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Drogas

Do carimbo ao adesivo, a arte de mutuca das bocas cariocas

As embalagens de droga confeccionadas pelos traficantes cariocas muito além do papel de pó com logo das Olimpíadas.
endolas
Foto: Matias Maxx

O que paulistanos conhecem como paranga, no Rio de Janeiro é conhecido como mutuca, dola ou dolinha para os íntimos. A origem deste último nome vem do início da época do Plano Real, nos anos 1990, quando o valor do real se equiparava ao dólar. Traficantes faziam trouxinhas de maconha de um real, que começaram a ser chamadas de "dóla", provavelmente por algum traficante de língua presa, e o termo pegou. A dola também gerou o verbo "endolar" e sua flexão "endolação", que significa o ato de embalar drogas. A função de alta responsabilidade é realizada a portas fechadas, onde membros da facção em questão pegam os pesos de maconha ou cocaína trazidos à favela pelos matutos, a fragmentam em porções de diferentes tamanhos, as identificam e separam em cargas. Um funk proibido clássico do Cidinho e Doca cantava lá nos anos 90 que "no pique da endola é que a chapa esquenta, quem tá dentro não sai, e quem tá fora não entra".

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Foto: Reprodução Policia Civil - RJ

Nos estados norte-americanos e outros países aonde a maconha é regulamentada é possível ter um controle confiável da procedência da erva, que podem definir desde a cêpa em questão até detalhes minuciosos como os níveis de canabinóides. Aqui no Brasil a coisa é bem diferente. O Paraguai ainda é o maior provedor de maconha do país, e estes não estão muito preocupados em separar os machos das fêmeas (que é tipo a aula número um do bom cultivo de canábis), quanto mais identificar as cepas utilizadas. No Rio, fica a critério e criatividade do varejista batizar a erva comercializada, com nomes como "boldinho", "hidropônico", e muitos outros.

Foto: Reprodução Internet

No Rio de Janeiro, além do preço e esses nomes curiosos costumamos ver o nome da favela e da facção local e toda uma sorte de desenhos adequados aos acontecimentos locais, como atualmente a logomarca das Olimpíadas do Rio 2016 que aparece nestas dolas cuja fotos circularam muito na net e na imprensa. Esta semana uma paranga de cocaína apreendida na Lapa traz até uma mensagem de compromisso social e esforço em redução de danos – "use longe das crianças".

Foto: Matias Maxx

Eu sempre fui fascinado nos desenhos e frases de efeito dessas "endolas" e, como bom acumulador, sempre juntei alguns papelzinhos, mas acabei perdendo a maioria deles. Para fazer esta matéria procurei meu amigo Mouchoque, DJ, MC, pixador e produtor da festa Cl∆ps. Ele tem há muito tempo uma bela coleção dessas endolas, que inclusive foram parar no encarte do seu CD "Eu Odeio a Barra", lançado em 2007. Assim como eu, Mou lamenta de ter perdido boa parte dessa coleção nessas faxinas da vida, mas ainda assim tem uma coleção impressionante.

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Foto: Matias Maxx

As primeiras embalagens cariocas de maconha do tráfico que eu vi, lá nos anos 90, consistiam num pedacinho de papel (geralmente verde, rosa ou amarelo) carimbado. Notava-se sempre o objetivo de tratar a droga como um produto, logo o preço e o nome da boca não podiam faltar, assim como as iniciais da facção, frases de feito e as vezes desenhos simples como a topografia do morro ou fuzis AK-47.

Foto: Matias Maxx

Quando a inclusão digital chegou nas bocas, os carimbos passaram a ser substituídos por impressões caseiras, o que expandiu os limites das artes de endolações. Acima uma variedade de dolas errônea - ou malandramente - batizadas de "hidropônicas".

Foto: Matias Maxx

Programas e personagens de TV frequentemente batizam os produtos vendidos nas boca de fumo cariocas. Quem aqui lembra do Seu Craysson?

Foto: Matias Maxx

Estas endolas mostram supostas nacionalidades do Haxixe. Fontes nos asseguram que na verdade é tudo, literalmente, paraguaio.

Foto: Matias Maxx

Como se pode ver, os grandes eventos já inspiram essas artes não é de hoje.

Por motivos mais que óbvios, as endolas de pó são mais difíceis de encontrar na internet, mas elas existem. Se liga só nessas daqui.

Foto: Matias Maxx

Foto: Matias Maxx

Depois de coletar essas belas amostras com meu amigo, percorri vários grupos de Facebook e WhatsApp de maconheiros e consegui coletar alguns exemplares mais atualizados. Se liguem só!

