​Crianças Brincam de Caçar Rãs no RJ
Foto: Fabio Teixeira

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​Crianças Brincam de Caçar Rãs no RJ

Na favela Parque Everest, uma das mais pobres da cidade, não há quem não conheça os meninos caçadores de rãs. Não se sabe ao certo quando a tradição começou. Uma moradora que vive na comunidade há 20 anos conta que chegou a capturar rãs nos tempos de...

Num lugar onde falta quase tudo, a criançada descobriu diversão na caça. As presas vivem na água suja de um tanque abandonado ou no leito do poluído Rio Faria Timbó, em Inhaúma, na zona norte do Rio de Janeiro.

Foto: Fabio Teixeira

Na favela Parque Everest, uma das mais pobres da cidade, não há quem não conheça os meninos caçadores de rãs. Não se sabe ao certo quando a tradição começou. Uma moradora que vive na comunidade há 20 anos fala que chegou a capturar rãs nos tempos de juventude. Na maioria das vezes, o destino dos animais é a panela do próprio caçador. "É mais gostoso que frango", conta um deles.

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Foto: Fabio Teixeira

Quando aparece algum comprador interessado, eles vendem os animais por cerca de R$ 2 cada. O preço é negociável. "Faço mais porque é divertido mesmo", diz Cauã. Para brincar de caça, os meninos do Parque Everest ignoram qualquer risco ou perigo. "Na água do lago [como eles chamam o tanque], tem coisas verdes e lixos. Também tem bicho, aqueles 'sugue-sangras' [sanguessugas]. Fica um monte em cima de mim; aí eu tiro, porque dói", relata Cauã. "Dou tapa até cair. Mas vale a pena passar por eles." Ele diz não temer contrair doenças. "Não tenho medo de nada, na verdade."

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Com um sorriso sempre estampado no rosto, Cauã explica em detalhes como faz para capturar e preparar as iguarias. "É assim, ó", ensina enquanto estica o braço e fecha a mão rapidamente. "Quando ela bota a cabeça para fora, a gente pega. Escorrega um pouco, mas é fácil. Depois, a gente corta o pescoço delas, abre a barriga e tira as tripas. Aí tira o couro, tempera com sal e alho, e frita no óleo". A mãe, Fabiana do Nascimento, 41, que eventualmente trabalha como empregada doméstica, atesta as qualidades de cozinheiro do filho. "Eu como também. É gostoso. Você não come não?", pergunta. Como Cauã aprendeu a preparar a carne de rã? Ele não sabe explicar.

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Alexander da Silva, o Leleco, 11, começou a caçar rãs há dois anos. "Todo mundo pegava, e eu não. Eu sentia nojo e tinha um pouco de medo, mas decidi tomar coragem", relata. A sua metodologia de caça, ele explica, lembra as leis do mundo dos animais selvagens: "Você nada, procura e, se achar, ataca, dá o bote. Tipo igual a um caçador. Ou a um leão". Ele sabe que a água em que mergulha é suja e até perigosa. "Quando a gente pega com balde dá pra ver uns mosquitos se mexendo." Se aparece visita em casa, Leleco corre até o tanque para tentar capturar o prato principal.

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No começo do ano, ele estava no local quando foi abordado por dois chineses que trabalham em uma barraca na Comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Imitando um sotaque oriental, Leleco reproduz a pergunta da forma que ouviu. "'Tem lã pla vender?' Eles ainda estão aprendendo nossa língua", comenta. "A gente entrou, pegou, mostrou e eles disseram se queriam ou não. Tinha de ser graúda", lembra o menino. Uma rã foi vendida por R$ 2. Três, por R$ 5. E assim por diante. Caçar rãs já virou tradição familiar no Parque Everest. Robert da Silva, 14, irmão mais velho de Alexander, adquiriu o hábito aos 11 anos. Foi ele quem introduziu Leleco no mundo da caça aos anfíbios. Primo dos dois, Erick, 10, além de também caçar, é considerado o melhor tratador da turma.

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Nascida de uma ocupação organizada em 1989 por um grupo de dez moradores desalojados por conta de um deslizamento de terra no Complexo do Alemão, a comunidade Parque Everest é hoje o lar de 720 famílias, segundo a associação de moradores do local.

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Dentro da favela, existe uma divisão entre a área mais pobre, que fica próxima do rio, e a menos pobre, próxima da avenida Itaoca. "Lá embaixo é subumano. Eles são carentes de tudo, dependem muito de doações", comenta Regiane Dantas, 31, que trabalha na associação.

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Calculado pelo Instituto Pereira Passos, da Prefeitura do Rio, com base no Censo de 2010 do IBGE, o IDS (Índice de Desenvolvimento Social) da comunidade varia de 0,52, na parte de cima, a 0,42, na área mais pobre. Comparando-o com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), usado apenas para países, estados e municípios, o Parque Everest estaria entre os 15 piores países do mundo para se morar, com taxas similares às dos africanos Maláui e Libéria, que recentemente sofreu com um surto de ebola.

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Canalizado na década de 1990, o Rio Faria Timbó oferece riscos aos moradores da comunidade sempre que chove. "Quando tem enchente, vai um bocado de ratinho lá para casa", destaca Cauã. "Outro dia, choveu tanto que tampou a escada da minha casa. Mais um pouco e encheria tudo. Algumas casas até caíram", lembra Leleco.