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A Vigília por Gaza em SP Terminou com a Polícia Dando Tiros Para o Alto

A comunidade árabe se reuniu numa praça de Higienópolis, um bairro paulistano conhecido por abrigar muitas famílias judias, para uma vigília em prol da Palestina. Mas a noite acabou com a PM dando tiro para o alto.

Hoje de manhã, o porta-voz do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza anunciou que 208 palestinos já foram mortos pelas forças israelenses desde o dia 7 de julho. Indignados com a atuação desproporcional de Israel, que continua bombardeando a Palestina e, consequentemente, fazendo com que o número de mortos aumente vertiginosamente – aliás, a quantidade de crianças e jovens é assustadora –, a comunidade árabe no Brasil organizou ontem uma vigília na Praça Cinquentenário de Israel, no bairro paulistano Higienópolis, conhecido por abrigar diversas famílias judias. Segundo o Movimento Palestina Para Tod@s – Mopat, que organizou o ato, cerca de mil pessoas estiveram por lá.

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Velas, rezas, cantos. Tudo estava extremamente pacífico até que, quase no fim do ato, a polícia ameaçou prender dois participantes. No calor da confusão, quem estava lá disse que foi por conta dos pixos no muro da praça, que diziam “Palestina Livre”. No instante da tentativa de detenção, todos ali foram para perto da polícia – que, numa injustificada ação de defesa, sacou uma espécie de espingarda e deu tiros esparsos para o alto. Assustadas, as pessoas começaram a correr.

Nesse momento, alguns senhores árabes enrolados em seus “keffiyeh” [lenço tradicional] tentavam apaziguar a situação e, com um sotaque carregado, pediam “Calma, calma”.

Quando tudo parecia parcialmente resolvido, a polícia resolveu levar suas viaturas para longe da vigília ao som de um uníssono “polícia fascista”. Nisso, quase atropelaram uma garota. Os fotógrafos que estavam presentes ficaram indignados. Inclusive, o Felipe Larozza, da VICE, perguntou ao policial no volante do carro onde estava sua identificação no uniforme e ouviu um “Tô de jaqueta” como resposta. Até o fechamento desta matéria, a assessoria de imprensa da Polícia Militar de São Paulo não respondeu qual o motivo que os levou à tentativa de prisão das pessoas que ali estavam, nem se os tiros ao alto foram provenientes de armas letais ou não.*

Batemos um papo com quem saiu de casa numa noite gelada para ir até a vigília. Leia a seguir.

VICE: Por que você veio mostrar apoio aos palestinos aqui?
Felipe Souza: É duro falar “você aceita uma justificativa pra bombardear os outros?”. Bombas? Nós estamos no século 21. Isso não é evolução. O islã é paz. Em 1492, na Espanha, os judeus foram embora com os muçulmanos. Sou muçulmano e trabalho com uma judia. Moro com um budista, uma menina do candomblé. As pessoas podem conviver. Ninguém está protestando contra os judeus, é contra o sionista. Acho que qualquer interpretação da religião que leve ao ódio está errada. Nós sabemos que, na história, os judeus não foram tratados a pão e rosas. Mas a questão não é acabar com Israel.

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Você acha que a ONU é omissa?
A ONU é um negócio que não faz sentido.

Quando vi você de longe, achei que era um quipá na sua cabeça e que você era judeu.
[Risos] Isso não é um quipá, é uma taqiyya.

VICE: Vi que você estava vendendo broches para o pessoal aqui.
Luma Feboli: Sim, para custear a viagem. Viemos em cinco pessoas de Campinas.

E por que vocês vieram para cá?
Estamos fazendo uma vigília para apoiar a população palestina. É um verdadeiro massacre. Faremos um ato amanhã em frente a uma companhia israelense de lá. Inclusive, o ato faz parte de um grande boicote aos produtos israelenses.

Você acha a reação de Israel proporcional?
É completamente injusta. Israel tem um aparato bélico enorme.

VICE: O que você veio fazer aqui?
Mohamed El Kadri: Na verdade, fazemos parte da Frente de Defesa do Povo Palestino. Repudiamos o genocídio que está acontecendo em Gaza. E é muito importante que eles saibam que o povo brasileiro apoia a luta deles.

