Erva sintética, gente mijada e brigas de rua: uma noite com paramédicos na Inglaterra

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Saúde

Erva sintética, gente mijada e brigas de rua: uma noite com paramédicos na Inglaterra

Passei uma noite com os paramédicos cujo trabalho é lidar com pessoas irritadas, mijadas ou sangrando em um sábado à noite.

Para muita gente, a época de Natal significa fazer o possível para converter o próprio sangue em álcool. Para outros, essa é uma época de trabalho como as outras. Cerca de 900 mil pessoas no Reino Unido trabalharam no Natal; entre elas, os paramédicos e funcionários dos milhares de ambulâncias que atendem no país. Para esse pessoal, as festas de final de ano são uma época como qualquer outra: as pessoas continuam sendo esfaqueadas, cortando os dedos por acidente e sofrendo ataques cardíacos.

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Na verdade, considerando que o uso de álcool sobe 40% durante dezembro – e as pessoas tipicamente se machucam mais quando estão bêbadas –, imaginei que essa época do ano devia ser bem movimentada para as pessoas encarregadas de fazer lavagens estomacais e curativos. Então, para descobrir como elas lidam com esse período em que todo mundo fica mais louco que o normal, fui a Birmingham alguns dias antes do Ano-Novo para passar uma noite com o Serviço de Ambulâncias West Midlands.

A Broad Street de Birmingham estava calma quando cheguei ao City Centre Treatment Unit (CCTU), uma estação – formada por duas viaturas de resposta e uma ambulância – montada semanalmente em frente ao Walkabout para atender quem precisa.

Mike Duggan (todas as fotos pelo autor).

"Sabemos que as pessoas vêm pra cá nas noites de sexta e sábado para se divertirem", disse Mike Duggan, que está no comando do CCTU há três anos. "É muita gente e muito álcool; portanto, nossas chamadas vão aumentar, aí o CCTU é montado a fim de manter ambulâncias livres para fornecer assistência médica. O principal objetivo é evitar admissões em hospitais: podemos manter pessoas intoxicadas aqui até que alguém venha buscá-las. Antes de começarmos a montar essa estação, elas eram levadas para a emergência do hospital mais próximo."

Em 2015, o centro tratou mais de 2.500 pacientes, a maioria pessoas que exageraram na farra. Ou seja, se você mora em Birmingham, frequenta a emergência do hospital local e notou as coisas um pouco mais calmas nos últimos anos, pode agradecer ao time da CCTU por tirar parte do fardo dos hospitais locais.

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Logo depois das 9 da noite, Mike deu a partida em uma das viaturas, ligando a luz azul do capô. "Temos uma chamada de pessoa ferida à faca em Pigeon Park", ele explicou. Chegando à cena, fomos recebidos por dois policiais que informaram que a chamada parecia ter sido um trote.

"Isso veio de um telefone público", Mike suspirou enquanto voltávamos para o carro. "Para falar a real, geralmente não recebemos muitas chamadas de telefones públicos que se mostram legítimas."

Mike e a equipe do CCTU na cena do trote sobre a facada.

Esse tipo de coisa é um grande obstáculo para o serviço, já que todas as ligações são tratadas como verdadeiras. Esse trote mobilizou duas equipes de resposta até o local, além de um médico que foi despachado do centro da cidade, quando todos poderiam estar atendendo um incidente real. Em 2015, o Serviço de Ambulâncias West Midlands recebeu pelo menos 455 trotes; foram 498 em 2014 e mais de 630 no ano anterior, o que drenou muito tempo e recursos.

Dirigindo de volta ao centro de Birmingham, Mike e eu conversamos sobre drogas legais e as dificuldades que essas substâncias podem causar aos paramédicos. "Isso é um grande desafio para nós", lamentou Mike. "Víamos isso antes, claro, mas agora elas são muito mais comuns, às vezes mais que as drogas de rua tradicionais. As pessoas parecem pensar que, porque não são proibidas, essas drogas são seguras, o que está muito longe de ser verdade."

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Respondendo a chamadas de pacientes que consumiram drogas legais, os paramédicos geralmente encontram pacotes de coisas como Black Mamba, Pink Panthers ou Dust Til Down. "Não há nenhuma descrição nessas embalagens", me contou Mike, "só nomes bizarros, números e químicos, e geralmente não fazemos ideia do que elas realmente são."

