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Aprendi que Cinema Não Era um Bicho de Sete Cabeças

No final dos anos 70 e início dos 80, a pornochanchada dominou os cinemas brasileiros. O chinês John Doo (1942-2012) foi um dos nomes marcantes do período.

No final dos anos 70 e início dos 80, a pornochanchada dominou os cinemas brasileiros. Eram filmes de temática erótica que faziam sucesso com o público humilde. O chinês John Doo (1942-2012) foi um dos nomes marcantes do período. O ator e diretor morreu na semana passada (dia 2). Doo estava em coma desde 2009, devido a um acidente vascular. A morte dele passou despercebida pelos órgãos de imprensa tradicionais. O diretor realizou longas-metragens no gênero fantástico (como Ninfas Diabólicas) e sempre tentou fazer filmes de maneira autoral. O escritor, humorista e publicitário Carlos Castelo Branco conheceu bem o cineasta. Foi assistente do diretor em dois longas-metragens. A VICE conversou com Castelo.

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VICE: Como você conheceu o John Doo?
Castelo Branco:Minha família tinha uma casa vistosa. Um dia, a produtora Marte Filmes foi filmar na casa vizinha e fui até lá dar uma olhada, pois era estudante e tinha pretensões de atuar na área. Me ofereci para trabalhar e, na produção seguinte (Os Imorais), que foi filmado em parte em nossa casa, me chamaram para ser assistente de eletricista. Topei na hora. Foi numa dessas filmagens que o conheci, pois ele trabalhava para a Marte Filmes. Acabei sendo assistente do John em dois longas-metragens: Escrava do Desejo e Excitação Diabólica.

Como era ele no set?
Ele era muito querido porque era muito educado com todos. Recordo-me dele me pedindo para fazer tarefas no set me chamando de Carlinhos. Era uma pessoa muito doce e divertida. É importante lembrar que ele tinha um gosto bastante refinado com o cinema europeu. Me lembro de vê-lo citando Buñuel uma vez no set.

O que você aprendeu de cinema e vida com o John Doo?
Aprendi que o cinema não era um bicho de sete cabeças. Ele tinha um modo bastante simples e pragmático de dirigir as produções. Não era afetado, fazia tudo de modo muito tranquilo, minimalista quase. Trouxe isso pra mim. Aprendi a realizar tarefas complicadas na propaganda com esse espírito de calma e fé cênica. Uma coisa de cada vez. Além disso, o humor. Era uma festa trabalhar com ele.

Quando chegou o cinema explícito, ele se afastou da sétima arte. Você continuou próximo a ele?
Lamentavelmente não nos vimos mais após a filmagem do Excitação Diabólica. Eu resolvi estudar jornalismo, comecei com a música no grupo Língua de Trapo e só fui mexer com cinema novamente muitos anos depois com publicidade. Crio roteiros para comerciais.

Infelizmente, a morte dele passou despercebida pelos meios de comunicação. Na sua opinião, por que isso acontece?
O Brasil é um país desmemoriado. Destrata seu maior patrimônio que são seus artistas. O John Doo desafortunadamente é mais um exemplo desse descaso. Acho que isso acontece unicamente por falta de educação. O Michel Teló hoje tem mais peso que o Paulinho da Viola. É muito triste, mas é a nossa dura realidade.

Em sua opinião, quais são os principais trabalhos e qual é o legado de John Doo para o cinema brasileiro?
Acho que ele vai ser lembrado pelo papel do pasteleiro no Aqui, Tarados. Mas, para mim, ele será lembrado como um ator e um diretor acima da média que só não fez filmes “maiores” porque as circunstâncias econômico-sociais-culturais no Brasil dos 80-90 não permitiam que se produzisse nada além de pornochanchada. Era o cinema possível. Tanto que nomes como Francisco Ramalho Júnior e Hector Babenco atuaram nesse segmento como roteiristas e produtores, inclusive em filmes do Doo. Se ele dirigisse hoje faria certamente longas muito originais.