​Chorando larrrrrgado com a torcida do XV de Piracicaba
De carona com os quinzistas no último jogo da final da Copa Paulista 2016, vimos horas de cantoria, pneu furado, lágrimas, granizo, muita cerveja e, depois das orações, o tão sonhado troféu. Foto: Lucas Jacinto

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VICE Sports

​Chorando larrrrrgado com a torcida do XV de Piracicaba

De carona com os quinzistas no último jogo da final da Copa Paulista 2016, vimos horas de cantoria, ônibus ensandecidos, pneu furado, lágrimas, granizo, cerveja e, depois das orações, o tão sonhado troféu.

No sol a pino das 13 horas do último sábado de novembro, o povo da terra da pamonha se aglomerava no largo da Santa Cruz, próximo à sede da torcida Esquadrão, a organizada do Esporte Clube XV de Novembro – para os mais íntimos, o XV de Piracicaba. Confiantes com o favoritismo, a "maior do interior" prometia uma invasão a cidade de Araraquara, a 140 km dali, para prestigiar a final da Copa Paulista 2016 entre o XV, e o rival e anfitrião, Ferroviária.

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Com dois gols de vantagem no primeiro jogo, o XV estava com uma mão na taça. Mas, na Arena da Fonte Luminosa, o embate não foi nada fácil. Por noventa minutos – e mais uma disputa de pênaltis – sofrimento e a ansiedade tomaram conta dos quinzistas. Tropeçando feio no campo encharcado, os jogadores chegaram a tomar três gols e, quando tudo parecia perdido, no segundo tempo, após escanteio, um milagroso gol levou a decisão para os penais. No fim, ao converter quatro tiros, o XV conseguiu a tão sonhada vaga na Série D do Campeonato Brasileiro. Os torcedores, claro, foram ao delírio.

Foto: Lucas Jacinto

Antes da vitória, porém, uma série de desventuras e intempéries cruzaram o caminho da torcida. Pneu furado, chuva de granizo, muita bagunça, boa prosa, oração coletiva marcaram a história com final feliz. Tive a honra de participar das conversas e fotografar a dramática epopéia quinzista, detalhada a seguir.

Foto: Lucas Jacinto

A partida espremida

De início, vale lembrar que, dos cerca de 2500 quinzistas que pintaram o estádio do Ferroviária de preto e branco, pelo menos 500 faziam parte da caravana da Esquadrão – nome da organizada. Esse povo todo lotaria no mínimo uns nove ônibus, mas optaram por partir abarrotados em sete. "Dois motoristas disseram que haveria atraso. Como parece que a Esquadrão gosta é de viajar em pé, fomos assim mesmo. Ajuda a torcida a entrar no clima", brinca Felipe Jorge Dário, o Gema, de 30 anos, presidente da Torcida Esquadrão.

Foto: Lucas Jacinto

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Foi a partir do contato com Gema que entrei nessa trip futebolística rumo a final da Copa Paulista e acabei indo parar no ônibus número 1: o mais frenético e respeitado da caravana, lotado com os baderneiros-de-cara-feia-mais-coração mole que já conheci.

Foto: Lucas Jacinto

"Espero que não se importe com a falta de conforto e bagunça, o pessoal vai todo meio amontoado mas faz parte. Você vai gostar", explica o Gema, que mal sabia que era isso mesmo o que eu procurava. Entre as mais engraçadas paródias em cima de clássicos brasileiros, que ficavam entre Tim Maia e RPM, a lotação saiu de Piracicaba cantando com o "R" bem puxado os hinos tradicionais da torcida acompanhando os ritmos dos socos no teto do busão enquanto os mais empolgados cantavam com meio corpo para fora da janela.

Foto: Lucas Jacinto

Entre mulheres e homens, mães e filhos, casais e vovozinhos, a impressão que ficou nos primeiros 10 minutos era a de que, não importava o quão diferente fossem, nem de onde vinham, naquele momento eles eram quase parentes, amigos íntimos de longa data. E não demorou muito pra que eu entrasse numa roda e conhecesse algumas histórias.

Foto: Lucas Jacinto

"Entrei pra torcida faz um ano. Antes disso eu já acompanhava o time, sempre fui torcedor do XV. Mas quando entrei para Esquadrão a coisa mudou", conta Felipe Grisotto, de 32 anos. "Todo jogo é assim. A gente tem um objetivo em comum, que é voltar para a elite do futebol brasileiro. Isso que você vê agora é fruto da união pra viver o futebol além dos 90 minutos. O XV me influencia em tudo. No jeito que ando, que falo, que me visto. Faz parte da minha vida, né."