Como o conteúdo desses entorpecentes é impossível de rastrear, e com os fabricantes mudando sempre as composições químicas para contornar as novas legislações, essas drogas legais apresentam todos os tipos de desafios clínicos. Com a heroína, por exemplo, não importa as coisas com que ela tenha sido cortada, os médicos sabem com o que estão lidando.

"Heroína atua como depressor respiratório, às vezes ao ponto de a pessoa parar de respirar – embora possamos intervir e recuperar o paciente", explicou Mike. "Com as drogas legais, não sabemos o que elas são. Se te damos alguma coisa, isso pode ter um efeito colateral. Como posso te dar uma coisa que pode te salvar, mas também piorar a situação?"

Algumas semanas antes do nosso encontro, Mike foi chamado num bloco de apartamentos onde um homem tinha fumado Black Mamba, uma cannabis sintética, e estava acreditando que podia voar. "Quando chegamos lá, o bom senso dizia que ele não podia voar, porém ele queria de todo jeito pular da janela do sexto andar", relembra Mike. "Foi preciso eu e um pequeno esquadrão da polícia para segurá-lo e salvar sua vida. As chances de sobreviver seriam praticamente zero se ele realmente pulasse."

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De volta ao centro logo depois das 23 horas, a multidão em frente aos clubes estava aumentando e ficando mais animada. Um garoto estava apoiado numa das ambulâncias; depois de pegar um pouco pesado na bebida, ele tinha sido abandonado pelos amigos. Ele parecia simpático – e, convenientemente, o namorado da irmã dele tinha concordado em ir buscá-lo no centro –, mas nem todo mundo que interage com a equipe do CCTU é tão amigável.

"Num ambiente onde você tem pessoas bebendo e usando drogas, tudo começa com jovialidade, porém, conforme a noite vai avançando, isso pode acabar em violência e agressão", relatou o enfermeiro sênior Les Young, me entregando um saco de balas de goma do porta-luvas da ambulância. "As pessoas entram em brigas – brigas domésticas, esse tipo de coisa – e geralmente acabam procurando pela gente."

O problema é que algumas pessoas continuam com as brigas enquanto Les e sua equipe tentam tratá-las. Os paramédicos têm o dever de cuidar dos pacientes; assim, continuam o tratamento sempre que é possível, mas, segundo Les, "Ser atacado? Isso se torna uma triste realidade do trabalho".

Les Young

Lá fora, um grupo de caras bêbados tinha nos abordado, perguntando à equipe se eles podiam conferir "aquela coisa do computador do governo" para achar uma data de nascimento, porque um deles tinha esquecido de trazer seu documento de identidade. Sem surpresa – parcialmente porque a "coisa do computador do governo" não existe –, a equipe respondeu que não ia rolar.

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"Tivemos uma grande briga em frente ao Walkabout um tempo atrás", falou Les quando os caras foram embora. "Eu diria que uns dez caras começaram a trocar socos, e muitos policiais foram chamados."

A namorada de um dos envolvidos estava gritando com a polícia. "Me identifiquei como o cara da ambulância e disse que estava preocupado com o bem-estar dela; então, sugeri que ela ficasse na ambulância com outras pessoas não envolvidas", continuou Les. Em vez disso, a garota mandou Les se foder e jogou seu sapato de salto vermelho na cara dele. "Consegui evitar [ser atingido no rosto], mas isso me acertou no peito – e doeu bastante", contou Les. "Foi um ferimento menor, mas me assustou; eu podia ter perdido um olho, e isso nem foi num ambiente de confronto."

Sempre vi os paramédicos em frente às baladas como os mocinhos da história: eles treinam anos para tratar doentes e feridos; depois, acabam cuidado de você quando você vomitou em si mesmo, o que todo mundo tem de concordar que não é algo muito legal.

Entretanto, trabalho duro e altruísmo não são necessariamente a primeira coisa que vem à mente quando a pessoa tomou oito pints e fumou um saco de Dust Til Dawn. Entre abril e setembro de 2015, o número de agressões físicas contra a West Midlands subiu quase 30% (139 incidentes), e esses são apenas os casos que geraram queixas.

