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Conheça o Cara que Ganha a Vida Desenhando Personagens do Charlie Brown Menstruadas

Ant é sem-teto numa das cidades mais ricas dos EUA.

Esta é uma série de quatro textos que mostra a vida da grande população de sem-teto de São Francisco, pessoas que vivem à margem de uma das cidades mais ricas dos EUA. Clique aqui para ler a parte um.

“A escola de artes é um golpe”, me disse Ant enquanto encaçapava a bola oito, depois de quatro minutos de jogo. “Peguei uns US$ 5 mil de empréstimo, o que não era tanto assim. Mas, sabe, eu não tinha o dinheiro, blá blá blá… e os juros acabaram maiores que o total do empréstimo.”

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Ele enrolou uma das antenas que saíam de sua cabeça, presas com elásticos azuis. Não sei o que veio primeiro, o apelido ou o penteado. “Eu devia uns US$ 20 mil. Então eles foram até o meu trabalho e ameaçaram confiscar meus salários. Eu trabalhava num lugar de verdade, pagando imposto. Eu fazia smoothies.”

“Então você teve de pagar?”, perguntei.

“Não. Me demiti e comecei a receber o seguro-desemprego. Eu disse que não tinha onde morar, que dormia no sofá de amigos, em carros. Uma coisa levou a outra, e isso me levou à minha primeira SRO [Single Room Occupancy, uma moradia social de cômodo único] em Tenderloin. Foi a pior coisa.”

Ant era a única pessoa no bar do distrito de Mission que não estava prestando atenção ao jogo da Copa do Mundo que passava na TV. Distraído, ele estava no meio de sua ronda, indo de bar em bar com uma sacola cheia de camisetas “I Like Yella Pussy” e “Holocaust Acknowledger”, além de cartazes desenhados à mão de personagens do Minduim menstruados. Enquanto planejávamos uma visita minha ao quarto que ele ocupa em Valencia St., Ele me contou que não tinha celular nem computador. “Tudo que eu tenho é um rádio-relógio, e na maioria das vezes o rádio liga sozinho.” Antes de nos separarmos, comprei um desenho da Lucy mostrando os seios para um Schroeder assustado e fiquei imaginando se este artigo não levaria a um processo por violação de direitos autorais do senhor Schulz.

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Chegando lá, para minha surpresa, o quarto de Ant era quase estéril. Fora uma cama de casal num canto que ocupava um terço do espaço, ele tinha empilhado alguns equipamentos de cozinha e de arte nos cantos opostos, com alguns recortes de jornal e bilhetes colados no batente da porta. Na faculdade, eu era amigo de alguns estudantes de arte, e todos cobriam as paredes de seus quartos com a própria arte – para inspiração, acho. As paredes de Ant eram nuas: seus pôsteres e camisetas estavam cuidadosamente embalados de um lado. Olhando pela janela, era possível ver os prédios da vizinhança, onde o aluguel provavelmente é de alguns milhares de dólares por mês. Trabalhos inacabados estavam espalhados pela cama e pela escrivaninha, mas tudo parecia formar o que minha mãe costuma chamar de “caos organizado”.

VICE: De onde você é?
Ant: Nasci um cidadão americano em Okinawa. Meu pai foi reprovado na escola de inteligência militar quando tinha uns 40 anos, então o mandaram pra Okinawa para ajudar na reconstrução depois da última batalha da Segunda Guerra Mundial. Nasci num hospital militar.

Como o John McCain.
Isso, isso.

O que te trouxe a São Francisco?
Cheguei aqui em 1980 porque tinha um irmão em San José e dois irmãos aqui na cidade. Mas eu não era muito ligado a eles. Sou o irmão do meio, quatro garotos.

Você faz várias artes de menstruação sobre o Charlie Brown. Você já recebeu alguma ameaça legal por causa disso?
Ainda não. Esse é um dos meus objetivos. Não estou ansioso por isso, mas se acontecer, aconteceu. Tipo, se eu fizer muito dinheiro com isso, a notícia vai se espalhar e aí que os problemas começam. Mas estou longe disso.

