Como é torcer para o São Paulo entre os barra bravas do River Plate
Onde está o repórter? Foto: Lucas Dantas

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VICE Sports

Como é torcer para o São Paulo entre os barra bravas do River Plate

O atacante compatriota Calleri deixou os caras putos, viu.

"Vamos Millionarios, que esta noche tenemos que ganar!"

Foi com esse som, de quase três mil barra bravas argentinos, que entrei no Morumbi ontem. Eu, são-paulino dos doentes, pai de um filho chamado Raí, acostumado a assistir às partidas ao lado da Torcida Independente, tinha como missão acompanhar a "decisão" entre São Paulo e River Plate da torcida adversária. Se os hermanos vencessem, garantiriam a liderança e se classificariam para a próxima fase da Libertadores. Caso o tricolor ganhasse, se manteria vivo na competição. Não tinha como ser fácil.

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Rodeado de fanáticos pelo River. Foto: Rômulo Magalhães

Assim que cheguei à arquibancada, sentei para conhecer o ambiente. Dei um giro de 360°, olhei rosto por rosto. Era um ambiente diferente. Observar mais de 50 mil são-paulinos pulando e cantando e não poder abrir a boca foi a parte mais difícil. Infeliz, eu não podia ficar quieto. Fui me enturmar e, logo de cara, conheci dois brasileiros. "Minha vó é argentina e sempre gostei do River Plate, por isso estou aqui", disse o músico Gabriel Izar, que assistia pela primeira vez a um jogo do River Plate no Brasil, acompanhando sua mãe Dagmar Izar. "Mas eu sou verdão."

Dez minutos depois, eu estava pulando e cantando ao lado dos fanáticos argentinos barra bravas. Na verdade, não entendi nada do que cantava. Mas, para disfarçar e parecer que eu sabia, mexia a boca. Fiz amigos, tirei fotos, tirei selfies. Por um momento, me passei por argentino. Acho.

O jogo começou e a torcida argentina não parava. Lá no meio conheci Adrian Marcos Balboa. Quis entender o significado dessa loucura pelo time argentino. "Eu tenho uma mãe, uma filha e o River Plate", disse. Eu não precisava ouvir mais nada. Com essa frase, eu já tinha entendido tudo. Eles são mesmos fanáticos: o clube fica ali, entre a mãe e o filho. Tipo um irmão bem próximo, algo assim.

Calleri manda um voleio na caixa para o desespero dos barra bravas. Foto: Lucas Dantas

A partida começou melhor para o São Paulo. O gol do argentino são-paulino calou os barra bravas. Quando olhei para o meu lado direito, ouvi um rápido diálogo. "Foi de quiém?", um torcedor perguntou. O amigo, do lado, abaixou a cabeça, fez sinal de negativo e respondeu: "Calleri". Para os torcedores, qualquer um jogador do Tricolor poderia marcar o gol, menos Calleri, ídolo do maior rival Boca Juniors.

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Neste momento a torcida argentina ficou quieta. Mas, a cada carrinho e cada chute a gol do São Paulo, uma senhora do meu lado esboçava uma reação atípica entre torcedores argentinos – era como se vibrasse contida. Encostei nela e perguntei baixinho: "A senhora é brasileira né?". Com a mão na boca, ela respondeu: "Sim, mas não fala para ninguém". Rebati, ainda mais baixo: "Tá bom. Também sou são-paulino". Então gargalhamos juntos. Estávamos em casa.

A dona Rita de Oliveira, são-paulina fanática, acompanhou o filho, Ulisses de Oliveira. Eles não conseguiram comprar ingressos para a torcida do São Paulo e decidiram assistir junto dos adversários. "Estou muito triste porque gosto de pular, gritar. Na verdade, eu queria estar ali", disse, apontando para o lado direito, onde a Torcida Independente estava localizada e fazia uma grande festa.

No intervalo da partida, conheci Luiz Allejandro, argentino que vive em Campinas, em São Paulo, há 21 anos. Bem caracterizado, com uma toca chamativa, "Alle", como é conhecido entre os barra bravas, vai a todos os jogos do River no Brasil. "Na Vila Belmiro, estádio do Vasco, aqui no Morumbi, Pacaembu, Belo Horizonte", elencou.

Espremidos barra bravas. Foto: Lucas Dantas

Além das pessoas que vieram da Argentina acompanhar o jogo no Brasil, havia uma filial da torcida do River em São Paulo com cerca de 50 pessoas, um grupo de argentinos vindo de Búzios (RJ) e até um grupo de torcedores do Internacional, onde D'Alessandro, craque do River, até o ano passado era ídolo.

Falando em D'Alessandro, ele estava envolvido no tumulto que aconteceu dentro de campo no começo do segundo tempo, pouco depois do segundo gol do São Paulo e de Calleri. Saiu na mão com quem? Calleri, claro. Saiu ileso e, furioso, cavando brigas com todos os jogadores tricolores, foi substituído pelo técnico do River. O São Paulo então passou a dominar o jogo e, como há muito não se via por lá, o estádio inteiro passou a gritar "olé". Eu também gritava, mas por dentro, se é que me entendem.

Calleri, o cara do jogo. Foto: Lucas Dantas

Mesmo com um a menos, o River conseguiu diminuir o placar. A torcida gringa voltou a cantar e, até o final do jogo, não parou mais. Eu, no meio dos loucos barra bravas, também pulei, cantei e vibrei, afinal, meu time havia vencido e, para mim, não importava onde estava, eu só queria comemorar. E fazer isso ao lado de quase três mil adversários, em clima de paz, teve um gosto muito melhor do que se eu estivesse longe deles.