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Μodă

Andei um Dia Inteiro de Niqab (E Não Sou Muçulmana)

Imaginei que a única maneira de realmente saber como é a vida para as mulheres que têm que usar a peça de roupa menos reveladora de todos os tempos era me vestir como elas.

Fotos por Ben Ritter

Recentemente o editor global da VICE me pediu para encontrar uma burca para um videoclipe que planejávamos filmar, acho que porque sou a editora de moda. Eu não sabia quase nada sobre vestimentas islâmicas — ou que não dá simplesmente pra ir numa loja de burcas e comprar uma. Acontece que é um pé no saco. Mas acabei encontrando o que eu queria.

Enquanto eu entrava em incontáveis sites procurando por hijabs, niqabs, khimars, abayas, jibabs e outras vestimentas religiosas, comecei a perceber que ninguém tinha nada de positivo pra dizer sobre elas. Quase todas as histórias que já li rotulavam essas vestimentas como opressivas pras mulheres, e os únicos artigos que encontrei sobre mulheres que realmente as usavam foram escritos sobre as experiências delas andando pelas ruas de países islâmicos.

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Depois de assistir 74 vídeos do YouTube e analisar 108 páginas de pesquisa do Google, não achei um artigo ou vídeo explicando se essas vestes eram confortáveis ou como os norte-americanos reagiam ao ver alguém parecido com a Morte dos desenhos animados entrando na fila do Starbucks. Imaginei que a única maneira de realmente saber como é a vida para as mulheres que têm que usar a peça de roupa menos reveladora de todos os tempos era me vestir como elas.

Meu pequeno experimento social/de moda começou quando o Ben Ritter chegou pra me fotografar enquanto eu tentava entender como colocar minha niqab. Havia muitos tipos disponíveis na loja online para vários países, e por uma razão qualquer decidi pela variante da Arábia Saudita. Elas consistem de cinco peças e estavam mais na linha do que eu imaginava como “verdadeira” do que a versão afegã, e vinham com deslumbrantes “mangas fashion”.

Meu cachorro Bowie ficou realmente confuso com o meu visual. A única vez que vi ele tão pirado foi quando me vesti de freira grávida pro Halloween.

O visual final. A gente nem tinha saído de casa e eu já estava reclamando do calor. Eu queria ficar pelada debaixo da abaya, mas como essas vestes devem ser usadas por cima da roupa, usei um top e o short mais curto que achei no armário.

Andar pelo East Village ou Brooklyn cercada de pessoas que já conhecia pareceu uma perda de tempo, então pegamos um trem pro centro pra fingir que éramos turistas. Ninguém prestou muita atenção em mim, exceto pela mulher que estava sentada no banco atrás da gente com duas crianças. Ela arrastou os filhos pro outro lado da plataforma quando me viu pisar no trem. Vaca!

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Dando um rolê com a Meryl Streep e o Tommy Lee Jones (e Alá) na plataforma do metrô.

Quando saímos do metrô, começou a chover muito. Pra minha sorte eu não precisava de guarda-chuva — uma das vantagens do traje. Nasci em Nova York, o que significa que eu nunca tinha ido ao Empire State Building. Então fomos pra lá. Não percebi o significado de visitar um dos prédios mais altos de Nova York vestida com roupas islâmicas até chegarmos na entrada. Me senti uma idiota.

Quando chegamos no alto do prédio, as coisas ficaram realmente desconfortáveis. Dava pra perceber que os estrangeiros estavam falando de mim na língua deles. O grupo atrás de nós até nos seguiu, provavelmente porque estávamos tirando muitas fotos.

Enquanto eu posava, notamos que um dos seguranças estava nos seguindo. Acho que ele ficou tentando saber se a gente iria aprontar alguma (o que a gente estava mesmo fazendo) ou tentando roubar alguma coisa (o que não estávamos fazendo).

Acabamos tirando uma daquelas fotos bregas chroma key antes de ir embora. A garota na cabine de fotos disse que a gente não precisava tirar foto se não quisesse. Isso me incomodou, então corri pra dentro e fiz ela tirar uma. Não parece que o Ben acabou de casar com uma virgem?

Quando assustar turistas ficou chato, decidimos andar um pouco mais até o Central Park pra tentar incomodar alguns moradores. A roupa estava arrastando nas poças, então tive que segurá-la na minha frente com as duas mãos. Apesar de ser completamente inconveniente, não foi tão ruim assim, porque fingi que era uma princesa encantada usando um vestido de baile.

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Uma rajada de vento quase me arrastou um quarteirão pra trás. Vi meu reflexo numa porta de vidro e achei que estava parecendo o Batman, então fiz o Ben tirar uma foto. O ar frio soprando por dentro das mangas do khimar foi bem gostoso.

Eu precisava ficar parando pra descansar. A chuva tinha parado e estava tão úmido que comecei a suar em partes que nunca tinha suado antes. Se tivesse que usar uma coisa dessas no deserto acho que eu morreria…

Eu queria realizar uma fantasia de infância e correr pelo Sheep Meadow, mas estava fechado, então decidimos fotografar no lago. Foi uma pena porque com todas essas camadas eu estava me sentindo a Kate Bush — a gente podia ter feito umas fotos incríveis de dança.

A coisa mais importante que aprendi durante o dia foi como sorrir com os olhos. Odeio sorrir, mas achei que ninguém ia querer ver uma chata mal-humorada toda coberta, então fiz um esforço extra. Legal, né?

Depois tive que desistir de sorrir porque comecei a respirar como a mãe do Johnny Depp no filme Gilbert Grape  Aprendiz de um Sonhador. O fato do parque estar com cheiro de bosta de cavalo não ajudou.

“Chega. Dessa. Porra.”

Eu estava morrendo de fome e não podia comer um cachorro quente, então fiz a escolha muito errada de tentar tomar um sorvete. Foi uma experiência muito estressante pra mim, mas as pessoas no parque ficaram felizes de ver minha luta com o véu pra tentar enfiar o sorvete na boca. Eu não queria dar pra nenhum desses pervertidos a satisfação de tirar uma foto minha, então comi o sorvete o mais rápido que pude e fiquei com o niqab todo melado por dentro. Foi nojento.

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Depois de seis horas e várias complicações, finalmente tirei aquela coisa maldita. Nunca fiquei tão feliz de voltar pra casa.

No fim do dia fiquei feliz com o que realizei. Não só encarei alguns dos meus próprios medos me colocando em evidência, como também aprendi a ter mais consciência do jeito que trato as pessoas na rua, não importa o que elas estejam vestindo ou como aparentam.

Oito entre dez pessoas com quem fiz contato enquanto estava usando a burca agiram como se eu não existisse, o que na verdade me fez sentir pior do que os olhares que recebi dos intrometidos que ficaram ofendidos com a minha presença. Agora tenho muito mais respeito pelas mulheres que escolhem usar esse tipo de vestimenta, mas nunca mais vou fazer uma coisa assim porque foi um puuuta saco.

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