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Boa parte dessa referência que a Esquadrão representa para os torcedores, de acordo com Gema, foi construída com muito esforço. "Há um pouco mais de 10 anos o clube vivia uma fase péssima. Estava quase falindo. Ao mesmo tempo, aos meus 16 anos, eu tinha o sonho de ver uma torcida vibrante, do jeito que a história do time merecia. A gente se reuniu em umas 15 pessoas e começamos a fazer de tudo pra reverter esse cenário", lembra.

Foto: Lucas Jacinto

O líder da torcida reforça que as maiores ações e conquistas foram sempre voltadas para a política, como uma maneira de resgatar a tradição do time e melhorar a administração do clube. "A gente pressionava e intervinha de várias formas para que tudo começasse a andar", diz. "Fizemos rifa, feijoada – muita campanha para levantar a moral do time."

Usando sua própria casa como sede, Gema lembra de agradecer seus pais. "Se não fosse por eles não existiria o que temos hoje. Temos um barracão agora, mas eles acreditaram e apoiaram as nossas ideias no começo. Com essa força, em 2003 passamos a viajar acompanhando o time, mesmo em uma quantidade pequena de torcedores", recorda.

Foto: Lucas Jacinto

Pneu furou? Abre a cerveja

Hoje de fato a situação do clube está bem melhor. A torcida, por sua vez, também cresceu. Não é por menos que só no ônibus número 1 havia 70 pessoas. E foi por causa disso que a Esquadrão levou seu primeiro susto do dia. Um monte de marmanjo dentro de um ônibus meio capenga – porém com todas as especificidades necessárias para suportar uma organizada – não resistiria a uma viagem de pouco mais de 2 horas sem dar algum problema. Com apenas 15 minutos na autoestrada, um dos pneus furou. "O motorista mandou todo mundo ficar aí dentro", berrou alguém de lá da frente, sem sucesso.

Enquanto rolava o pitstop, geral tirava a maior onda de bacana embaixo do sol. Torravam, na verdade. Entre uma cerveja e outra, paravam torcedores que seguiam para o jogo do ano no interior paulista. Foi aí que conheci o José Lucas, de 22 anos, integrante da Esquadrão há oito. Mais conhecido como Zelão, ele havia visto o XV ir para a final em duas oportunidades. Nunca havia assistido a um título. Naquela tarde ele esperava que o caipira levasse o título para casa. De estilo quinzista fanático, ele tem um símbolo do time bem chave tatuado no peito. "Aqui é família, todo mundo é bem-vindo para ajudar a mandar energia positiva para o time na hora do jogo", ressalta.

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Foto: Lucas Jacinto

Tudo pronto e o motora botou todo mundo pra dentro – "fica tranquilo que agora vai". E foi. Mesmo com o velocímetro quebrado, travado no zero, dava pra sacar que o ônibus não passava dos 100 quilômetros por hora nem na descida. Com paciência, chegamos sãos e salvos ao encontro de todas as caravanas com a escolta da Polícia Militar. Foi o tempo de tirar a água do joelho e todo mundo já estava invadindo o município de Araraquara.

Foto: Lucas Jacinto

Bastante perceptível, o calor dentro e fora do bumba era o sinal claro de que ia cair um pé d'água daqueles. Minutos antes de chegarmos ao estádio rolou até granizo. A PM passeou um bom tempo com o comboio até a situação melhorar, dando voltas na região da Arena da Fonte Luminosa. O que não foi motivo pra torcedor algum perder a cabeça: eles estavam é se refrescando. Quanto mais água caía, mais gente abria a janela e gritava para avisar que era o XV quem estava invadindo a cidade.

Foto: Lucas Jacinto

No céu e nos rostos, muita, muita água

Enfim estávamos na arquibancada e os primeiros minutos de jogo já contavam com a energia muito forte da torcida. Do outro lado do estádio, a torcida do Ferroviária não deixava por menos. Em número maior, eles também tentavam levar o time para frente, o que deu muito certo no início – e fez muitos piracicabanos chorarem.

Foto: Lucas Jacinto

Em menos de 10 minutos de partida o sonho quinzista ameaçava se despedir. Kelvy marcou o primeiro gol da Ferroviária aos dois minutos numa sobra de escaneaio. Aos sete minutos, Matheus Pasinato, o goleiro do XV, foi posto à prova novamente e não conseguiu evitar o chute cruzado do atacante Bruno Lopes – foi um frango bem feio, o que irritou muitos torcedores. Cruzando a arquibancada, os murmúrios se repetiam: "não pode ser", "o XV não vai dar dessa de novo", "toda vez é a mesma coisa". O medo de perder outra vez uma final estava estampado na face de quem assistia e torcia pelo time de Piracicaba.

