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Ativistas que Planejam Protestar nas Olimpíadas do Rio de Janeiro Poderão Ser Acusados de Terrorismo

Ativistas afirmam que a que nova proposta de lei definindo terrorismo vai criminalizar movimentos de protesto, incluindo aqueles que querem usar a atenção da mídia nas Olimpíadas de 2016 para destacar injustiças sociais e pressionar por reformas.

Ativistas no Brasil afirmam que uma nova proposta de lei definindo terrorismo vai criminalizar movimentos de protesto, incluindo aqueles que querem usar a atenção da mídia nas Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro para destacar injustiças sociais e pressionar por reformas.

A lei, de autoria do escritório da presidente Dilma Rousseff, foi modificada no caminho para o Congresso a fim de acrescentar exceções específicas para movimentos sociais, mas as emendas foram removidas quando o projeto foi enviado para o Senado na semana passada. Agora isso deve passar por uma nova leitura dos deputados brasileiros, requerendo aprovação final da presidente.

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Defensores da lei argumentam que o Brasil precisa de uma legislação para definir e enfrentar o terrorismo, embora especialistas aleguem que a ação vem da pressão de um corpo antiterrorismo liderado pelos EUA – o Grupo de Ação Financeira Internacional ou FATF, em inglês – por medo de que sanções econômicas piorem a recessão financeira no país. A lei foi assinada pela equipe econômica de alto escalão de Dilma – incluindo o ministro das Finanças, Joaquim Levy, que, segundo fontes no governo disseram à VICE, é o principal defensor da lei.

Mais de 80 movimentos sociais e políticos assinaram uma carta aberta repudiando o que rotularam de um "passo retrógrado" no direito ao protesto dos cidadãos. A carta diz que a lei tornaria rotina o "estado de exceção" que o Brasil impôs a seus cidadãos inicialmente durante a Copa do Mundo do ano passado – dando às autoridades o poder de prender e acusar pessoas de "terrorismo" sempre que qualquer pequeno dano resultasse de um protesto.

"Sob essa lei, qualquer coisa que acontecer durante os protestos – se uma vitrine for quebrada, mesmo que acidentalmente –, isso será considerado terrorismo", declarou Ana Paula Ribeiro, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, o MTST, para a VICE News.

"Não vamos parar os protestos até que os políticos recuem essa lei desnecessária", continuou Ana Paula. Ela também prometeu que o grupo – um dos maiores movimentos sociais do Brasil – não vai "abandonar as ruas" mesmo se a lei for aprovada, como é esperado.

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Os críticos concentram sua oposição a essa proposta de lei no caráter vago do que constituiria um ataque terrorista, o que pode resultar em condenações de até 30 anos. Os motivos listados incluem "extremismo político", e os "artefatos" usados podem ser definidos como qualquer coisa – desde explosivos a armas nucleares. Os alvos citados incluem redes de comunicação servindo serviços públicos, infraestrutura, instalações militares, instituições bancárias, a indústria de petróleo e estádios.

Uma cláusula particularmente controversa define "vandalizar… ou destruir… transportes públicos ou qualquer propriedade pública ou privada" como atos de terrorismo.

Violência e vandalismo são características periódicas nos protestos no Brasil. As duas coisas estavam presentes nas manifestações de 2013 e 2014 contra o governo, o estado dos serviços públicos e os bilhões de dólares gastos na Copa do Mundo.

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Dezenas de ativistas foram presos durante a Copa, incluindo Camila Jourdan, uma professora universitária. Ela estava entre as 23 pessoas detidas preventivamente no Rio de Janeiro antes da final em julho de 2014. Ela ficou encarcerada por 13 dias acusada de carregar e armazenar explosivos e de formação de quadrilha, tendo sido proibida de participar de protestos enquanto seu caso estiver em andamento.

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"A nova lei de terrorismo é uma tentativa de transformar movimentos políticos e sociais em movimentos criminosos", Camila falou à VICE News por telefone do Rio de Janeiro. "Os juízes já podem usar a lei existente para prender manifestantes preventivamente. A nova lei é ainda mais vaga e visa a impedir movimentos sociais de fazer coisas como simplesmente marchar pela orla de Copacabana."

Algumas das preocupações dos ativistas foram ecoadas por legisladores. Os senadores Humberto Costa, Vanessa Grazziotin e Randolfe Rodrigues tentaram (sem sucesso) reintroduzir as emendas que buscavam isentar ativistas das definições.

