As Torcidas Organizadas Estão em Guerra

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As Torcidas Organizadas Estão em Guerra

Brigas constantes, armas de fogo, barras de ferro, bombas e vingança. Nem sempre sai no jornal, mas muito sangue está rolando no submundo das torcidas.

Nem sempre sai no jornal, mas muito sangue está rolando no submundo das torcidas. Brigas constantes, armas de fogo, barras de ferro, bombas e vingança. "É um cenário de guerra; hoje em dia, quem pode mais, chora menos", explica o corinthiano Vítor da Silva*, que tem 22 anos e há quatro participa dos confrontos.

Curiosamente, o último período de paz entre os torcedores foi durante uma outra guerra - a de manifestantes e policiais durante os protestos de 2013. Segundo Vítor, as torcidas organizadas dos quatro grandes clubes de São Paulo estavam lado a lado na linha de frente, "mas ali era respeito total, a pauta era outra", diz ele.

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A tarifa abaixou e os confrontos de torcidas recomeçaram, dessa vez em outro patamar. "Hoje em dia está pior do que antes: se caiu no chão querem continuar dando barrada até abrir a cabeça", conta o palmeirense Johnny Santos, que, com 27 anos participa de torcida organizada desde 2001. De acordo com o torcedor do Palmeiras, agora as brigas acontecem em qualquer dia ou lugar e ele mesmo afirma já ter sido atacado em shopping, mercado e até balada. "Todo mundo se conhece, não tem essa de marcar pela internet. Cada um sabe por onde cada torcida vai passar" conta o corinthiano Vítor da Silva, que acrescenta com muita naturalidade: "Se eu vejo um amigo na minha reta na briga, vou um pouco para a direita e pau no gato. No outro dia a gente liga, dá risada e já era, segue a vida".

Na verdade, não é bem assim. A vida não seguiu para mais de 230 torcedores mortos em brigas de torcidas no Brasil desde 1988. Um deles foi Douglas Karim Silva, corinthiano assassinado no dia 27 de agosto de 2011 cujo o corpo foi encontrado, dias depois, boiando no rio Tietê. O caso de Douglas é peça fundamental para entender o porquê do cenário atual de violência desenfreada. Segundo o corinthiano Matheus Goulart, de 31 anos, desde 2009 até então existia um acordo de "fair play" entre alvinegros e palestrinos: brigas só em dias de jogo, nada de armas e era proibido bater em quem estivesse caído no chão. Com essas regras, tanto Matheus como seus amigos e rivais tinham mais tranquilidade para desfrutar deste hobby peculiar: "Sempre gostei de trocar porrada, voltar para casa com um dente quebrado ou olho roxo, mas pelo menos voltar para casa". Porém, a morte de Douglas pôs fim no acordo - e com a ausência de regras, as coisas vêm perdendo o controle. "Hoje rola tiro, faca, barra de ferro, madeira…" explica Johnny. O são paulino Márcio Odair, de 26 anos, reflete: "A gente já sai de casa com o pensamento: 'Será que eu vou voltar?'".

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Matheus está afastado das brigas que orgulhosamente diz ter participado por dez anos. "Pensando bem, muitas vezes eu não consigo entender como eu tive a manha de acordar às cinco, seis da manhã pra gente poder se degladiar na rua; mas, por outro lado, às vezes bate uma saudade quando os meninos falam que rolou uma trocação de porrada." Todos, sem exceção, afirmam que o grande lance é esse: trocar soco. As torcidas são uma versão em vida real do filme Clube da Luta. Vítor se defende: "A gente não é criminoso. A gente só gosta de brigar e sair na mão, é um vício, é como se fosse uma droga". Assim como outras, essa também pode matar ou chegar perto: Vítor já teve a cabeça "rachada", Márcio já foi atacado com barra de ferro, Johnny já levou um tiro na barriga e Matheus já foi parar na UTI.

Dos quatro entrevistados, apenas Matheus resolveu parar: "Me bateram tanto que, quando saí da UTI, minha mãe disse que fiquei um mês meio biruta, às vezes sem falar nada direito. Eu parei com isso para poder prolongar um pouco a vida dela". Por outro lado, muitos ainda continuam nessa vida mesmo com toda a violência, o constante clima de guerra e os pedidos da família. Johnny afirma: "Minha filha de quatro anos já me viu chegando em casa com a roupa cheia de sangue e me falou para eu não ir mais em jogo. Eu até pensei em parar, mas o time está no meu sangue".

*Todos os nomes são fictícios e foram dados pelos próprios entrevistados.

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