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A Vez em que os Antifas Massacraram a Frente Nacional Britânica

A Anti-Fascist Action (AFA), uma organização militante antifa, conseguiu reduzir o número de participantes da marcha anual da National Front com uma combinação de organização audaciosa e violência.

O Remembrance Sunday é o ponto alto do calendário do orgulho branco do Reino Unido – um dia em que a Frente Nacional Britânica (NF, em inglês) desfila em frente ao Cenotáfio na mesma data em que as pessoas prestam homenagem àqueles que morreram na guerra, incluindo os que morreram lutando contra os nazistas.

Neste ano, houve uma cisão entre as fileiras do NF, o que significou que duas marchas aconteceram com uma pequena possibilidade de confronto. No entanto, felizmente, o evento acabou sendo pequeno – diferentemente das marchas do NF no passado.

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Nos anos 80, a marcha do Remembrance Day era muito maior, atraindo milhares de carecas racistas para Londres. Sendo assim, aqueles que odiavam fascistas queriam mostrar sua oposição ao evento. E, durante alguns anos do final da década de 80, a Anti-Fascist Action (AFA), uma organização militante antifa, conseguiu reduzir o número de participantes da marcha anual da NF com uma combinação de organização audaciosa e violência.

Conversei recentemente com Joe, um ex-organizador da AFA. Falamos sobre se chutar a bunda de nazistas em pubs e lanchonetes e ele me explicou como sua organização conseguiu diminuir o contingente presente à marcha do NF para um décimo do que costumava ser.

VICE: Você participou da oposição à marcha do Remembrance Sunday da Frente Nacional por muitos anos no final da década de 80. Por quê?
Joe: Bom, a AFA foi formada, em julho de 1985, com o propósito de enfrentar o NF e outros grupos de extrema-direita nas ruas. Uma das áreas obviamente negligenciadas era a marcha no Cenotáfio, onde o NF conseguia desfilar pelo centro de Londres sem encontrar quase nenhuma oposição. No auge, nossa estimativa é de que 2 mil pessoas participavam do evento; então, isso chamou nossa atenção. Nessa época, estávamos no final da Anti-Nazi League e no começo da AFA. Isso era quando qualquer [possível futuro membro] era encorajado a participar do evento anual. Sem nenhuma oposição, eles pareciam difíceis de se derrotar. Para os mais jovens, isso é bastante impressionante.

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A oposição à marcha do NF no Remembrance Sunday em 1985 foi uma das primeiras vezes em que a Anti-Fascist Action saiu às ruas. O que aconteceu?Fomos até lá e tentamos ocupar o ponto de encontro deles ao redor da estação Victoria. Estávamos no fundo da estação, onde eles costumavam se encontrar. Éramos provavelmente uns 80 ou 100, nem todos combatentes – [alguns eram] antifascistas normais, se você preferir. A polícia estava lá. Aí, cerca de meia hora depois, o NF apareceu e viu a mistura demográfica social do grupo.

Eles pareciam lobos – com a língua pendurada para fora da boca. Alguns deles estavam até felizes, despreocupados. Mas aí, quando eles se aproximaram, as pessoas menos dispostas começaram a se afastar e outros a avançar. Quando eles chegaram perto, havia aquele clima de expectativa do nosso lado; eles ficariam felizes em nos atacar de 18, 20 metros de distância. Mas eles acabaram não atacando; se tivessem, provavelmente teriam vencido. Ian Stuart Donaldson [vocalista da banda nazi Skrewdriver] chegou à parada de ônibus e entrou na fila.

No final do dia, a polícia já estava de saco cheio deles, claro – desapontando a raça branca. Eventualmente, eles saíram das vans e começaram a pressionar nosso lado. O NF teve, então, de dar a volta, já que não tinha conseguido formar um grupo coeso. Eles precisavam de um outro lugar para se juntar. Era meio como um carrapato na coluna da vitória. Obviamente, não conseguiríamos fazer isso no ano seguinte.

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No ano seguinte, vocês fizeram sua própria marcha. Por quê?
Achamos que era preciso fazer algo que chamasse mais atenção, aí surgiu a ideia de se fazer uma marcha da AFA em oposição direta ao NF. Na verdade, íamos marchar na direção deles.

Nossa primeira marcha atraiu cerca de 2 mil pessoas, o que foi considerado um sucesso – e para o desgosto do Daily Mail, que estava enojado com a ideia de antifascistas se envolverem com o Cenotáfio, o que era um anátema para eles. No ano seguinte, estávamos prestes a repetir o sucesso, mas um grupo de 80, 100 [Chelsea] headhunters [hooligans] atacaram o final da marcha. Aí percebemos o tendão de Aquiles que era ter um protesto dominado por estudantes, porque, fora duas mulheres, a manifestação inteira correu para frente. As mulheres estavam lutando para voltar ao grupo e tiveram de passar por pessoas derrubando cartazes e tudo mais – uma desgraça. E os headhunters só passaram pelo meio da marcha; eles não partiram realmente para a violência.

