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Como o Feminismo me Salvou do Fundamentalismo

Lentamente, pós-evangélicas da Geração Y encontram um lar no discurso e pensamento feminista.

Era meu aniversário de 29 anos e eu estava sentada no sofá de um clube de striptease com uma dançarina chamada Heather sentada no meu colo. Ela usava um sutiã prateado e uma tanga preta. Eu usava uma camiseta do Harry Potter e calça jeans. Minha amiga tinha oferecido pagar uma lap dance como presente de aniversário. Aceitei a oferta em parte porque estava curiosa, mas também porque tinha de provar para mim mesma que minha política não era só da boca para fora, ou seja, que eu realmente tinha me distanciado da cristã fundamentalista que fui uma década atrás.

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Quando fiz 21 anos, eu não tinha certeza se acreditava em evolução. Eu sabia que o aquecimento global não podia ter sido causado pelos humanos e nunca estive mais consciente da presença e do trabalho de Deus na minha vida. Hesitante, bebi um gole de cerveja stout – minha primeira bebida alcoólica na vida – e proclamei que não sabia o que os próximos anos trariam, mas que tinha certeza de que Deus tinha algo incrível planejado para mim.

Eu era o que você pode chamar de evangélica fundamentalista. Não cheguei a usar saia jeans na altura da canela e lenço cobrindo a cabeça, mas eu tinha a mesma crença: mulheres deviam se vestir com modéstia. Todas nós devíamos nos guardar para o casamento. Homossexualidade era errado. Jesus veio nos salvar da depravação total dos nossos pecados, e liberais que se diziam cristãos estavam mentindo para si mesmos.

Fui criada como evangélica e tinha sido "salva" aos cinco anos de idade. Isso rapidamente se tornou a parte mais importante da minha vida. As páginas dos meus antigos diários estão cheias de consternação e vergonha por pecados que cometi. Num incidente memorável, participei de um baile no acampamento de participação política estadual Girls State. No dia seguinte, escrevi: "Eu me sinto mal, porque não agi de maneira muito cristã. Dancei 'Baby Got Back'; e, depois, me sentei e não fiz nada durante 'I TouchMyself'. Falhei com você, Deus".

Mas, em algum momento do meu ano de caloura na universidade, as coisas começaram a mudar. Talvez tenha sido os amigos liberais que fiz ou o mundo não explodindo quando eu falava palavrões ou bebia. Pode ter sido minha curiosidade com tradições religiosas diferentes e variações dentro da teologia cristã. Só sei que, aos 22 anos, votei nos democratas pela primeira vez na vida e confessei para minha colega de quarto que estava pensando em me tornar a favor do aborto. Algo me desviou das minhas certezas fundamentalistas para o reino enevoado da moral cinza.

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Lentamente, pós-evangélicas da Geração Y encontram um lar no discurso e pensamento feminista. Algumas, como eu, descobrem isso através da educação universitária.

No momento em que eu estava no banheiro daquele clube de striptease de Chicago tirando o batom do meu pescoço, eu não só tinha dado uma volta de 180º nas minhas visões políticas, mas publicado um livro sobre isso e falado abertamente sobre minha vida sexual para quem perguntasse.

Estou muito longe das minhas raízes conservadoras e, ainda assim, me encontro em boa companhia. Há um grande grupo dentro do cristianismo hoje que pode ser chamado de "pós-evangélico". Somos membros da Geração Y, principalmente, que cresceram em igrejas evangélicas fundamentalistas nos anos 80 e 90 e que se desvincularam de suas crenças. Há muitos como nós, considerando que três em cada cinco jovens cristãos deixam a igreja quando completam 15 anos, de acordo com um estudo recente do Barna, um grupo de pesquisa evangélico dos EUA. Encontramos novas formas de pensar e de representar nossas crenças em Deus, geralmente resultando na percepção de que gays são, bom, pessoas e de que nossas antigas igrejas eram comandadas por homens brancos cisgênero.

Muitos desses pós-evangélicos são mulheres cujas vozes eram ignoradas na igreja. Crescemos num mundo onde nos disseram, milhares de vezes, que nossos papéis na igreja e na vida tinham sido definidos por Deus muito antes de nascermos. Devíamos ser esposas e mães, além de termos de permanecer virgens até podermos procriar. E muitas de nós, criadas no mundo pós-revolução sexual, com mulheres em carreiras fora de casa e exemplos femininos poderosos na TV, achávamos esses papéis predestinados restritivos e irritantes.

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Lentamente, numa exploração discreta, membros da Geração Y pós-evangélicas encontraram um lar no discurso e pensamento feminista. Muitas, como eu, descobriram isso através da educação universitária. Expandimos nossas visões de Cristo e da crucificação para incluir um eixo político. Começamos a ver o centro do cristianismo não como a busca pela salvação individual, mas como uma força teológica e política que exige justiça em todos os reinos.

