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As Mulheres do Exército Livre da Síria

Seus maridos foram mortos ou presos enquanto lutavam contra o regime de Assad, suas casas foram destruídas por bombardeios e agora elas empunham AKs-47

Uma brigada de mulheres do ELS reunida na casa da Tia Mahmoud em Atme, Síria. Fotos por Andreas Stahl.

A apenas alguns metros da fronteira entre Turquia e Síria fica Atme, uma cidade agrícola anteriormente calma, que, nos meses mais recentes, tornou-se um reduto seguro para o Exército Livre da Síria. Quinze mil sírios vagam livremente por ali, deslocados pela guerra civil, juntamente com várias brigadas e militares islâmicos. É lá também que fica a casa da Tia Mahmoud – um ponto de encontro da unidade exclusivamente feminina do ELS.

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Tia Mahmoud é uma senhora grande e durona que fica feliz em apertar sua mão, mesmo que as outras mulheres sírias da cidade recuem naturalmente diante do gesto. Ela vive numa casinha do outro lado da rua da base do ELS e tomou para si a tarefa de saber tudo o que se passa ao redor. Sua sala de estar é acarpetada com colchões finos e quando a visitamos recentemente, encontramos oito mulheres enroladas em seus hijabs negros, sentadas com Kalashnikovs (AKs-47) em seus colos. Essas mulheres corajosas são membros do ELS e estão prontas para entrar em tiroteios urbanos intensos juntamente com seus colegas homens se necessário. Embora tenham vindo originalmente de cidades como Alepo, Hama e Idlib, muitas agora vivem em acampamentos próximos de Atme e compartilham histórias surpreendentemente parecidas: os maridos foram mortos ou presos enquanto lutavam contra o regime de Assad, suas casas foram destruídas por bombardeios ou outros ataques e, no decorrer dos dois anos de guerra civil na Síria, elas se cansaram de sentar e esperar por um desfecho favorável para o conflito.

Am Ar'ou, uma ex-estudante de direito de 37 anos de Alepo, é a líder da brigada. Usando um colete militar e com o rosto completamente velado pelo nicabe, ela acariciava seu rifle enquanto recontava como seu marido foi preso por usar barba e rezar cinco vezes por dia. Ela trabalhou com o ELS logo quando a guerra começou, armazenando armas e suprimentos em sua casa até que o esconderijo foi descoberto, bombardeado e destruído. Depois do ataque, ela passou três meses no hospital se recuperando de ferimentos no maxilar, mãos e costas. Quando teve alta, ela não tinha mais uma casa para onde voltar e se tornou uma refugiada em seu próprio país. Chegando ao acampamento de Atme, ela logo encontrou outras mulheres que também não tinham nada além de si mesmas, histórias tristes e algumas armas.

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As mulheres da brigada de Am declararam jihad ao presidente Assad em nome da liberdade, democracia e dos direitos das mulheres numa sociedade predominantemente machista. Mas elas também são cautelosas com alguns de seus aliados. Atme é também um foco da atividade rebelde e lar de grupos islâmicos salafistas linha-dura como o Jabhat al Nusra (um dos grupos islâmicos mais conhecidos lutando hoje na Síria e que entrou recentemente para a lista de organizações terroristas dos Estados Unidos), a brigada al-Farouq, a al-Qaeda e vários outros combatentes mujahidin estrangeiros. Isso tem feito a missão de Am e suas camaradas particularmente difícil de executar. O Jabhat al-Nusra, por exemplo, apoia as mulheres em teoria, mas se recusa a lutar ao lado delas e se opõe que elas carreguem suas armas abertamente. Apesar de todos estarem contra Assad, os grupos rebeldes islâmicos estão determinados a criar um Estado islâmico na Síria, enquanto a maioria dos sírios se opõe a essa ideia. Am e sua brigada são muçulmanas devotadas, mas não querem um Estado islâmico; elas querem a democracia.