Qual foi o rescaldo do ataque?
Foi o suficiente para olharmos a estrutura do AFA e pensar: "Obviamente, temos um problema aqui". Quer dizer, qual o propósito de ser antifascista se você vai amarelar assim que encontrar a oposição? Você pode muito bem se descrever como não fascista. Você é um canto neutro – é aí que você fica feliz, é aí que você está confortável.

Apesar de a AFA estar marchando, vocês ainda confrontaram o NF no centro de Londres durante aquela noite. No livro Beating the Fascists, há menção a uma briga numa lanchonete. Você pode explicar o que aconteceu ali?
Foi um golpe devastador, porque aquela era a guarda líder deles. Eles não estavam prestando atenção ou focados o suficiente. Eles achavam que estavam seguros por estar em King's Cross. Mas nos redistribuímos – costumávamos tirar as pessoas da rua depois de muita atividade. A polícia estava procurando por nós, mas sumimos de repente. Tínhamos gente observando o tempo todo, e eles sempre voltavam com alguma coisa. E, quando era a hora certa, reaparecíamos, uns 150, e saíamos para caçar. E foi assim que nos deparamos com os caras.

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Então, vocês estavam nessa lanchonete com esses membros da NF…
O engraçado é que Euston Road, mesmo numa noite de domingo, é um lugar movimentado. Estávamos num lado da rua, e eles estavam na frente de uma lanchonete do outro lado. Dois ou três deles vieram pela escada da St. Pancras. Eles viram o que ia acontecer logo de cara. Eles não nos reconheceram, mas entenderam a linguagem corporal. Eles tinham uma grande vantagem – tinham várias bandeiras com pontas de metal e os maiores brutamontes que encontraram, uns caras de pescoço grosso.

Mesmo estando em menor número, se eles tivessem mantido a posição, haveria um impasse, e a polícia apareceria em minutos, porque estávamos do outro lado da rua e tudo mais. Mas eles perderam a coragem e decidiram entrar na lanchonete: "Vai dar tudo certo, pode nem ser eles mesmo, não entrem em pânico".

Foi perfeito – você não consegue usar uma bandeira num ambiente fechado. Foi uma coisa meio John Wayne. A briga passou por cima do balcão e chegou até a cozinha. Os clientes fugiram, assim como boa parte dos funcionários. Foi um golpe duro, porque eles conheciam todo mundo e todo mundo os conhecia. No final da semana, todo mundo já sabia sobre esse desastre de Relações Públicas deles.

Esse era o tipo de coisa com que contávamos: ser mais inteligentes que eles, antecipar o que eles iam fazer. Aparecer onde não nos esperavam. Era tudo parte do portfólio da AFA. Começávamos com dez vezes menos pessoas que eles, mas aí íamos reagrupando as mesmas 100 pessoas. Conseguíamos atacá-los seis ou sete vezes sem nenhuma perda. Eles achavam que estavam enfrentando um exército. Eles não sabiam que eram os mesmos 100. Foi um massacre. Foi um final muito legal para aquele dia.

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Depois de alguns anos de marchas e confrontos, vocês decidiram voltar a Victoria e enfrentar diretamente o NF – a tática que vocês usaram em 1985. O que aconteceu lá?
Achamos que poderíamos repetir a fórmula original – mas com mais combatentes, o que não era o caso da primeira vez. Então, fizemos isso. Eles tinham um pub ali perto, usado pelos Chelsea Headhunters. Tomamos o lugar. Isso se tornou a base das operações, o que era a armadilha perfeita para eles, porque era até lá que eles iam. Eles vinham e você os via se espalhar. O que acontecia, acontecia. Mas mais deles apareciam, porque estamos falando de milhares de pessoas vindo de todas as partes, e a gente acabava com eles.

E não havia nenhuma polícia por perto?
Eles não tinham antecipado isso e não conseguiam distinguir qual lado era fascista. Não havia nada para diferenciar – não havia uma demografia marcada como na primeira marcha. [Em 1985] eram obviamente estudantes e esquerdistas contra hooligans e fascistas; então, você os separava e tinha uma situação de ordem. Mas isso era completamente fluido.

Uma vez, um cara particularmente notório, que logo seria parte do [grupo neonazista] Combat 18, decidiu marchar até o pub com um ou dois outros caras. Ele deu dois passos para dentro da porta e alguém acertou um cinzeiro nele: ele cambaleou, acertaram-no com uma cadeira; depois, ele levou um caneco de cerveja diretamente no saco e saiu cambaleando pelo outro lado. Isso resume tudo. Esse cara era um brutamontes escroto – ele foi procurado por tentativa de assassinato um tempo depois. Ele achou que conseguiria enfrentar a gente, mas não tantas pessoas. Ele nunca mais fez isso.