Foto: Reprodução Internet

Foto: Reprodução Internet

Hoje em dia em várias bocas as etiquetas passaram a ser impressas em papel adesivo que é colado nas dolas.

Foto: Reprodução Internet

Foto: Reprodução Internet

Para a alegria dos maconheiros do Rio, de um tempo para cá, algumas bocas passaram a comercializar maconha em forma de flor, não prensada, provavelmente oriundas da Colômbia ou daqui do Brasil mesmo. O que importa é que essa erva tem aparência e potência muito superiores ao usual prensado paraguaio. Esses fumos são genericamente chamados de skank, em referência ao Skunk#1, a primeira cepa de canábis hibrida a ter sua semente comercializada em massa, isso em 1978. Ainda que hoje existam centenas de variedade de cepas canábicas, o termo "skunk" ainda é muito utilizado por leigos para batizar qualquer erva boa.

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Foto: Reprodução Internet

Não por acaso, Samuel Rosa, o vocalista da banda mineira Skank, foi homenageado numa das endolações mais famosas da internet. O que chama atenção é o sincretismo pop que reúne o símbolo do Batman (geralmente associado à milícias, o que não deve ser o caso uma vez que há uma facção identificada também), o escudo do Flamengo e a lata de um famoso energético. Nos fóruns e comentários de internet, canabinólogos e canabilês que provaram o tal fumo, afirmam que ele "está mais pra Jota Quest!".

Outra celebridade que caiu no gosto dos endoladores é o rapper Filipe Ret. Além de estampar uma trouxinha de maconha de R$ 5, o cantor também aparece em garrafinhas de lança-perfume. Questionado sobre o que achava desse viés de garoto propaganda involuntário Ret me disse que sua intenção nunca foi estimular ninguém a usar drogas.

Foto: Reprodução Internet

Como não podiam faltar, jogadores de futebol também costumam ser lembrados, e geralmente nas dolas de crack, claro - sacou o trocadalho? Nesta apreensão os homenageados foram o Jobson e o Adriano Imperador, porque será?

O que Anderson Silva, Maradona e Neymar tem em comum? Todos emprestaram involuntariamente sua notoriedade para publicidades de cocaína.

De todas as celebridades retratadas nas dolas o mais popular é definitivamente o rei do reggae, Bob Marley.

Foto: Reprodução Internet

Será que alguém já foi na boca reclamar de violação!? Será???

Foto: Reprodução Internet

E já que o gancho foram os grandes eventos, como esquecer do Carnaval carioca? Embalado com a logomarca de uma emissora de TV para o "maior show da terra", este porradão de 200 supostamente dura a semana do Rei Momo.

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Foto: Reprodução Internet

Obviamente as bocas cariocas também prestigiam as escolas de samba da área.

Foto: Reprodução Internet

Foto: Reprodução Internet

O Fuleco, mascote da Copa do Mundo, também teve seus minutos de fama envolto em rolo-filme.

Foto: Reprodução Internet

Essa daqui é a arte mais genial com qual trombei na minha pesquisa e dispensa comentários.

Foto: Reprodução Internet

Este Pato Donald Botafoguense também foi foda!

Foto: Reprodução Internet

Essa daqui além de ter uma arte foda com o Mike Tyson, acompanha uma seda "unbleached", e a aparência não tá tão ruim dentro dos padrões boca de fumo. Infelizmente não descobri de onde é.

Foto: Reprodução Internet

Fiquei curioso em saber qual é dessa Lan House, será que a boca fica em frente, para facilitar aos vapores jogarem CS na troca de plantão?

Foto: Reprodução Internet

É tanta referencia pop que nem dá pra perceber que o sujeito com as AKs é o Ogro Shrek.

Foto: Reprodução Internet

Outro personagem verdão recorrente nas embalagens de maconha é o Hulk, óbvio!

Foto: Reprodução Internet

O Popeye, aquele que gosta do verde da lata, foi o garoto-propaganda escolhido pela rapaziada do Morro do Antares.

Foto: Reprodução Internet

"O Certo Prevalece" e "Fé em Deus" são algumas das mensagens positivas que acompanham as dolas em geral.

O pessoal da boca está ficando criativo também nos cortes. Se liga nestas impressionantes mutucas de R$ 50.

Foto: Reprodução Internet

Não consegui atestar a veracidade desta última abaixo, apenas seu extremo mau gosto e escrotidão.

Foto: Reprodução Internet

Os desenhos e frases de efeito, ora macabros, ora divertidos, mostram um lado lúdico da vida do crime. Mas a verdade é que nesse ramo de atividades que é o varejo do narcotráfico demissão é morte e aposentadoria é cadeia ou cadeira (de rodas).