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A Veia Islamofóbica do Novo Ateísmo

Uma reflexão sobre o fato de autores ateus não verem problema em dizer publicamente que o Islã é a fonte de um mal terrível e que é certo que o Ocidente entre em guerra com países muçulmanos.

O “novo ateu” Richard Dawkins. Foto por Mark Coggins via Flickr.

Sou ateu e isso nunca me pareceu grande coisa.

Minha crença — ou a falta dela — talvez fosse mais importante para mim se eu fosse da Arábia Saudita, de uma cidade pequena do Alabama cheia de literalistas bíblicos ou de algum outro lugar onde a religião é uma característica definidora da vida civil. Mas cresci em Seattle, Washington, uma cidade tão liberal que ouvi histórias de carros com adesivos da campanha Bush/Cheney sendo riscados nas ruas. Cristãos praticantes que falam abertamente sobre sua fé devem passar por mais situações escrotas do que eu. Não me lembro de sofrer qualquer consequência negativa por ser ateu, mas lembro de um dia no colegial quando eu e um amigo ateu presunçoso ficamos enchendo o saco uma colega cristã por causa de suas visões sobre o inferno. É legal e até inebriante imaginar que você desvendou o código e sabe a verdade que a maioria das pessoas não sabe, especialmente quando você é um moleque adolescente já propenso a pensar que é alguém especial.

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Como um monte de ateus, li uma caralhada de livros sobre ateísmo, as falhas da religião e as inconsistências contidas na Bíblia e em outros textos cristãos. Coisas escritas por homens — quase sempre homens, quase sempre brancos — sobre como a religião está errada e como eles estão certos, como argumentos para Deus podem ser jogados fora igual a ideia de que a Terra é plana. Li Christopher Hitchens quando ele protestou contra a igreja católica, Richard Dawkins quando ele descartou a religião como uma força mundial para o mal e o Reddit, quando as pessoas transformaram a filosofia Hitch-Dawk em gráficos e quadrinhos. Não sei quantos cristãos, muçulmanos, judeus ou budistas foram convencidos por livros como Deus não é Grande, Deus, um Delírio e A Morte da Fé de Sam Harris, mas, cara, era muito legal ler esses livros e adquirir munição para discussões imaginárias entre você e algum crente. Pelo menos para mim, esses debates sempre foram inteiramente hipotéticos, já que nunca ninguém se importou o suficiente para tentar me convencer a entrar para o time de Jesus ou Alá. Mas ler esses “Novos Ateus” me ajudou a refinar meus pensamentos sobre religião. Comecei com aquela concepção adolescente de que Deus não existe porque, dãã, que ideia idiota, né? Depois desenvolvi um apoio que sustentasse minha falta de crença. Imagino que vários ateus passaram pelo mesmo processo e, sem dúvida, católicos que leem Tomas de Aquino e C.S. Lewis sentem um estremecimento parecido.

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Fiquei pensando sobre ateísmo e religião depois de ler alguns artigos sobre como os Novos Ateus têm uma bizarra veia islamofóbica — um na Salon, por Nathan Lean, e outro na Al Jazeera, por Murtaza Hussain. Os dois reparam que Dawkins e Harris, especialmente, não veem problema em dizer publicamente que o Islã é a fonte de um mal terrível, e que é certo que o Ocidente entre em guerra com países muçulmanos. Glenn Greenwald, como já é costume, expandiu para isso aqui, não que as opiniões de Harris sobre o Islã o tenham levado para o lado dos novos conservadores ou dos doidos que protestaram na “mesquita 11 de setembro” que abriu na baixa Manhattan, e ele até afirmou uma vez que “as pessoas que falam de maneira mais sensata sobre a ameaça que o Islã representa para a Europa são, na verdade, fascistas”. Isso levou a vários posts em blogs e contrablogs, e todo tipo de acusações de má interpretação e blá-blá-blá.

Dizer coisas inflamatórias sobre o Islã não está fora do caráter dos Novos Ateus, já que eles são o tipo de pessoas que perguntam se a religião não seria a raiz de todo o mal e debatem seriamente a existência de Deus com crentes. Eles dizem coisas pesadas sobre os cristãos o tempo todo e, sim, países governados por leis islâmicas têm feito coisas horríveis (assim como nações cristãs e até nações budistas). Se você está tentando erradicar a religião com um best-seller de cada vez, como Harris e Dawkins, talvez faça sentido ir atrás primeiro do que você percebe como sendo o “pior” sistema religioso, depois o próximo pior e assim por diante, até que a única fé restante no mundo seja um combo pacífico de unitarismo e jainismo.

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Mas se seu projeto é convencer as pessoas que a religião é má, que deveria ser varrida da face da Terra e que o ateísmo racional é o farol da verdade na direção do qual devemos navegar com o navio maltratado da raça humana — ou qualquer coisa assim —, será que atacar diretamente a religião, ou uma religião em particular, é a melhor prática? Ajuda escrever coisas como: “A única razão para que o fundamentalismo islâmico seja uma ameaça é porque os fundamentos do Islã são uma ameaça”? Não sei se a prosa anti-Islã de Harris vai fazer algum islâmico se tornar ateu, mas provavelmente convence alguns ocidentais de que o Islã precisa ser detido (Como? Provavelmente com bombas, acho) e talvez persuadir alguns muçulmanos de que, sim, os norte-americanos estão atrás deles, até mesmo os não-cristãos.

Harris gosta de afirmar que o Islã é excepcionalmente mau e que, apesar de outras religiões serem responsáveis por violência, o Islã é a pior. Ou como ele mesmo coloca: “Há gradações do mal feito em nome de Deus”. Não contei os mortos nem fiz uma análise de quão pior é um atentado suicida com bomba do que a boa e velha discriminação e violência contra grupos étnicos em particular, então vou concordar com Harris — o Islã é o pior. Estou no time do Vamos Banir o Islã Militante. E agora? Invadimos outro país? Escrevemos outro post polêmico num blog exigindo que muçulmanos moderados renunciem à sua fé? Criamos leis que restringem certos tipos de demonstrações de fé, como o uso de burcas?

Uma coisa que a crença faz é te dar um guia de como viver sua vida. Um certo tipo cínico de ateu vai ridicularizar essa ideia, apontar todas as maneiras como as religiões restringem a liberdade e maltratam as pessoas, e ainda rejeitar a noção de moralidade que vem com a fé. Esses ateus são rápidos em atribuir às religiões praticamente toda violência cometida em nome de Deus e ignorar todos os atos de bondade feitos em nome Dele. Mesmo quando esses Novos Ateus reconhecem que fés como o Islã pregam a compaixão e bondade com o próximo (e pregam mesmo), eles argumentam que isso é contrabalanceado por ódio e morte numa escala muito maior.

Mas o que eu fico imaginando é o que o ateísmo coloca no lugar dessa moralidade e apoio que a religião fornece. Você não precisa de Deus para ser uma boa pessoa, mas você precisa, de alguma maneira, diferenciar atos bons de maus, virtudes de defeitos. Os Novos Ateus têm feito um trabalho muito completo em definir o que é o mal — é a religião, a hipocrisia que ela gera e os atos de opressão e ódio cego que são realizados sob a justificativa de “obedecer a Deus”. Só espero que eles voltem seu intelecto para questões sobre o que seria “o bem”.

Siga o Harry Cheadle no Twitter: @HCheadle