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A morte violenta de Claudia Silva Ferreira

Atingida por balas durante uma ação policial no Morro da Congonha, Claudia foi socorrida por uma viatura da PM e colocada no porta-malas. A porta traseira abriu, então ela foi arrastada por 350 metros e morreu.

Colaborou Marie Declercq

Os moradores do Morro da Congonha, favela do Rio de Janeiro, dizem que Claudia Silva Ferreira saiu para comprar pão na manhã do último domingo (16). Nessa mesma hora, acontecia ali uma operação conduzida pelo 9º Batalhão da Polícia Militar, instalado no bairro de Rocha Miranda. A mulher de 38 anos foi atingida enquanto uma troca de tiros acontecia. Policiais militares a socorreram, colocando-a no porta-malas da viatura, que durante o percurso teve uma das portas abertas. Um cinegrafista amador gravou com o celular o momento em que Claudia ficou presa ao carro pela roupa e foi arrastada por 350 metros, mesmo enquanto pedestres e motoristas tentavam, em vão, avisar os policiais. Em prisão preventiva desde segunda-feira, na tarde de hoje, o Ministério Publico concordou com o pedido de liberdade concedido aos três envolvidos, os subtenentes Rodney Miguel Archanjo e Adir Serrano, e o sargento Alex Sandro da Silva Alves.

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Claudia trabalhava como auxiliar de limpeza em um hospital, tinha quatro filhos e cuidava de quatro sobrinhos. No mesmo dia, a ação da polícia teve mais duas vítimas. Um jovem de 16 anos morreu e outro ficou ferido.

Revoltados com o acontecido, os moradores do Morro de Congonha fizeram protestos ainda no domingo, fechando as ruas da região, queimando ônibus e apedrejando uma viatura do 9º BPM.

O resultado da balística (ciência que estuda armas de fogo, projéteis e balas) é aguardado e irá dizer se o tiro partiu da arma de um dos policiais presentes na operação ou não. Segundo a Polícia Civil, responsável por conduzir o estudo, a causa da morte de Claudia foi “laceração cardíaca e pulmonar de ferimento transfixante do tórax por ação perfurocortante”.

Ilustração de Gabriela Campaner. Via.

Embora os artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal estabeleçam que os réus, a pedido do juiz, podem ficar detidos enquanto a investigação é feita, a prerrogativa da insuficiência de provas permite que a liberdade aos policiais seja concedida. É o que informou, por telefone, a assessoria de imprensa do MP RJ. Hoje pela manhã, jornais e sites divulgaram que o promotor Paulo Roberto Mello Cunha já havia se mostrado favorável à soltura. Os policiais Adir e Rodney trazem no histórico registros de homicídio.

Ao prestar socorro à vítima, os soldados a colocaram no porta-malas da viatura em vez de utilizar o banco traseiro – atitude condenada pela própria PM, que se retratou por e-mail, dizendo que “cabe esclarecer que esta prática não condiz com o processo de formação empregado nos Centros de Ensino da corporação. O Comando da Polícia Militar repudia totalmente este procedimento. Nos casos em que, conforme a avaliação do policial, há possibilidade de socorro para pessoas baleadas, o procedimento adequado é o socorro da vítima no banco traseiro da viatura”.

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Thais Lima, filha de Claudia, disse em uma entrevista que a mãe foi colocada na viatura de qualquer jeito. Quem estava perto tentou impedir que ela fosse levada – e para afastar as pessoas, os PMs deram tiros para o alto. Ela afirma também que viu a porta traseira do veículo abrindo logo na partida, fazendo com que Claudia supostamente caísse pela primeira vez – além da queda mostrada no vídeo. A moça questiona o trajeto feito pela polícia, dizendo que a opção escolhida não era a melhor para chegar até o Hospital Estadual Carlos Chagas.

Ilustração de André Persechini. Via.

Muitas coisas ainda permanecem sem respostas. Enquanto a Secretaria de Saúde afirma que Claudia chegou morta ao hospital onde foi atendida, os policiais relatam que ela estava viva. Assim que o delegado titular da 29ª DP receber todos os laudos da perícia, será feita uma simulação da operação acontecida no Morro da Congonha.

Mais uma vez, percebemos quão inevitável é debater a eficácia das leis e até quando iremos perder outras Claudias e Amarildos. Embora o Código Penal garanta liberdade aos envolvidos enquanto o caso é apurado, é difícil dizer se houve negligência, intenção, despreparo ou falha – e se isso partiu de uma instituição ou de um indivíduo.

Siga a Débora Lopes (@deboralopes) e a Marie Declercq (@marieisbored) no Twitter.