Isso levou muitos pós-evangélicos para o extremo mais liberal do espectro político, fazendo-os votar nas mesmas pessoas que estão "mandando os EUA para o inferno" segundo nossa origem fundamentalista. Enquanto superamos as pressuposições e caixas em que nossa fé nos colocara, descobrimos um mundo novo no qual conversas com amigos não são "oportunidade de testemunho" e em que achar alguém atraente não significa passar as próximas duas horas se autoflagelando.

Uma das mulheres com quem falei ainda teme uma resposta negativa de sua comunidade fundamentalista por falar sobre suas experiências (por isso, preferiu se manter anônima). Ela me contou sobre sua primeira festa de Dia das Bruxas. Ela tinha crescido numa denominação bastante restritiva – com regras inflexíveis sobre as vestimentas e o comportamento para as mulheres, inclusive exigindo que elas cobrissem a cabeça. O Dia das Bruxas era considerado um flerte com o mal e, portanto, proibido. Então, ela tinha 20 e poucos anos quando foi a uma festa de Dia das Bruxas pela primeira vez – uma festa com álcool disponível, para piorar.

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"Eu tinha 25 anos. Fiquei tão nervosa que tive uma enxaqueca forte antes de ir", ela me disse. "Mas não havia orgias, encantamentos, estupores bêbados ou horror. Só um grupo de amigos se divertindo. Foi uma experiência libertadora que abriu meus olhos."

No mundo fundamentalista, ouvimos histórias de terror sobre festas "seculares", celebrações de grande deboche. Amigos que bebem, amigos que participam da "cultura do mundo", são suspeitos, vistos como pecadores justificando seu pecado. Assim, descobrir que o mundo não vai explodir, que você não vai cair numa teia de orgias, que festas são apenas um grupo de pessoas conversando, é libertador e aterrorizante ao mesmo tempo.

Como muitas pessoas que, do nada, se veem em liberdade, não sabemos exatamente como proceder. Somos como garotos amish num rumspringa eterno, descobrindo pela primeira vez o mundo sobre o qual o apóstolo Paulo falou, onde tudo é permitido mas nem tudo convém.

Há um tropo na cultura popular sobre a garota no primeiro ano de faculdade que percebe que está finalmente longe dos pais. Ela pode fazer o que quiser – como tomar sorvete no café da manhã –, e ninguém vai impedi-la. Sobreviventes fundamentalistas são um pouco assim. Estamos descobrindo que podemos tomar sorvete no café da manhã, mas ainda ficamos pensando se nossa mãe não vai aparecer do nada e nos dar uma bronca. Só que não estamos falando de sorvete e mães – mas de Deus e do universo nos mandando para o inferno.

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Mesmo depois de sair da igreja, o medo continua em você. Você acha que o julgamento de Deus vai acabar pesando sobre todas as decisões pecaminosas que você tomou em sua nova liberdade.

Continuar na igreja significa que a bronca nunca está longe. A autora de best-seller do New York Times Rachel Held Evans experimentou isso em primeira mão. Quando Evans ousou usar o pronome "ela" para Deus numa postagem de blog em 2012, ela não imaginava que, dois anos depois, o presidente do Conselho pela Masculinidade e Feminilidade Bíblica pegaria essa palavra, essa frase, e escreveria invectivas sobre ela. Owen Strachan a chamou de herege, perigosa e várias outras coisas – porque ela exibia uma fé que priorizava mulheres e reconhecia uma longa tradição de se referir a Deus em Espírito por pronomes femininos. Para evangélicos fundamentalistas, é impossível separar a subjugação das mulheres e a divindade de Deus. Estamos no lugar certo quando nos "submetemos" aos homens, deixando que eles tenham o controle. Então, quando as mulheres percebem que têm uma humanidade, um desejo sexual e uma voz, nosso fundamentalismo geralmente desmorona. Muitas mulheres se tornam pós-evangélicas porque nossas identidades não se encaixam mais nas categorias que os evangélicos prescrevem para nós.

Mas, apesar dos nossos esforços para deixar para trás ideias opressivas da igreja, algumas delas continuam com você. Naquela sala mal iluminada, naquele sofá sujo, enquanto a stripper Heather dançava para mim, eu só conseguia pensar numa coisa: não posso contar isso a ninguém, nunca.

Mesmo depois de sair da igreja, o medo continua em você. Você acha que o julgamento de Deus vai acabar pesando sobre todas as decisões pecaminosas que você tomou em sua nova liberdade. Esse é o centro da luta que um ex-fundamentalista cristão enfrenta: nunca conseguimos nos livrar da ideia de que podemos estar errados, de que Deus pode nos punir no pós-vida. E grande parte da igreja nos EUA fica de braços cruzados, esperando o julgamento chegar.

Dianna E. Anderson é a autora de Damage Goods: New Perspectives on Christian Purity. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor