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Entretenimento

Como Virais Moralistas Cínicos Tomaram a Internet

Quando se trata de apontar o dedo para os males terminais da nossa sociedade, os YouTubers não têm medo de pegar pesado – principalmente se houver a chance de descolar um troco depois.

Assim que o medo de aparecer sem querer num flashmob de propaganda de operadora de celular passou, outra tendência viral escrota surgiu. Só que essa é menos coreografia e mais "Por que parece que alguém trocou meu coração por um cocô enquanto eu dormia?". Quando se trata de apontar o dedo para os males terminais da nossa sociedade, os YouTubers não têm medo de pegar pesado – principalmente se houver a chance de descolar um troco depois.

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Abordar a misoginia é o tópico quente do momento. Depois de toda a atenção da mídia e os mais de 36 milhões de visualizações no YouTube do recente 10 Hours of Walking in NYC as a Woman, uma coisa ficou clara: a indignação coletiva na internet gerou um clamor popular exigindo a recriação infinita desse vídeo.

Um dos caras que entendeu isso assim foi Stephen Zhang, criador do vídeo "Drunk Girl In Public", no qual três caras, no que parece ser um experimento com câmera escondida, tentam levar uma garota que finge estar bêbada para casa. Zhang supostamente se inspirou no vídeo "10 Hours", e é fácil ver o porquê: se tem uma coisa que as pessoas odeiam mais que sexistas de calçada, é ameaça de estupro. A maioria da internet, compreensivelmente, não curte estupradores.

Mas o vídeo foi rapidamente exposto como uma farsa. Os participantes foram manipulados por Zhang e seu copiloto, Seth Leach, para fazer o papel de estupradores entusiasmados. E ficaram furiosos quando viram a versão final. Ainda assim, apesar de a coisa toda parecer uma performance de improvisação de escola de teatro, o vídeo foi visto 7 milhões de vezes. Aproveitando-se de seu sucesso na internet, Leach mandou uma mensagem cínica para os coadjuvantes do vídeo, dizendo que ele deviam "seguir a deixa", acrescentando que "ia tomar conta deles". Por "deixa", ele provavelmente quis dizer que essa coisa de "ser reconhecido para sempre como um estuprador em potencial".

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Indo por outro caminho na tentativa de revirar as pedras do patriarcado e desmascarar todos os homens como os vermes sexistas que eles são, temos um vídeo sensivelmente batizado de "Fat Girl Tinder Date". Num mashup de OAmor É Cego e pegadinhas de TV, uma garota magra e seus diretores escrotos fizeram um perfil falso no Tinder, marcaram vários encontros e, então – ALERTA DE SPOILER! –, ela aparecia disfarçada de gorda.

Aí a garota fantasiada de gorda fazia os caras olharem pro seu rostinho rechonchudo, pedia elogios e fazia perguntas como: "Mas a aparência não importa, né?". A maioria dos caras deu uma desculpa e foi embora, porque: a) preferiram não perguntar por que aquela mina esquisita estava claramente usando uma fantasia de gorda; ou b) ficaram (compreensivelmente) irritados por ela ter mentido sobre sua aparência no Tinder.

No final, a mulher magra e bonita finalmente revela que não era uma gorda e informa ao único cara que resolveu ficar que ela é uma gostosa disfarçada, numa demonstração quase inacreditável de presunção. Mas os homens são uns babacas superficiais mesmo, né?

Outro exemplo de como essas filmagens de "experimentos sociais" cagaram a internet recentemente: um vídeo sueco de violência doméstica já teve 3,7 milhões de visualizações. O responsável pelo viral é um grupo de pegadinhas chamado STLHM Panda, que, segundo os membros, tem o costume excêntrico de "fazer experimentos sociais, brincar com as pessoas e documentar a sociedade em que vivemos".

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Na semana passada, os caras do STLHM saíram em busca de novos cliques, mas deixaram as pegadinhas de gente se bronzeando ou assustando pessoas com fantasias de Halloween de lado. No vídeo, que tem uma trilha sonora dramática de piano, um ator grita e estapeia sua namorada num elevador. O fato de só uma mulher entre 53 testemunhas intervir no conflito é bastante incômodo.

Muito do entusiasmo do público por esses vídeos parece vir de uma repulsa moral de autoafirmação, a qual o psicólogo especializado em internet Graham Jones explica ser "um meio de o indivíduo conferir o que é aceitável e se ele se comportaria daquele mesmo jeito ou não". Psicólogos acreditam que recebemos algum tipo de edificação indireta através da nossa própria reação horrorizada e das especulações sobre como teríamos agido na vida real quando só estamos registrando nosso ultraje nos comentários enquanto comemos pizza no sofá.

E pizza foi o acessório escolhido pelos produtores de outro "experimento" duvidoso realizado com o intuito de expor a escrotidão da humanidade e, depois, colher cliques. Com 23 milhões de visualizações para o vídeo "Asking Strangers for Food", os caras da OCKTV (dois caras de aparência sincera e cintos de rebite) saem por aí pedindo um pedaço de pizza para estranhos. Aí eles dão uma inteira para um mendigo. E quando lhe pedem uma fatia, o mendigo compartilha a pizza com os dois. "Esse vídeo vai mudar o jeito como você pensa!", promete a sinopse. Uma cena realmente visceral de humanidade, que só melhora com as camisetas da OCKTV que os caras usam o tempo inteiro.

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O psicólogo clínico Tom Bakes admite que essa sequência triste de Punk'd é "um tanto preocupante". Ele afirma que, enquanto tentamos achar nosso lugar na sociedade, "tendemos a procurar outras pessoas com quem nos comparar – esses 'grupos de referência' nos ajudam a decidir como nos sentir e nos comportar". Desfrutar da falha moral dos outros "é geralmente algo moderado na vida real, já que sabemos que é errado ter prazer com a dificuldade alheia, mas ver isso pelo YouTube talvez nos liberte dessas inibições".

Essa onda relativamente nova de "virais morais" forma um gênero independente de conclusões antecipadas e cínicas. Há algo de inegavelmente compulsivo nessa repulsa moral e consequente superioridade que os diretores desses vídeos buscam oferecer, e a facilidade com que é possível manipular os botões da nossa alma é, sem dúvida, o elemento mais deprimente da coisa toda. Mesmo que você fique feliz em ver os babacas 100% autênticos desmascarados nesses vídeos, não dá para não se arrepiar pensando numa dupla de nerds formando um elenco de estupradores falsos na busca de lucro fácil no YouTube.

Nunca achei que diria uma coisa dessas, mas, se os flashmobs tiveram de morrer para dar lugar a isso, então, pelo amor de Deus: volta, flashmob. Se isso significa que tenho de aprender a tocar "All You Need Is Love" no trompete, estou disposta a fazer isso pelo bem da humanidade. Porque se flashmobs existem para nos lembrar, de um jeito bem babaca, que as pessoas estão unidas pela vontade de ouvir clássicos pop, então esses experimentos sociais deprimentes são o antiflashmob: eles estão aqui para nos lembrar que as pessoas também estão unidas na tendência de se comportar como escrotos e egoístas.

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Tradução: Marina Schnoor