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Como um Teaser de 60 Minutos se Tornou o Melhor Videogame de 2014

Não é exagero dizer que são os 60 minutos mais chocantes, surreais, febris e implacavelmente aterrorizantes que você já experimentou num jogo.

De todas as coisas que eu esperava de agosto – acabar enchendo a cara numa calçada quente qualquer com os babacas do meu trabalho, por exemplo –, uma demo grátis abalar todas as minhas bases sobre o mundo do videogame não era uma delas.

Mas debruçado lá, na frente do meu computador, na hora do almoço, vendo a tela se encher com elogios cada vez mais hiperbólicos dos membros do segundo fórum mais reclamão da internet… eu sabia que tinha alguma coisa muito especial esperando por mim no PSN quando eu chegasse em casa.

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Evitei os spoilers e saí de lá com três informações pertinentes.

Uma: Era só um teaser, não o jogo completo, desenvolvido pelo criador do Metal Gear Solid, Hideo Kojima, e pelo diretor de O Labirinto do Fauno, Guillermo del Toro.

Duas: O nome era P.T. e se relacionava tangencialmente com a franquia Silent Hill.

Três: Na pior das hipóteses, eu ia ficar com medo. Na melhor, eu ia ficar completamente apavorado.

Comecei a espumar pela boca na hora, coloquei o jogo para baixar e esperei o céu ir do laranja ao muito, muito preto. Aí, puxei meu sofá-cama velho, aumentei o volume e deixei o jogo começar.

Não valeu de nada ter jogado (e adorado) Amnesia: The Dark Descent, Outlast, Condemned e outros dos chamados Jogos Mais Assustadores da História, mas, como eu tinha me decepcionado com as entradas mais recentes do cânone Silent Hill, entrei na minha primeira experiência com P.T. ansioso porém cético: não dava pra ficar com tanto medo assim, né?

Ah, se eu soubesse.

Uma barata passa pelo chão de concreto, uma porta de madeira range e se abre à sua frente: seu personagem se levanta e você empurra o direcional analógico, andando por um corredor interno assustadoramente realista de uma casa. Uma das primeiras coisas que você percebe é que a corrida pelo fotorrealismo nos videogames acabou – já chegamos lá.Quando o videogame carrega, um slide preto e branco aparece e faz uma pergunta enigmática: "Cuidado. O vão da porta… é uma realidade separada. O único eu sou eu. Tem certeza que o único você é você?".

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Você vê pinturas nas paredes, fotos sinistras de recém-casados desmazelados na cômoda, uma lanterna pendurada range enquanto balança e um relógio digital parou às 11h59. A chuva bate suavemente nas janelas.

Além disso e de seus próprios passos pesados, o único outro som é o de um noticiário saído de um rádio velho, ecoando no espaço vazio.

Entre estalos e estática, o locutor relata um caso brutal de violência doméstica. Um homem, que atirou na esposa grávida e na filha de seis anos, foi achado pela polícia em seu carro dias depois, repetindo uma sequência de números sem parar.

Você entra pela porta aberta no final do corredor em forma de L e está no mesmo lugar onde começou.

É o mesmo corredor. As mesmas fotos te olham dos porta-retratos. A chuva ainda bate na janela. O mesmo relógio ainda está parado na mesma hora e a mesma lanterna balança no teto. Mas, dessa vez, não há a transmissão de rádio e a porta de saída está trancada. Você anda pelo lugar e tenta sair, e é aí que a merda começa.

Não é exagero dizer que o que se segue são os 60 minutos mais chocantes, surreais, febris e implacavelmente aterrorizantes que você já experimentou num jogo.

Como descrever o horror que se segue? Pense na mulher no radiador de Eraserhead, na cena do homem-cachorro em O Iluminado, nas visões de Jacob Singer, liberate tuteme ex-inferis, em ouvir Conet Project à luz de vela, na voz do Babadook ou num House of Leaves totalmente interativo – e você está no lugar certo. Além dos sustos, Kojima e del Toro criaram uma sensação de inferno doentio, cíclico e desorientador que dura até o fim.

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Em certos momentos, o jogo nem parece ter sido criado por humanos: parece mais uma transmissão demoníaca de outro plano de existência, te empurrando para mais uma viagem através daquela maldita porta horrível.

Por que aquela coisa está parada ali? Por que tem uma voz aguda falando em sueco no rádio, um saco de papel falante, um feto na pia? Por que ele me diz para não tocar no botão? Que botão? Por que ele continua repetindo esses números? Onde diabos fica essa casa? Por que as luzes estão mudando de cor? Eu realmente tenho que olhar atrás de mim? P.T.deixa o jogador fazendo muitas perguntas, mas é mesquinho com as respostas.

E você vai continuar tentando encontrá-las enquanto uma voz sintética fantasmagórica soluça desesperadamente no seu fone, um bebê traumatizado grita nos confins de um refrigerador encharcado de sangue, um silêncio arrepiante parece te observar de cima e a ameaça constante da aparição dela deixa seu coração disparado.

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Depois de mais ou menos umas dez variações cada vez mais dementes do corredor em forma de L, você entra no maior quebra-cabeça: um loop inescapável. Você fica dando voltas e voltas, tentando achar o caminho para a próxima "versão". Nesse ponto, você vai inevitavelmente procurar um passo-a-passo na internet. E aí você entra em contato com uma comunidade raivosa de teóricos do jogo, todos tão sedentos por respostas quanto você. Quando você finalmente resolve o quebra-cabeça, um telefone toca, desencadeando uma mensagem de voz misteriosa que leva lindamente ao trailer de Silent Hills, de 2016. Acabou.

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P.T. é notável por três razões principais.

Primeiro, a jogabilidade é totalmente crua. Você anda pelo espaço, clicando ocasionalmente no direcional direito para dar zoom em partes do corredor.

Segundo, é um exemplo excepcional de marketing. Só o boca-a-boca fez o jogo atingir um milhão de downloads logo depois de ele chegar ao PSN de graça.

Por último, esse é um candidato forte ao jogo de videogame mais assustador já feito. Quando acabei, me senti deprimido, assombrado e perturbado de verdade. Jogando no escuro e de fone, você vai ver seu dedão tremendo em cima do botão home antes de conseguir dizer 204863. E, se podemos acreditar no trailer apavorante de TGS, de 2014, vamos ter ainda mais disso, só que pior, quando Silent Hills for lançado em 2016.

Num ano que teve as sequências de Dark Souls e Bayonetta, P.T. ter acabado no primeiro lugar no meu top 10 de 2014 (e de vários outros jornalistas e gamers também) é um milagre. Mas é impossível não admitir: videogames nunca conjuraram uma atmosfera de medo como essa antes. Claro, Amnesia é intenso, mas não tem uma aparição caolha cobertade vômito te espiando da chuva lá fora.

P.T. é uma hora de companhia malvada onipotente, conspirando para mexer com a sua cabeça e te deixar se sentindo sozinho, desesperado, perdido em caos psicológico e repetindo "Vai embora, por favor. Vai embora, por favor" pra você mesmo.

Igual àquele happy hour com o pessoal do trabalho.

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Tradução: Marina Schnoor