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Como é passar pela cirurgia de redesignação de gênero

Um relato de um homem trans norte-americano que passou cinco anos encarando procedimentos cirúrgicos para sentir, finalmente, a sensação de ser quem ele já era.

Foto por Maureen Sargent.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Em seu novo livro, Balls: It Takes Some to Get Some, Chris Edwards conta sobre os cinco anos nos quais passou por operações para completar sua mudança de sexo. Leve mas com uma boa dose de gore, Edwards leva você para conhecer toda a experiência da "ostra" para as "bolas". — Kate Kowenstein

De 2002 a 2007, passei por 22 cirurgias.

Geralmente eu fazia um procedimento a cada três meses. Alguns exigiam ficar várias noites internado e algumas semanas me recuperando em Nashville, nos EUA. Outros [procedimentos] eu conseguia completar num longo final de semana. Essas operações de final de semana aconteciam no consultório do médico, comigo acordado atuando como assistente dele. Quando eu já estava dormente de novocaína e da visão do meu próprio sangue, eu não tinha problemas em entregar os instrumentos para ele, aplicar pressão com a gaze ou segurar meu futuro pau num certo ângulo enquanto ele dava pontos, cortava ou cauterizava o membro. Essa habilidade recém-descoberta me fez economizar milhares de dólares em contas médicas.

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No final, minha busca de cinco anos por uma genitália masculina me custou mais de $100 mil [mais de R$ 300 mil], fora as viagens. Tive muita sorte dos meus pais poderem pagar pela minha cirurgia. Deus sabe que sozinho eu não poderia. Assim como a maioria das pessoas na minha situação hoje. Por isso sou parte de um pequeno grupo de homens trans no país que escolheram passar pelo "caminho todo" em se tratando da cirurgia de troca de sexo. Como mencionei, o "modelo de luxo" não sai barato nem fácil. É um procedimento caro, doloroso e que consome tempo, com uma variedade de complicações em potencial e sem garantias em se tratando de estética e sensações. Tive muito medo, e às vezes sentia como se estivesse no décimo círculo do inferno de Dante. Mas eu faria tudo de novo se fosse preciso. A sensação de finalmente ser completo — ser quem você é — compensa tudo.

Identidade de gênero não se define pelo que tem dentro da sua calça.

Dito isso, muitas pessoas trans escolhem não passar pela cirurgia, mesmo podendo pagar. Há várias razões: dor, risco, medo, resultados incertos, falta de apoio ou simplesmente estar feliz com seu corpo do jeito que é. O que me traz a um ponto importante: nunca pergunte para um trans se ele já fez ou planeja fazer a cirurgia. Primeiro, isso não é da sua conta. Segundo, é ofensivo porque fazendo essa pergunta você está insinuando que a pessoa não é do gênero que ela escolheu a menos que altere seus genitais. O fato é que identidade de gênero não se define pelo que tem dentro da sua calça; se define pelo que está dentro do seu cérebro. Também é algo que ninguém questiona ou sequer pensa a menos que seus genitais não combinem com o corpo em que você nasceu. Por isso pessoas que não são trans têm tanta dificuldade para entender o que é estar no seu lugar, ou por que se sentem tentadas a fazer tantas perguntas.

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Muitas pessoas da comunidade trans consideram o tópico da cirurgia fora dos limites, mas eu decidi ser aberto sobre isso. Não me importo que as pessoas saibam que passei pela cirurgia. É menos estressante para mim saber que não preciso mais esconder isso, especialmente no trabalho. O que eu ia fazer? Inventar 22 histórias diferentes sobre por que eu ficava fora do escritório por várias semanas? Foi um alívio poder ser honesto. Eu simplesmente dizia: "estou fazendo a cirurgia", e as pessoas respondiam "Ahhh" e concordavam com a cabeça. Quando eu voltava da licença médica, todo mundo perguntava como a operação tinha ido — por preocupação real mesmo — e esperavam que eu desse qualquer informação que estivesse disposto a compartilhar.

Claro, meus amigos e minha família estavam a par de todos os detalhes sórdidos — em parte porque costumo falar demais, em parte porque eles estavam curiosos e queriam saber. Tentei explicar o procedimento básico em termos que eles entendessem, o que era um desafio porque eu mesmo não entendia muito bem. O médico me explicou tudo pelo menos três vezes, mas eu ainda não conseguia processar todos os detalhes técnicos, tipo quando você está perdido e alguém te dá as direções que começam a ficar complicadas. Eu concordava com a cabeça, mas três passos depois eu saía da trilha, então parava de ouvir.

O jeito mais simples como posso descrever o primeiro estágio da faloplastia é que o médico vai usar seu tecido abdominal e um enxerto de pele do quadril para criar um tubo vertical que lembra a alça de uma mala. Uma ponta vai ser ligada abaixo do umbigo e a outra no osso púbico. Três meses depois você volta para o segundo estágio do procedimento, onde a parte de cima da "alça" embaixo do umbigo é cortada para ficar pendurada. E pronto! O corpo peniano.

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Isso desencadeou uma discussão entre minhas amigas que, depois de saberem que eu teria algum controle sobre as dimensões do meu pênis, queriam dar sua opinião. Fora garantias de que "não é o tamanho da varinha que importa, mas a mágica que ela proporciona", a maioria dos conselhos que recebi delas foi que tamanho não importava, mas que grossura era mais importante que comprimento.

"Você não vai querer ganhar o apelido de 'fininho'", me disseram.

"Pense numa lata de cerveja."

Esses comentários levaram a uma discussão aprofundada com meu médico sobre tamanho. Li em algum lugar que o pênis médio tem de 7,5 a 9 centímetros flácido e 12,5 a 14 centímetros ereto. Como meu pênis teria o mesmo comprimento nas duas situações, eu precisava usar a abordagem "tamanho único". O médico disse que faria um corpo peniano de 15 centímetros para começar e que ele poderia colocar ou tirar uns 5 centímetros num estágio mais avançado.

Leia: "Como fazer um pênis em uma pessoa com vagina?"

Ele disse que não podia prometer nada em termos de largura, já que isso ia depender do meu tecido abdominal e do enxerto, mas me garantiu que ninguém ia me chamar de "fininho". Ele disse que a maioria dos homens chega pedindo um pênis enorme e acaba voltando para diminuir porque é desconfortável carregar um pauzão o dia inteiro — especialmente para pacientes verticalmente prejudicados (ou seja, baixinhos) como eu. Como meu pênis ia passar a maior parte do tempo dentro da minha calça, eu preferia um tamanho normal a dimensões de ator pornô. Mal sabia eu que o médico tinha outros planos.

***

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Estava escuro. Eu ouvia vozes mais não entendia as palavras. A voz com um sotaque grego era extremamente animada e eu sabia que pertencia ao meu médico. "Ah é, estou no hospital." Tentei abrir os olhos, mas minhas pálpebras estavam pesadas. Deve ser a anestesia começando a fazer efeito. Aí ouvi uma risada e duas vozes que reconheci como a dos meus pais.

"Qual é a graça?", eu disse grogue, tentando abrir os olhos.

"Eeeei, Chris", o médico disse empolgado. "Você acordou."

"Oi, Shtine", ouvi minha mãe dizer e senti um beijo na testa.

"Vocês vão me levar para a cirurgia agora?", perguntei, conseguindo ver uma imagem borrada deles parados lá como o Monte Rushmore ante dos meus olhos fecharem de novo.

"Já acabou", meu pai disse. Senti uma palmadinha na minha perna.

"Você ficou seis horas lá", acrescentou minha mãe.

"Te dei 20 centímetros!", anunciou o médico.

Lembro de dizer alguma coisa sobre não precisar de um tripé, o que fez todo mundo rir, aí senti um frio embaixo da cintura do que presumi ser alguém levantando minhas cobertas.

"Jesus Cristo", ouvi meu pai dizer. "É maior que o meu!"

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Tradução: Marina Schnoor

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