Quando estávamos prestes a tomar uma xícara de chá, as portas traseiras da ambulância onde estávamos se escancararam e uma jovem mergulhou para dentro, uivando. Primeiro, achamos que era algo sério, mas alguém só tinha pisado sem querer no dedão dela, arrancando a unha e provocando um sangramento. "Vocês têm um lenço?', a amiga dela perguntou, ansiosa.

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"O sangue manchou minha sandália…", ela chorou, olhando para os sapatos.

Quando Les começou a tratar o ferimento, o sangue e os guinchos foram um pouco demais para mim; portanto, fui conversar com o paramédico veterano Tony White que estava sentado em seu carro, se escondendo da chuva.

Tony White

"Isso aqui não é pra todo mundo, ficar no centro de tratamento. As pessoas pensam em drogas, bebida e brigas – e concluem: 'Não, isso não é para mim'. Justo, tudo bem", ele riu.

Em outubro do ano passado, uma pesquisa descobriu que 53% do tempo da polícia inglesa é gasto lidando com crimes relacionados ao consumo de álcool, com a maioria das equipes policiais e de saúde culpando os estabelecimentos abertos 24 horas pelo aumento desses incidentes. Cerca de dez anos atrás, quando os bares fechavam às 2 da manhã, serviços de emergência tinham tempo para planejar, sobrepor turnos e, como sabiam que iam receber um influxo de chamadas, aumentar a equipe de acordo.

"Não temos como planejar as coisas com antecedência agora", lamentou Richard Smith, que está nesse emprego há 14 anos. "Mesmo os bares não sabem quando vão fechar. Se você continua bebendo, eles continuam te servindo."

Na época em que Richard saía para a balada – o que ele me garantiu que foi muito tempo atrás –, o normal era ficar no bar até as 22 horas, depois sair pela cidade em busca de um clube noturno, que fecharia menos de quatro horas depois.

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"Agora, as pessoas podem beber até cair. Não há mais limite de tempo", disse Richard. "Quando as pessoas tinham aquela estrutura, acho que os clubes, os serviços de emergência e as próprias pessoas se comportavam melhor." Isso me pareceu um pouco aquela coisa de "no meu tempo…", mas entendi o ponto de Richard.

"É injusto", ele continuou, "o jeito como tudo mudou. Enquanto estamos presos fazendo isso, não estamos fazendo o que fomos treinados para fazer. Não estudamos para cuidar de pessoas que não conseguem se controlar: alguém que se mija, se caga ou rola no próprio vômito."

Mel Perrins

Mel Perrins começou a trabalhar como paramédica apenas três meses atrás, porém já viu sua cota de pacientes zoados. "Eu estava de serviço em Oxford e recebi uma chamada de uma mulher numa tarde de domingo, por volta das 18 horas", ela me contou. "Ela estava deitada num táxi, toda mijada e cagada. Ela devia ter vinte e poucos anos e estava bebendo com o pai."

Enquanto as pessoas começavam a sair dos clubes e voltar para casa, Mel refletiu sobre o que estava achando do emprego até agora.

"Neste ano, trabalhei no Natal, no Boxing Day, no Ano-Novo. Trabalhei em todos os feriados, e a coisa frustrante é começar esse trabalho realmente querendo ajudar as pessoas, sabe? Provocar mudança."

O CCTU da Broad Street e outros esquemas como esse do Reino Unido fazem um bom trabalho cuidando de pessoas na balada. Gente que provavelmente não precisaria de ajuda se não fosse a quantidade de álcool que bebe.

Para a maioria dos paramédicos, não consigo imaginar que seja por isso que eles escolhem esse trabalho – como Tony apontou, muita gente acha que qualquer outro trabalho é melhor que lidar com moleques bêbados ensanguentados –, embora eles continuem independentemente disso, mesmo com os cortes da verba feitos pelo governo, o que significa ainda mais trabalho.

Ninguém da equipe de Birmingham com quem falei tinha, por exemplo, recebido um aumento nos últimos cinco anos, apesar de as responsabilidades terem aumentado.

Ninguém quer impedir que os guerreiros de final de semana da Inglaterra se divirtam. Ainda assim, percebi uma coisa depois da minha noite em Birmingham: o mínimo que podemos fazer é não encher a cara até o ponto de cagar nas calças. Ou, quando alguém vier te ajudar, pelo menos não jogue seu sapato na cara dele.

@MichaelSegalov

Tradução: Marina Schnoor.