha. Obrigado a Repsol pelos motores em suas canoas e os motores em seus caminhões, e obrigado a Repsol pela antena parabólica que traz o sinal à única TV da vila. Obrigado a Repsol por essa TV, também. Obrigado a Repsol pelas camisetas da Repsol que eles vestem.

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Mas também, obrigado a Repsol pelos quatro poços estocados com peixe porque o Rio Tiputini está tão poluído que não é seguro comer as piranhas pescadas. Obrigado a Repsol pelos adolescentes Huaorani que escutam a Psy e J. Cole. Obrigado pelos tratores que mantêm a estrada que se estica pela parte mais importante da floresta mais importante da Terra e obrigado a eles pelos canos que passam perto dela. Mas não agradeça a Repsol pelo enorme outdoor que diz “O petróleo melhora nossa comunidade”,  que foi colocado pelo governo equatoriano.

Em algum ponto depois da primeira leva de danças, mas antes do concurso de Miss Guiyero, Armando Boya, um representante da Repsol, pega o microfone no palco e diz a 200 pessoas Huaorani que eles “são como família”.

Mais tarde, perguntei a Boya como funciona a relação entre a Repsol e os Huaorani.

“Os negócios os ajudam. Temos programas. Nós lhes damos educação, damos-lhes muitas coisas. Ensinamos-nos a falar espanhol”, ele disse. “Respeitamos a selva, respeitamos o ambiente e respeitamos o povo Huaorani.”

O sentimento não é mútuo. Na manhã seguinte, uma hora antes de eu ter marcado de ir embora de Guiyero, Luis Ahua e um grupo de Huaorani mais velhos me puxam de lado.

“Você quer saber da violência?”, ele pergunta. “Estou pronto para falar sobre a violência. Estou pronto para falar de guerra.”

Durante meses, ele diz, ele e outros de sua tribo têm estocado lanças e munição. Eles tê estocado petróleo. Eles têm trabalhado numa nova fórmula para suas zarabatanas que pode matar uma pessoa em questão de minutos. Eles estão, diz, esperando a hora certa para usá-los.

“Um ataque”, ele diz. "Numa plataforma petrolífera.”

Mais cedo naquele dia, uma mulher Huaorani chamada Weya Cahuiya, que é representante de um dos poucos grupos organizados da tribo, o Nacionalidad Waorani de Ecuador, se apoiou contra uma casa de concreto, e com reggaeton no último volume ao fundo, disse-me que eles estavam de saco cheio.

“Vivemos na selva. Não precisamos de casas de concreto, precisamos de casas típicas Huaorani. O governo nos diz que precisamos de educação, mas precisamos de educação Huaorani”, disse. “Antes vivíamos com árvores limpas, com ar puro para respirar, com água limpa. Essa não é nossa música, essa não é nossa dança, essa não é nossa língua, essa não é nossa comida”.

“Toda vez que as empresas petroleiras se expandem, nos dividem”, acrescentou. “Há brigas entre famílias porque algumas pessoas recebem coisas que outras não recebem. Estamos refutando, e o governo precisa nos pagar. A todos nós. Eles precisam nos respeitar e nos perguntar o que eles querem e se eles quiserem entrar, têm que nos pagar, ou os mataremos”.

Ahua me pergunta quantas pessoas acho que eles conseguem matar se ensoparem um campo petrolífero com gasolina e tacar fogo. Ele me pergunta quantas pessoas conseguem matar se, quando os trabalhadores saírem correndo, eles atirarem neles com balas, zarabatanas e lanças.

Ahua me pergunta se é um bom plano. Ele sabe que eu sou repórter e diz que quer que as empresas de petróleo tenham medo.

 “Você não tem medo de o governo vir de helicóptero e matar vocês?”, pergunto.

“Que outro motivo temos para viver?”, diz.

Traduzido por: Julia Barreiro