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Que efeito isso teve na Frente Nacional?
Foi um ponto baixo para eles, óbvio. Sua própria organização não tinha antecipado isso. Eles não estavam preparados pra gente. A polícia, também não. Muita dessa organização era feita boca a boca: isso foi antes dos celulares, e-mails e tudo mais. Você não deixava uma trilha de provas de onde a polícia podia tirar inteligência. Não havia nada, era tudo boca a boca.

Os planos também podia mudar de um dia para o outro de acordo com o critério de quem estava no comando. Você podia antecipar só no geral o que a AFA ia fazer, e a AFA também estava marchando; então, a polícia estava toda reunida na marcha. Uns 500 policiais iam à Victoria, e eles tinham um pessoal na Trafalgar Square também, tentando antecipar e evitar outro ataque da extrema-direita, quando, na verdade, era a extrema-direita que estava sendo atacada. Eles não conseguiam se mobilizar rápido o suficiente – eles não conseguiam se ajustar. Foi um bom dia. As recriminações fascistas continuaram muito depois: de quem era a culpa por aquilo tudo?

As ramificações desse tipo de humilhação minaram a organização por meses, anos até. Às vezes, eles nunca se recuperavam. Acho que Richard Edmonds, [ex] Partido Nacional Britânico [e agora membro da NF], disse depois que eles tinham um contingente lá, mas eles não tinham razão para ir à Victoria: lá estava cheio de vermelhos. Essa era a experiência direta dele – o PNB nunca tomou parte no Remembrance Day depois de tudo isso, nem como força simbólica.

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O PNB não foi o único grupo que foi afastado – houve um enfrentamento com os Chelsea Headhunters em Embankment. Você acha que foi por isso que eles não voltaram mais?
Eles estavam em vários hooligans nesse dia para atacar os esquerdistas e os negros. Mas eles acabaram encontrando a AFA. A cara de horror deles… mesmo com o metrô fechado – as portas estavam fechadas quando a AFA mudou de trem –, eles estavam tentando sair do carro onde a AFA estava tentando entrar, quebrando as janelas com os extintores de incêndio. Eles estragaram tudo, e sabíamos que eles não iam voltar mais.

A ironia é que aqueles que conseguiram escapar do carro levaram garrafadas e outras coisas quando foram de um carro a outro. Se eles tivessem ficado sentados lá, lendo o jornal, eles teriam ficado bem. Mas não conseguiram… Eles entraram em pânico, puro pânico. O que, para o que estávamos tentando fazer, foi muito edificante, porque, para cada um que acertávamos, outros dez sabiam que isso podia ter acontecido com eles. Isso significou que nenhum deles voltou, nunca. Isso acabou com a carreira política deles. Dizíamos que esse era o maior engano deles – achar que caras de esquerda são velhos de suéter de lã e sandália. Era isso que eles achavam, mas encontraram o oposto. Foi devastador – eles sabiam que iam ser massacrados e, antes que conseguissem acertar alguém, eram eles que apanhavam e saíam do palco sangrando.

No final dos anos 80, o número de participantes do Remembrance Sunday do NF tinha caído para cerca de um décimo do que era no pico de atividade deles – ou seja, por volta de 200 pessoas. Aí vocês pararam de enfrentá-los. Por quê?
Foi uma decisão estratégica. Dissemos: "Bom, esses são os [membros] hardcore – não vamos conseguir reduzir esse grupo". Então, a AFA foi a East London, ficou com o PNB e, basicamente, deixou o NF sendo só isso: uma introdução ao fascismo, sem conseguir mais servir a seus propósitos. Saímos de cena, mas, se a polícia tinha 500 oficiais, eram dois policiais uniformizados para cada fascista, e você só podia causar danos graduais depois disso. Sempre vai ter um hardcore que vai continuar, mas os colegas – o tipo de pessoa que seria a próxima geração – tinham sido removidos; então, seguimos em frente.

Em quatro anos, eles foram basicamente desmembrados. Nessa época, as pessoas diziam: "O fascismo não é uma ameaça, os tories são os verdadeiros inimigos: isso é um desvio da luta de classes". A realidade: certo. Mas se você deixa 2 mil fascistas marcharem sem oposição, isso vai virar um grande problema. É o que eles representam, não o que eles podem fazer. Eles nunca foram particularmente competentes, mas representavam alguma coisa, e houve uma continuidade entre eles e o sucesso do PNB e do UKIP agora. E as pessoas estão vendo o tamanho do reservatório reacionário que o NF estava tentando canalizar na época, 25 anos atrás.

Essa é a questão: eles sabiam que tinham algo do que se alimentar – a estratégia "marchar e crescer" de Oswald Moseley dos anos 30. Que era usar violência, a rota mais rápida, como linha reta até seu objetivo. Eles não conseguiram fazer isso – mas, se ninguém tivesse ficado no caminho deles, eles poderiam ter chegado lá.

@jdpoulter

Tradução: Marina Schnoor