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Música

Ainda não acabou: relembrando a New Rave, 10 anos depois

Na época considerada “uma febre jovem tenebrosa que logo vai sair de moda”, a new rave estabeleceu o precedente para tudo que está rolando agora através do seu ridículo inerente.

Algumas histórias nunca deixam de ser contadas. Se você tivesse dado uma cafungada numa mascara de gás do Altern8 no Fantasia, cuspido em alguém no show dos Sex Pistols no 100 Club, conseguido passar pelo Steve Strange e entrar no Blitz Club, ou assistido a um show da primeira turnê britânica do Sonic Youth, as pessoas te perguntariam sobre isso para sempre. Te pagariam drinques, peguntando quão alto o Thurston Moore é pessoalmente e se o ecstasy realmente era tão potente naquela época. Poderiam até te pedir para dar um depoimento para um documentário da BBC Four lembrando como tudo isso foi incrível. Você olharia fixo para a câmera e diria que, quando chegou lá, cada estranho parecia um amigo seu e que você nunca tinha visto nada igual antes.

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Mas ninguém quer saber como era a new rave. Ninguém te pergunta sobre como era comprar jeans vermelhos na seção feminina da H&M porque ninguém mais tinha começado a vendê-los ainda. Ninguém quer saber qual foi o verdadeiro motivo por trás do fim do ADHDJS. Ninguém te pergunta como foi levar um chute na cara do Dandi Wind no 333.

Em fevereiro, deveríamos ter comemorado os dez anos da new rave. Em vez disso, ela foi expurgada da nossa consciência cultural. É estranho saber que a cena musical em que você passou a maior parte dos seus momentos formativos adolescentes foi apagada por algum tipo de comitê totalitário da nostalgia por ser de mau gosto.

Para ser justo, as pessoas também não levavam a new rave a sério naquela época. John Harris, do Guardian, chamou-a de "uma febre jovem tenebrosa que logo vai sair de moda". Até o Klaxons, a banda que começou tudo, mais tarde alegou que ela foi só "uma piada que saiu do controle". Essencialmente, a new rave foi algo que existiu durante uns oito meses em 2006. Começou em New Cross, migrou para o mundo fashion e morreu quando os apresentadores dos programas jovens do Channel 4 começaram a usar jeans em cores primárias.

Não me ressinto da má reputação da new rave, mas acho que a influência da cena tem sido subestimada. Acredito que ela foi a única responsável por dar o tiro de misericórdia na atrocidade que era o indie de Camden e abrir caminho para a cena musical inclusiva, experimental e autoconsciente que temos hoje.

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Para perceber como a new rave foi importante, você precisa voltar a Londres de meados dos anos 2000, uma época em que The Libertines, The Rakes e The Others não só eram populares, mas sexy. Parece difícil acreditar hoje, em que ser membro de uma guitar band parece um hobby tão financeiramente inviável quanto construir modelos de trens ou montar reencenações da Segunda Guerra Mundial, mas naquela época, o indie mexia com a cidade. Havia centenas de bandas e shows lotados em todas as noites da semana. Bandas como Hot Club de Paris e Goodbooks atraíam filas de jovens fãs que viravam o quarteirão. Era absurdo.

O único problema daquela época era a música — que era inegável e inequivocamente terrível. Era muito masculina, muito branca, muito preocupada em parecer inteligente e muito chata.

Os clubes indie da época sabiam disso. Nos maiores clubes do norte de Londres e do West End pré-Crossrail, onde garotos vestindo regatas da M&S se exibiam na esperança de serem descobertos pelo Hedi Slimane, as grandes faixas da noite, aquelas que eles colocavam para tocar quando todo mundo estava muito louco e pronto para se jogar na pista, nunca eram faixas com guitarras. Eram mais coisas como Justice Vs Simian, "Deceptacon", do Le Tigre, a versão do Soulwax de "Standing In The Way Of Control", a versão do Soulwax de uma penca de músicas.

Esta constatação de que faixas com sintetizadores, big beats e vozes robóticas funcionavam infinitamente melhor nas pistas do que, digamos, o Thee Unstrung, foi, eu acho, o que deu a luz à new rave. A verdade é que a música eletrônica simplesmente é mais divertida.

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O Klaxons, a banda que acabou virando líder dessa cena, era a personificação desse desconforto com o indie. Eles se conheceram em New Cross, no sul de Londres, e queriam trazer algo para o seu som que não fosse só uma guitarrinha lúmpen. Então começaram a ler literatura futurista e escutar discos de old rave. Nunca houve um plano de mudar o curso da música, ou mesmo de incorporar uma grande fatia da cultura rave; eles só estavam tentando fazer algo mais literário, mais colorido, mais britânico, um som que não fosse só mais um pastiche dos Ramones.

