Fomos padrinhos de um casamento de moradores da ocupação Pamplona

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Fomos padrinhos de um casamento de moradores da ocupação Pamplona

O Sérgio e a Kelly moravam na rua e agora dividem um colchão na Ocupação Pamplona. Ajudamos os dois a se arrumar, fomos ao cartório e celebramos o casamento comendo pastel na feira com eles.

Casamento é um lance complexo. Tem gente que foge, tem gente que sonha. Com festa, sem festa, cafona, hipster, papel passado ou não. Não importa quanto o tempo passe, ainda existem pessoas que sonham em acordar e dormir juntinhas, fazer tudo a dois e ser feliz para sempre. Pobres ou ricas. Com teto ou sem teto. Sempre tem romance no ar. “A vida é a arte do encontro”, disse o Poetinha.

Quando botei meus pés na Ocupação Pamplona, uma das primeiras coisas que ouvi foi: essa é a Kelly e ela vai casar. Durante toda a visita, só pensei na noiva. E depois de conhecer o lugar e os moradores, colei nela.

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O Sérgio tem 58 anos e a Kelly, 28. Os dois moravam na rua, e foi lá que se conheceram. Desde 12 de junho, o dia em que rolou a abertura da Copa e o Movimento de Moradia da Região Centro (MMRC) ocupou um prédio inativo na Rua Pamplona, no bairro paulistano Jardins, eles têm um teto. Dividem um colchão fino que fica no chão de um apartamento sem móveis no sexto andar.

Enquanto tomavam café preto na cozinha, eles me contavam que o casamento no cartório estava agendado para daqui a duas semanas. Ele é camelô. Ela vende trufas de chocolate. Ele conta que já teve outras mulheres, mas que elas não souberam segurar um partidão como ele. A última pediu para que ele arrancasse os dentes, dizendo que estavam podres. Assim que ele arrancou, ela o largou. Kelly ri tímida. Eles mostram as alianças de noivado e dizem que as do casamento já estão compradas.

Encostado no batente da porta, Sérgio conta que nunca foi de se emocionar e chorar. “Não sei o que essa menina fez comigo. Adoro ela”, confessa com lágrimas nos olhos. Mas os dois já brigaram. E tiveram que chamar a polícia para separar a treta. “Quanto mais a gente briga, mais a gente se gosta”, ele fala.

Pergunto se ela tem roupa para casar. “Sim, um vestido azul que ele me deu quando ainda morávamos na rua.” Pergunto quem irá arrumá-la no dia e conto que tenho uma amiga maquiadora, Paula Vidal, e que tenho certeza de que ela gostaria de deixá-la linda sem cobrar nada. Todos se empolgam. Nesse momento, o casal convida eu e o Felipe Larozza, fotógrafo da VICE, para sermos suas testemunhas no dia de assinar os papéis. “Padrinhos”, sorriem. Emocionados, aceitamos.

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Duas semanas depois, ligo para eles. É sexta-feira, véspera do casamento, agendado para às 9h do sábado num cartório na Av. Brigadeiro Luis Antônio. Preocupado, Sérgio diz que o casório foi suspenso. Eu me sobressalto. “Não temos a quarta testemunha”, fala. Digo que se esse for o motivo, está resolvido. Levo uma amiga, Larissa. Pronto. Agora são quatro testemunhas: eu, Felipe e minhas amigas Paula e Larissa. O casamento está de pé.

Às sete da manhã entramos na ocupação. O noivo já está se arrumando. Como não tinha gravata, o Felipe levou uma de presente e deu o nó para ele. A noiva está preocupada porque colocou unhas postiças e algumas quebraram. A Paula, maquiadora, diz que irá ajudá-la e pede a cola. Kelly diz que a cola é uma porcaria e fala “Colamos com aquela ali, que é melhor”. Surpreendida, minha amiga maquiadora exclama: “Superbonder!”.

Unhas arrumadas com a cola que cola tudo, inclusive os dedos da Paula. É hora de maquiar a Kelly. “Nunca passei maquiagem. Quero dizer, passei, mas pouco”, conta.

Ajudamos a noiva a colocar a meia-calça, o vestido e o sapato.

Ela pede para a Paula molhar o cabelo dela, passar um gel e colocar de lado.

O noivo está pronto.

O casal coloca os documentos numa bolsinha simples e confere as alianças. Tudo certo. Vamos para o cartório. E eles vibram quando descobrem que iremos de carro.

Lá, encontramos outros padrinhos. No fim, não entendemos a conta das testemunhas, mas todo mundo acabou assinando feliz e contente.

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Os dois se controlaram a manhã inteira para não chorar, mas quando o Sérgio colocou a aliança no dedo da Kelly e fez uma declaração de amor, ela não aguentou. Nem eu e minhas amigas. Todo mundo com os olhos marejados. O amor é lindo. Guenta, coração.

E a juíza de casamentos selou a cerimônia dizendo: “Perante a lei, eu os declaro marido e mulher”. E aí veio o beijo, o mais clássico dos rituais românticos.

Lá fora, tiramos uma espécie de selfie do Oscar para guardar esse dia bonito na memória.

Quando estávamos levando o casal de volta à ocupação, passamos por uma feira de rua e o noivo disse, “Ai, que vontade de comer pastel”. Sem pensar, anunciei, “Pastel de casamento por conta da VICE”. A Larissa brecou o carro, estacionou e fomos saborear essa iguaria tipicamente paulistana.

Os noivos comeram, tomaram caldo de cana, beberam Coca-Cola e ainda ganharam um pastel de brinde da senhorinha dona da barraca. O Sérgio sacou um óculos de sol e ficou todo paquitão parecendo o Cartola. Almoço de casamento mais legal que esse? Difícil.

E que seja eterno enquanto dure.

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