Alimentar divisões sectárias na Síria tem sido a estratégia chave das forças de Assad e, sem dúvida, parece estar funcionando a seu favor. Quando a revolução começou, ele prendeu e executou incontáveis pessoas que acreditavam no poder da não violência, e libertou centenas de salafistas da prisão – que não têm a menor intenção de garantir direitos iguais para as mulheres. Assad há muito tempo já usava mulheres como ferramentas de propaganda para suas políticas seculares, promovendo mulheres alauitas e xiitas para posições de comando no exército. Recentemente, quando os Estados Unidos reformularam suas políticas militares para permitir que as mulheres lutassem nas linhas de frente, Assad seguiu o exemplo, desfilando com sua própria brigada de soldadas pelas ruas de Homs.

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Mulheres no campo de refugiados de Atme, onde falta comida e tratamento médico para milhares de sírios que vivem ali.

Conforme nossa visita à casa da Tia Mahmoud chegava ao fim, me senti frustrado. Cheguei ali esperando ver mulheres se preparando para o combate. Antes da viagem, imaginei elas disparando suas armas e operando postos de controle, mas logo percebi que tinha me iludido – mesmo prontas para lutar, seus “colegas” islâmicos não as deixam. Fiquei imaginando como os grupos extremistas conseguiam impedir as mulheres de lutar quando, de acordo com a maioria das interpretações, o Corão afirma que a jihad também é para as mulheres. Nosso contato em Atme sugeriu que eu fosse falar com alguns membros do Jabhat al-Nusra.

Nosso contato arranjou um encontro na noite seguinte com Mohamed Abdul Salam, o capitão da Jabhat al-Nusra, na casa de um comandante do ELS. Ele me disse que seu grupo não permite que as mulheres carreguem armas e explicou que quando os homens terminarem de lutar, então as mulheres terão sua vez. Mohamed declarou que, por enquanto, as mulheres são necessárias em suas casas com suas famílias. Quando pressionado sobre as especificidades do Corão a respeito dos direitos das mulheres durante uma jihad, ele disse: “não posso responder isso agora”.

Mas Mohamed admitiu que acredita que as mulheres devem poder se armar para se defender. Foi amplamente divulgado que o exército de Assad e seus capangas paramilitares, conhecidos como shabiha, têm usado o estupro como uma tática desmoralizante contra as mulheres que apoiam os rebeldes. De acordo com um relatório recente do Comitê Internacional de Resgate, “Síria: Uma Crise Regional”, muitas mulheres têm sido estupradas em suas casas e em público. Essas violações, às vezes cometidas por múltiplos perpetradores, acontecem frequentemente na frente de familiares da vítima. Bloqueios nas estradas são onipresentes na Síria e se tornaram especialmente perigosos para as mulheres. O time de proteção à mulher do CIR no Líbano tem informações de uma garota que foi estuprada por vários homens e forçada a ir para casa nua, ampliando sua vergonha numa sociedade onde modéstia e castidades são muito valorizadas.

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Am e suas camaradas estão tentando superar o preconceito por meio do diálogo com os membros da comunidade – incluindo os grupos militares islâmicos e seus comandantes – que se opõem a mulheres nas linhas de frente. Criar uma presença visível na cidade é o primeiro objetivo delas e nosso contato era um exemplo perfeito de mulher moderna e independente, que apoia ativamente a revolução e entende as dificuldades enfrentadas por Am e sua brigada. “Esta revolução não é apenas contra Assad”, ela disse. “É também um movimento jovem contra a geração anterior. Foi a geração passada que se recusou a enfrentar Assad. Quando vencermos Assad, acredito que haverá uma segunda revolução para mudar completamente a sociedade da velha geração.”

Am e suas brigada são a encarnação da luta por igualdade numa Síria despedaçada. Elas se encontram no meio de duas forças sinistras: o totalitarismo criminoso e o extremismo islâmico. Mas se Am e suas camaradas têm algo a ver com tudo isso, a revolução não terá terminado quando Assad cair; ela só acabará quando as mulheres tomarem seu lugar de direito na sociedade Síria.

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