Na verdade, quem inventou o termo new rave foi Joe Daniel, fundador da Angular Records, o cara que lançou os primeiros singles do Klaxons e ajudou a construir o sucesso da banda, e até ele acreditava que ela era só uma adaptação sutil do que já estava rolando em Londres naquela época. "Era conveniente que parecesse uma reação, quando só estávamos tentando acrescentar ideias a uma cena que era menos inventiva. Na época, boa parte da cena de New Cross curtia as primeiras bandas da Rough Trade — indie pop, pós-punk — enquanto o Klaxons meio que parecia um sopro de ar fresco, divertido. Era uma sensação tipo 'vamos ficar bêbados e nos divertir', em vez de disputar quem tinha as calças mais apertadas."

Daryoush Haj-Najafi, hoje editor de moda da revista

Complex

, estava no centro da cena na época, como repórter de vida noturna e colaborador da estilista mais quente da new rave, Cassette Playa. Ele vê a new rave como uma oscilação necessária do pêndulo, voltando dos Estados Unidos para a Inglaterra. "A festa mais legal de Londres daquela época se chamava 'Back to New York'. Tinha essa ideia dominante de que ser descolado era recriar a Nova York do fim dos anos 70. E era incrivelmente branco, muito 'roqueiro', muito retrô. As pessoas estavam sedentas por algo britânico, meio artístico. Era uma reação contra o 'indie indie', porque só um idiota poderia não gostar de hip-hop, grime ou dance music. Se tornou impossível só gostar de indie."

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Meu primeiro contato com a cena veio através de um boletim do MySpace que promovia uma rave em um armazém, em algum lugar em Shoreditch, com o Klaxons e possivelmente o Matthew Stone. Havia luzes, lasers, fumaça, pupilas dilatadas, as pessoas dizendo umas às outras que não deviam se preocupar com as suas notas na escola porque eram lindas. Os DJs estavam tocando velhas faixas de hardcore piano e ninguém parecia estar lá para conseguir uma trepada. Foi quando tomei minha primeira bala. A polícia expulsou todo mundo depois de uns 15 minutos e foi incrível. Todo mundo estava vestido igual, consumindo como se fosse um só, mas, diferentemente das encarnações prévias da cultura jovem, havia um entendimento implícito de que era um pouco ridículo. Sabíamos que o que estávamos fazendo nunca ia ganhar muita reverência nos anais da história da música britânica.

"Todo mundo sabia que era uma piada", diz Haj-Najafi. "Havia uma seriedade ali, o Klaxons definitivamente curtia rave, mas o ponto principal é que o termo 'new rave' era uma piada."

Mas independentemente de quão boba fosse a cena, uma cena maior logo surgiu. A internet parece se lembrar da new rave com bandas como Shitdisco e New Young Pony Club, que assinaram contrato com grandes gravadoras e efetivamente lançaram discos. A NME até mesmo organizou uma turnê "rave" com Klaxons, CSS e The Sunshine Underground. Este lado da cena era basicamente de bandas indies que tinham um synth player ocasional e fãs que se cobriam de suco de glowstick.

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Mas para mim era algo muito mais nebuloso e de nicho do que isso. Era um movimento geral em direção à dance music e às roupas coloridas que tem pouca representação na internet hoje em dia, apagado da face da Terra pela expurgação do MySpace comandada pelo Justin Timberlake.

"A new rave existia na Sodoma e Gomorra das raves em armazéns cheios de menores de idade, em Hackney Wick, festas ilegais em que adolescentes ferais choravam lágrimas de glitter e quetamina."

Para mim, a cena era personificada por coletivos jovens de DJs, como Teens of Thailand, Silvelink, Faggatronix, Cleft Palettes e Str8 Necklin, que fugiram dos clichês "Ferry Corsten usando uma camisa de linho branco" da dance music, na época, e tiraram da aba dos seus bonés apertados uma versão eclética e anárquica para a seleção de faixas nos clubes, tocando grime, 8-Bit, Baltimore club, house e crunk.

Era uma cena que tinha as suas estrelas, versões do MySpace da galera do Andy Warhol, na forma de fashionistas pontuais como Molaroid, Niyi, Carri Munden, Namalee e Matthew WOWOW. Todos eles discotecavam, criavam roupas e badalavam, mas nenhum deles realmente fez grande coisa. A new rave tinha até a sua própria revista não-oficial, a SuperSuper, que se tornou o equivalente da cena ao zine punk Sniffin' Glue, um guia quase definitivo da personalidade e estética da new rave que nunca fez referência de fato ao nome da cena que cobria.

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A new rave nunca teve o seu próprio clube. Em vez disso, existia na esquisita festa fashion Foreign, no leste de Londres, e depois na Sodoma e Gomorra das raves em armazéns, em Hackney Wick, festas ilegais em que adolescentes ferais choravam lágrimas de glitter e quetamina. Também havia festas regulares como Chalk, Troubled Minds e Transparent, que tocavam, em geral, remixes do Soulwax de faixas indie baixadas do Palms Out Sounds, e eram repletas de jovens usando roupas ridículas, desesperadamente tentando transformar qualquer coisa em uma festa.