Você acha que o governo brasileiro deveria se posicionar?
É o que esperamos, que nossos governantes tomem uma postura mais firme e condenem o massacre, e não essa neutralidade. Queremos que o governo pare de comprar armas de Israel porque a compra financia o massacre palestino.

VICE: Por que você está aqui hoje?
Kamila Celestino: Por causa do massacre que Israel está cometendo sobre a Palestina. Tenho amigos em Gaza que não dormem à noite. Israel já lançou cerca de 800 toneladas de bombas. Ouvi relatos de mães que não sabem o que dizer para os filhos e falam que são fogos de artifício.

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Estamos propondo um boicote às empresas que investem em produtos feitos em Israel. Sabemos que não são todos os israelenses que estão cometendo esses atos ou que são contra a Palestina. Alguns até se manifestaram contra a atitude das forças israelenses. O mundo tem se comovido com outras questões, e não com a Palestina. Na guerra, quem sai de casa disposto a dar ao menos uma palavra de consolo a quem precisa, já fortalece. Na guerra, é importante batalhar e rezar.

VICE: Olá. O que vocês estão fazendo?
Sérgio Rossi: Uma oficina de stêncil pra homenagear a Palestina.

Vocês estão dando as camisetas?
Não. Cada um traz sua camiseta e a gente faz. Tem que esperar 15 minutos para a tinta secar e poder usar.

VICE: Por que você está aqui hoje?
Francirosy Campos: Pesquiso os muçulmanos há 16 anos. Sou antropóloga. Acho que está na hora de brasileiros, palestinos e o mundo todo se unir e dar um basta nesse genocídio, um basta a Israel. Chega de ver crianças morrendo. É um desrespeito ao próprio Alcorão, que diz que se você mata uma pessoa inocente, você está matando toda a humanidade. Até o profeta Muhammad foi casado com uma judia.

VICE: O que vocês vieram fazer aqui?
Nizar Salem (na foto, o do meio): Sou brasileiro, descendente de árabes. Sabemos a realidade dos fatos e o melhor que podemos fazer é apoiá-los.
Youssef Kassem (na foto, à direita): Sou libanês. E vim simplesmente porque crianças e idosos estão sendo mortos nesse genocídio.

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Vocês acham que o governo brasileiro deveria fazer algo?
Nizar: O mundo inteiro. Não só os brasileiros.
Youssef: Tem que chamar o embaixador do Estado de Israel e reclamar para ele.
Nizar: Morei lá por alguns anos e vi o que acontecia. Jovens são massacrados. É uma guerra. Uma guerra de 50 anos até hoje. E os EUA apoiam tudo isso.

VICE: Vi que você estava puxando alguns cantos em árabe. O que eles significam?
Sara: A tradução seria “Ô Gaza, estamos com vocês até a morte”.

E por que você veio até aqui hoje?
Sou síria, exilada política no Brasil. Comecei minha militância com refugiados de lá. Só ontem à noite, 18 pessoas foram mortas. Sábado faremos um novo ato em parceria com movimentos de moradia e com o Sindicato dos Metroviários em frente à Rede Globo.

VICE: Débora, além de você ser minha xará, é fundadora do Mães de Maio e te encontrei aqui bem depois da confusão que rolou com a polícia. O que você achou?
Débora Silva Maria: Isso é terrorismo de Estado. É opressão para calar nossas vozes.

A nossa polícia não é diferente do Estado de Israel. A mesma arma que mata lá, mata aqui. O Estado de Israel é genocida. E ver as crianças morrendo é o que mais dói. Aliás, esse é o dever dos vivos: lutar pelos mortos. O desenvolvimento do nosso país foi feito com sangue dos nossos filhos. Aqui não é diferente. Nossa polícia não é solidária, é terrorista.

* Às 19h16, nove horas depois de enviarmos um e-mail solicitando informações sobre a atuação da PM durante a vigília, recebemos a seguinte resposta: "Em dado momento os policiais militares foram acionados, pois um casal estava pichando um muro próximo ao local da manifestação. O casal foi abordado, detido e conduzido até uma viatura.

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Em seguida uma parcela dos manifestantes cercou a viatura e acuaram os policiais e, em razão de possíveis agressões que poderiam ocorrer contra os policiais militares, foram efetuados dois tiros de elastômero, para local definido e sem atingir ninguém. O tumulto ao redor dos policiais foi dissipado e os dois detidos escaparam durante a confusão."

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