"Incluindo 'extremismo político' como um dos elementos definindo terrorismo, a lei abre precedente para criminalizar ativistas", disse o senador Randolfe Rodrigues no Senado durante o debate.

As emendas foram rejeitadas pela maioria, com o argumento de que ficaria a cargo dos juízes decidirem se um ataque constitui terrorismo ou não.

Entretanto, alguns especialistas têm criticado essa abordagem. "É problemático simplificar as coisas dessa maneira", frisa Francisco Brito Cruz, advogado e filósofo dos direitos humanos. "Cada análise terá um ângulo político, e cada juiz vai interpretar isso de maneira diferente."

Enquanto isso, a proposta de lei também está sendo criticada por quem acredita que isso vem da obediência do Brasil a recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional, liderado pelos EUA, em vez de uma necessidade interna real de abordar uma ameaça terrorista.

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A FATF foi criada como uma iniciativa do G7 em 1989 para combater a lavagem de dinheiro no mundo. O grupo foi reforçado depois do 11 de Setembro e ganhou poder para impor sanções econômicas e manchar reputações financeiras, desencadeando uma queda da classificação do país nas agências de crédito.

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A FATF divulga diretrizes para legislações que o grupo considera que devem ser introduzidas nos países-membros, que agora somam 36, incluindo o Brasil. Em 2010, o grupo divulgou um relatório atestando que o Brasil deveria "criar uma ofensa única para criminalizar o financiamento terrorista… como prioridade".

Vários oficiais do governo disseram à VICE News que as recomendações da FATF não são os catalisadores da legislação.

"Talvez a presidente tenha ordenado que a lei fosse apressada por causa das ameaças da FATF, mas esse não é o caso com o Congresso", apontou o senador Aloysio Nunes, o maior defensor da lei na câmara.

No entanto, um relatório interno do Senado, obtido pela VICE News, destaca que ignorar as recomendações da FATF poderia sair caro numa época em que o Brasil está lutando para sair da recessão. "Não aprovar essa lei pode levar a sanções internacionais no Brasil, como alertou a FATF, o que poderia colocar o país na lista negra como 'não conforme'", aponta o relatório.

Em 16 de outubro, a presidente assinou uma lei criminalizando o financiamento do terrorismo, de acordo com as instruções da FATF, e realizou uma reunião especial com o grupo em 20 de outubro. Só que ainda falta a lei definindo o que é terrorismo.

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Segundo Ibrahim Warde, autor de The Price of Fear: The Truth Behind The Financial War on Terror, a FATF está usando a política de nomear e envergonhar países para coagir os legisladores a aprovar leis. "Muitos países não são politicamente fortes o suficiente para se opor às recomendações. Há muita vulnerabilidade desde a crise econômica de 2008", Warde contou à VICE News.

Críticos dizem que a FATF tem pressionado países não só para definir financiamento de terrorismo mas também o terrorismo em si – um termo sobre o qual há pouco consenso internacional. Eles alegam que tal legislação já vem restringindo direitos de manifestantes – direta ou indiretamente – em mais de 15 países, incluindo Espanha, Turquia, Egito e Tunísia.

"Estamos particularmente preocupados com a falta de garantias para os direitos humanos dentro da FATF e com o fato de que as recomendações não levam em conta a proporcionalidade das medidas que estão propondo aos governos", disse Iva Dobichina, da Human Rights Initiative da Open Society, à VICE News.

"Em países que tradicionalmente não aceitam bem a sociedade civil, esse tipo de recomendação é outra desculpa para ir contra isso", ela acrescentou. "Precisamos garantir que essas leis não violem o direito dessas pessoas de se organizar."

Agora, a menos de um ano de que centenas de milhares de pessoas desembarquem no Rio para as Olimpíadas de 2016, os movimentos sociais brasileiros insistem na tese de que devem continuar tendo o direito de usar o foco no evento a fim de chamar a atenção para suas causas sem medo de serem acusados de terrorismo.

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"Os Jogos Olímpicos do Rio já vêm sendo usados para justificar uma guerra contra os mais pobres da sociedade", comentou Camila Jourdan, se referindo à remoção forçada de famílias de favelas para a instalação dos Jogos a um custo de cerca de US$ 10 bilhões.

"Tenho certeza de que, se essa lei existisse no ano passado, eu teria sido julgada por terrorismo, assim como muitos outros."

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Tradução: Marina Schnoor.

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