Muito semelhante aos New Romantics, a new rave era uma cena sem um som de verdade, mas com um visual definido. Ela demarcava seu território através da identidade visual, de modo que os jovens tentavam superar uns aos outros, parecendo mais esquisitos e caricatos. Uma época, meu visual era o seguinte: óculos aviador roxo e amarelo, calça jeans vermelha feminina da H&M, colete, camisa xadrez e o cabelo cortado um lado mais curto do que o outro. Era uma experimentação adolescente perfeita, um jeito de buscar uma identidade coerente através da competição fashionista. Durante os anos new rave, um amigo meu usava um bule de chá no pescoço. Ele nunca superou esse mico.

Era apenas natural que a cena chamasse a atenção do mundo fashion. Tudo começou com alguns designers antenados, como Cassette Playa, Kim Jones, Nicola Formachetti e Gareth Pugh. Mas quando a new rave chegou ao mundo fashion, ela se tornou global. "Foi muito esquisito, mas, de alguma forma, por algum motivo, todos os desfiles parisienses de 2006 se inspiravam na new rave", diz Haj-Nafaji.

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Em seguida, uma versão diluída da cena apareceu. A TopShop e a H&M começaram a fazer versões masculinas dos jeans coloridos. Artistas inferiores, com muito pouco do idealismo original — lembra do Does It Offend You Yeah? — começaram a se identificar com a cena. As roupas escandalosas dos primeiros meses haviam se tornado mainstream. Nas escolas secundárias de todo o país, os casacos de capuz e os penduricalhosda Cassette Playa haviam se tornado quase um uniforme.

"Me lembro de ver o Klaxons tocando em Liverpool, e depois em Coventry, e notar que as pessoas tinham começado a copiar os looks das fotos do MySpace deles quase que exatamente", diz Daniel. "Outro momento importantíssimo foi o Reading de 2006, em que o Klaxons estava tocando na tenda dedicada a bandas novas, que estava lotada. Depois, um bando de moleques correu até eles, dizendo o quanto eles eram incríveis, e todos estavam vestidos iguais ao Klaxons."

Quando a série Skins (Juventude à Flor da Pele, no Brasil), do E4, foi lançada no ano seguinte, ficou claro que a coisa toda agora era só uma série de clichês, um monte de glowsticks e óculos wayfarer coloridos. Era uma cópia de cera da new rave que eu conhecia.

Mas mesmo como uma espécie de fórmula fluorescente, é fácil olhar para a new rave e ver que ela ajudou a estabelecer as bases para muito do que existe por aí hoje em dia. Para a minha geração, ela ajudou a nos afastar das guitarras, na direção dos produtores de música eletrônica, nos ensinando que house, techno, jungle e garage não eram só para pessoas que usam calças pretas de seda e loção pós-barba da Paco Rabanne. Nos fez curtir coisas além de haxixe e Carhartt. Formou as bases para nossas futuras experiências de vida noturna.

A new rave pescou o que estava rolando na cena de grime na época, por exemplo, e apresentou para um público maior, quase uma década antes do Cottweiler e do Kanye o fazerem. "A Cassette Playa tocava JME nos desfiles, festas como a Troubled Minds tocavam artistas de grime quando ninguém mais fazia isso. Então o grime definitivamente fazia parte dela. Obviamente, é um som futurista, então as pessoas gostavam, especialmente porque não existia uma verdadeira música 'new rave'", diz Haj-Nafaji.

O grime não foi o único gênero adotado pela cena — house, electroclash, queer-punk e a nova disco, todos eles acharam um lar nela. Comparada aos shows indie de alguns anos antes, a new rave parecia diversa e aberta, tão acessível à molecada que cresceu com o hip hop britânico quanto aos fãs do Cajun Dance Party. "Fez com que a Inglaterra deixasse de ser um receptáculo de Nova York — nos ajudou a abraçar a linda realidade da produção londrina, que incorpora todas as classes e raças", diz Haj-Nafaji.

Me parece que, através do seu ridículo inerente, da sua total indiferença em considerar o que pode soar bem ou parecer bonito a longo prazo e da sua flagrante descartabilidade, para uma geração, a new rave abriu as portas para uma cultura muito mais vasta. Porque ninguém sabia o que ela era, qualquer coisa podia fazer parte dela, e provavelmente fez, em um momento ou outro. Ela apresentou muitas pessoas que estavam cegadas pela dominância da cena indie a movimentos musicais mais fundamentados culturalmente, como o grime e o dubstep. Fez com que as pessoas parassem de se vestir todas iguais e encorajou uma moda escandalosa e sem limites. Levou embora a seriedade inútil da cultura jovem, um sentimento que durava desde que os Strokes pararam de sorrir em 2001. Fez com que as pessoas parassem de usar a frase "Albion" e tirou a cultura de clubes das mãos dos cabeças. De certo modo, estabeleceu o precedente para tudo que está rolando agora. A molecada está obcecada pelas roupas do Skepta e do Nazir, por festas ilegais e, lamentavelmente, por quetamina. É quase como se nada tivesse mudado.

Tradução: Fernanda Botta

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