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Foto: Lucas Jacinto

Ignorando todas as condições desfavoráveis, um aglomerado em volta do Gema não parava de gritar. A força que o time precisava para ganhar vinha da voz, do coração e saia bem do meio da arquibancada, onde estava concentrada a Esquadrão. Logo após o intervalo, a difícil tarefa de incentivar o time naquela situação continuou no mesmo ritmo até sair o terceiro gol do adversário aos 23 minutos do segundo tempo. Em uma cobrança de falta, Zé Mateus, do XV, deu uma cabeçada mais que inoportuna na bola. Gol contra.

Foto: Lucas Jacinto

O desespero pairou. Teve bastante gente que encheu os olhos de lágrimas. No meio da multidão, estava o estudante Guilherme Passarelli, de 17 anos. "Já vi três finais, mas em 2008 assisti a derrota para o Sorocaba na final da Copa Paulista. Perdemos o título no último minuto de jogo com o Barão [de Serra Negra] lotadíssimo", conta Passarelli, que era criança na época, e foi chorando do estádio para casa sem parar. "Com o terceiro gol eu vi um flashback, senti o pesadelo da última final chegando perto", conta.

Foto: Lucas Jacinto

E foi bem assustador mesmo. A sensação de ver tanta gente chorando e se lamentando em uma comoção geral foi marcante. Achei que o XV faria mesmo o mais difícil – perder mesmo com gols de vantagem. Mas, como todo marinheiro de primeira viagem, minha opinião não merecia espaço e de repente a sinergia entre o povo de preto e branco ganhou força novamente, e as vozes se multiplicaram. De novo a Esquadrão esquentou a torcida, mas dessa vez com muito mais força – como quem usa seu último suspiro.

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Foto: Lucas Jacinto

"Às vezes sinto que baixa o santo em mim", brinca Gema, que estava em pé, em cima de um corrimão, apoiado em dois parceiros. Ele gritava: "agora é a hora da virada. O XV é o time da virada. Com o XV é assim". E entre o coro e o choro tinha também quem orasse. Ante a essa manifestação, uma onda arrebatadora atingiu a arena em favor do alvinegro.

Aos 27 do segundo tempo, o zagueiro Rodrigo, do XV, fez de cabeça o gol de empate por soma de pontos nas duas partidas de final. Acompanhando os torcedores, o time não mediu esforços para resistir e fechar o gol até o fim, entregando a decisão do jogo para os pênaltis. Vinha mais sofrimento por aí.

Foto: Lucas Jacinto

Orações e pênaltis

Os jogadores se preparavam para bater os pênaltis, e um "Pai Nosso" coletivo começou na organizada. Com todos abraçados e rezando, apelando para o recurso supremo da fé na divindade, o silêncio logo contribuiu para o suspense entre os chutes. Com o "santo forte", o resultado foi o melhor e mais inesperado que aqueles torcedores tinham visto até então: Rafael Gomes, Romarinho, Samoel Pizzi e Rodrigo marcaram para o XV, enquanto Mateus Pasinato defendeu as cobranças de Kelvy e João Lucas. Com o resultado de 4x2 para o time de Piracicaba, a torcida desentalou o grito de "é campeão".

Foto: Lucas Jacinto

Assim que a taça foi levantada na cerimônia de premiação, Celso Christofoletti, presidente-executivo do XV de Piracicaba, correu em direção a torcida e, em forma de reconhecimento e gratidão, arremessou sua própria medalha para quem quer que estivesse na arquibancada alvinegra. "Se não fosse a torcida abraçando o time nas horas mais difíceis não haveria vitória. Depois do terceiro gol eu fiquei desacreditado, mas não podia deixar a peteca cair", conta Guilherme Schmidt, 20, o Shime. "Se sentir acolhido por um bando de louco que acredita nas mesmas coisas que você, não tem preço. Esse jogo me marcou muito. Fiquei com o coração na boca, mas depois vi cenas de felicidade que nunca vou esquecer."

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Foto: Lucas Jacinto

Com o título da Copa Paulista 2016, o time ganhou acesso ao primeiro degrau de uma escada bem grande: a série D do Campeonato Brasileiro 2017. Ainda que na quarta divisão, o Nhô-quim fez a alegria da torcida, que já aguarda pelas viagens Brasil afora.

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Confira, abaixo, mais fotos da epopéia da torcida quinzista:

Foto: Lucas Jacinto

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Foto: Lucas Jacinto

Foto: Lucas JacintoFoto: Lucas Jacinto

Foto: Lucas Jacinto

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