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As Mulheres Entraram em Greve Contra a Cultura do Estupro na Índia

Conversei com Mriga Kothare e Prajakta Karekar sobre a mobilização que elas organizaram

Foto cedida por Mriga Kothare e Prajakta Karekar

Quarta-feira passada, minha colega de quarto disse que as mulheres estavam em greve e, quando perguntei de qual indústria, ela disse: “Não, as mulheres. Eu liguei para o trabalho e disse que estava doente… Eles perguntaram o que eu tinha e respondi que a cultura do estupro me deixava doente”. As mulheres na Índia trocaram suas fotos de perfil no Facebook por uma imagem que dizia “Sou uma mulher em greve, e você?”. Aí elas não fizeram mais nada. Os chefes receberam ligações avisando que as mulheres estavam doentes. Elas não foram trabalhar, ignoraram suas tarefas domésticas, algumas até se recusaram a sair de casa. Em minha mente, imaginei mulheres sentadas no sofá com os braços cruzados, observando com ar satisfeito enquanto os homens assumiam os serviços domésticos e a audiência dos programas de TV diurnos disparava.

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Seis meses atrás, milhares protestaram em Nova Deli quando uma estudante foi estuprada por uma gangue e morreu sem que a polícia conseguisse prender os estupradores inicialmente. Os protestos de mulheres voltaram em abril a Mumbai, Nova Deli e outras grandes cidades indianas para marchar e expressar sua preocupação com a incapacidade da polícia e da lei em levar os casos de estupro a sério. Semana passada, cinco homens estupraram brutalmente uma jornalista que estava trabalhando em Mumbai depois de amarrar seu colega. Quando a história ganhou atenção internacional, a polícia prendeu todos os cinco supostos estupradores. As indianas não ficaram satisfeitas, pois elas acreditam que algo drástico precisava ser feito para lidar com a cultura do estupro no país. Algo como uma greve, algo que fizesse o país parar.

Em 2010, as mulheres eram 26% dos trabalhadores rurais e 13% dos trabalhadores urbanos, mas essas estatísticas excluem a economia do trabalho doméstico ou “o trabalho que torna os outros trabalhos possíveis”. Em 2010, 216 milhões de mulheres na Índia faziam algum tipo de trabalho doméstico. Se essas mulheres não fossem trabalhar, o país pararia, de acordo com Mriga Kothare e Prajakta Karekar, as organizadoras da greve da semana passada. Se há alguma coisa que pode fazer as pessoas no poder parar para ouvir e fazer algo, é uma greve em massa.

Falei com Mriga e Prajakta sobre o plano delas para combater a cultura do estupro.

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VICE: Como surgiu a ideia dessa campanha?
Prajakta Karekar: Recentemente, temos visto muitos episódios de estupro no país, um após o outro. Enquanto isso, fomos apenas espectadoras silenciosas. Nem mesmo as mulheres entenderam completamente sua força.

Mriga Kothare: Foi um pensamento provocado pelo último estupro que aconteceu em Mumbai em 22 de agosto. Houve muito tumulto depois do caso de Deli em dezembro passado, mas Mumbai foi uma história completamente diferente. Mumbai sempre foi um lugar seguro para as mulheres. Podíamos voltar para casa tarde da noite depois de um filme, pegar um táxi à 1h da manhã, sair para passear com uma amiga à noite para tomar chá ou viver sozinha num apartamento alugado sem medo de ser seguida e estuprada. Esse incidente mudou essa noção para as mulheres ali. Tenho amigas e irmãs que não deveriam viver com medo. A campanha nasceu do ultraje e da paixão pela liberdade que essa cidade sempre nos ofereceu.

Por que uma greve?
Mriga: A questão era fazer algo diferente. Protestos, comícios e marchas já foram feitos várias vezes. Isso não teve nenhum impacto no decorrer dos anos. A ideia era mostrar o poder das mulheres como um coletivo, um grupo influente da sociedade. Ninguém nunca calculou a receita gerada no país somente pelas mulheres. Se todas as mulheres decidissem parar por um dia, as ramificações econômicas não passariam despercebidas num país que só entende a linguagem do dinheiro. Por exemplo, a campanha de “Economize Eletricidade”, na qual todos no mundo desligam as luzes por um tempo determinado. Esse é o tamanho do impacto que pode ser criado se as pessoas tiverem empatia por uma causa.

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Prajakta: Se as mulheres não trabalharem, nem em casa, nem no escritório, no parlamento, no comércio, etc., as famílias, escolas, negócios, o parlamento, escritórios e os homens não poderão funcionar plenamente. Pelo menos 49% da população deste país é composta por mulheres e imagine se todas elas dissessem: “Estamos em greve e nos recusamos a funcionar”. Essa força será bem entendida e suficiente para criar uma confiança entre as mulheres para que elas se defendam por si próprias, que lutem bravamente e tragam uma mudança.

Vocês sabem quantas mulheres decidiram aderir?
Mriga: Conseguimos acessar cerca de 4.500 pessoas apoiando a ideia. Ouvimos sobre mulheres do país inteiro apoiando voluntariamente a causa.

Prajakta: Não acreditamos em impor pensamentos. Estávamos totalmente cientes das limitações das mulheres que não poderiam participar da greve. Por exemplo, algumas mulheres nos disseram que apoiavam completamente a causa, mas que não podiam participar da greve porque eram mães de recém-nascidos. Tivemos muita gente curtindo a causa, compartilhando informações e muitas ativamente entrando em greve.

O que a greve implicava no sentido prático?
Mriga: Não cozinhar, limpar, alimentar os filhos, varrer, buscar água, ir trabalhar, ensinar, etc. As mulheres comandam e contribuem com cada atividade deste país. Há mulheres que fazem parte de quadros de corporações, do Parlamento, trabalham nos trens locais e em suas próprias casas. Todos precisam saber que o mundo não funciona sem mulheres. Já passou da hora de conseguirmos o respeito que merecemos. Não podemos ser dadas como garantidas ou entendidas como incapazes ou impotentes. Nossa greve vai mostrar como é um dia sem mulheres. Estamos dando a eles uma amostra do futuro: nos tratem mal e vamos desaparecer.

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Como a ideia se espalhou?
Mriga: Temos uma página no Facebook agora e promovemos a ideia pelo Twitter, mas a maior parte da divulgação foi boca a boca.

E o que vocês fizeram na quarta-feira?
Mriga: Pessoalmente, não fui trabalhar. Não fiz minhas tarefas. Não saí de casa e basicamente não interagi com ninguém fora minha família. Minha mãe não foi trabalhar, mas ela cozinhou e fez outras tarefas domésticas porque meus avós dependem dela.

Prajakta:Minha mãe e minhas amigas também são parte disso.

E qual foi a resposta?
Prajakta: Tivemos respostas variadas. Algumas pessoas não concordam com esse tipo de greve e acham que a violência é a única maneira de mudar o sistema.

Mriga: Surpreendentemente, os homens com quem falei não só apoiaram a causa como ajudaram ativamente a espalhar a ideia entre suas famílias e amigos. Mas claro, infelizmente, boa parte da população ainda é formada por machistas que não entenderam nosso objetivo. Alguns disseram coisas como: “As mulheres não podem fazer greve, baby!”, “É melhor mudar para outro país do que tentar arrumar essa bagunça. É uma causa perdida e nada vai mudar” ou “É melhor apenas evitar sair tarde da noite ou usar certas roupas; isso é culpa de como as garotas vivem hoje em dia”. Então sim, tem sido difícil.

Vocês têm uma lista de exigências?
Mriga: As leis já estão feitas, queremos que elas sejam implementadas. Precisamos de procedimentos rápidos. Queremos que um exemplo seja definido. Ninguém teme a lei hoje. Os culpados saem livres com muita facilidade. Uns poucos anos na cadeia não são suficientes. O governo precisa agir de maneira dramática. Além disso, precisamos de educação nos níveis mais básicos. A maioria da população rural não tem acesso à educação. Educação sexual, autodefesa e ciências sociais e morais deveriam ser compulsórias nas escolas logo na primeira série. Mesmos os pais, às vezes, precisam ser ensinados da maneira certa. Geralmente, seus pensamentos e visões são refletidos nas crianças. Por exemplo, o modo como o marido se comporta com sua esposa tem um papel fundamental em como as crianças veem, aprendem e, por fim, se comportam.

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Como vocês acham que essa greve pode mudar a cultura do estupro?
Mriga: Quando os homens virem que não podem viver num mundo sem mulheres, quando o país ver o poder que as mulheres têm na sociedade, a contribuição que elas dão à economia, haverá um aumento no respeito para com as mulheres. As mulheres não serão mais percebidas como impotentes e incapazes. O mundo saberá que vamos nos levantar contra qualquer injustiça, que vamos ficar unidas e retaliar.

Vocês farão outras greves?
Prajakta: Sim, certamente! Não vou desistir disso. É hora de percebermos a força dentro de nós.

Mriga: Precisamos de uma resposta forte o suficiente para podermos levar isso a um nível maior. O Mulheres em Greve quer chegar à raiz do problema, não somente tocar na questão superficialmente.

O que é preciso para mudar a cultura do estupro em nossa sociedade?
Prajakta: Leis precisam ser revistas. Autodefesa, autoconfiança, respeito e apoio de todos são como armas para se proteger do estupro.

Mriga: Ninguém pede para ser estuprada. É minha escolha, meu conforto e minha liberdade se quero usar uma minissaia ou se quero me sentar em algum lugar sozinha tarde da noite. Isso não justifica o estupro de maneira nenhuma. A mentalidade básica de que “ela pediu por isso” tem que acabar. Podia muito bem ter sido você. E enquanto um indivíduo estiver disposto a lutar, isso não será uma causa perdida. Levou 200 anos, mas conseguimos nossa liberdade da Inglaterra. Pode levar anos e muito esforço, mas acredito que vamos vencer isso também.

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@rrrakia

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