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Qual o seu objetivo nesse trabalho?
Nenhum. Estou só tentando fazer alguma coisa. Tipo, se eu fizer isso e essas coisas venderem, aí faço um novo estoque e continuo daí. Enquanto faço essas coisas, outros projetos vêm à minha mente. E eu faço minhas rondas: Zeitgeist, Benders, Lucky 13, Mad Dog e Toronado, os bares de Mission e Lower Haight. Vou até as pessoas em vez de elas virem até mim. É melhor assim. Nada de site, computador. E eu parei de ver televisão em 2008, quando eles mudaram de analógico para digital.

Então, se alguém quiser comprar sua arte, eles só precisam ir até um bar de Mission e te encontrar lá.
É. É tudo uma questão de timing, você tem de estar no lugar certo, na hora certa.

Quanto custa morar aqui? Se você não se importa de eu perguntar.
Na verdade eu não sei. Quando cheguei aqui, eles disseram: “Ah, você pode varrer a rua em troca do quarto”. Então eu faço isso nos dias de semana entre 7h e 10h, na 24th. Mas todo mundo chega lá às 7h30 e vai embora por volta das 9h30, então você só trabalha umas quatro horas por semana. Agora eu devo ter uns quatro ou cinco anos de comparecimento perfeito, e as pessoas do Departamento de Serviços Públicos devem saber disso. Isso devia ligar um sinal vermelho ou alguma coisa que dissesse: “Esse cara é qualificado demais para varrer ruas”. Quer dizer, estou no modo de sobrevivência desde a quinta série, então, tipo, quando eu estava trabalhando e as pessoas dos bancos vieram atrás de mim por causa do meu empréstimo estudantil, pensei: “Foda-se, vou viver num carro”. Então morei no carro do meu amigo.

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Que carro era?
Ford Capris. Num estacionamento na Scott e Steiner. Morei lá por uns dois anos. Aí cruzei com meu irmão e ele disse: “O pai está doente, alguém precisa ir para Okinawa cuidar dele ou pelo menos estar do lado dele”. Então fui pra lá. Ele me deu dinheiro e eu fiquei uns dois anos, até ele morrer. Depois voltei pra cá e agora isso é tudo que eu tenho.

Você gosta de morar aqui?
É o melhor lugar em que morei na cidade. Antes de me mudar para cá, vivi em Tenderloin por sete anos entre a Post e a Polk. Foi a pior coisa. Era tipo isso, mas muito menor, mais tosco e sujo.

Como assim?
Lembro que alguém incendiou o próprio quarto. Na verdade, aconteceu um assassinato umas duas portas depois da minha, acho que teve alguma coisa a ver com as pessoas bebendo e usando drogas naquele quarto, arrumando briga. Tínhamos três ou quatro mortes por ano. As pessoas morriam durante o sono.

De quê?
Você lembra do Boz Scaggs? Ele tinha um filho que morava aqui. Ele tinha uns 20 e poucos anos e morreu de overdose neste prédio, em algum lugar no quinto andar. Alguma coisa aconteceu com a Danielle Steele, a escritora; um filho dela morreu de overdose neste prédio também. Isso foi quando eles tinham heroína da boa aqui nos anos 90.

E você vê muitas overdoses por aqui?
Isso acontecia mais quando recebíamos esses cheques de subsídio do Departamento de Energia ou alguma merda assim, eles chamavam isso de cheques HEAP. Sempre que as pessoas recebiam isso, elas usavam um monte de drogas, sabe? Duas semanas depois e toda a grana tinha ido. Mas agora não recebemos mais isso porque o governo fez uns cortes.

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Você usa drogas?
Meu Deus, não. Só fumo maconha. Crack, metanfetamina e heroína são tóxicos pra mim.

Eles têm leis antidrogas aqui?

Elas não são tão restritas. Já vi gente aqui andando com seringas, indo até o quarto deles para injetar. Eles compram isso em outro lugar, já carregada e tudo mais. Vi um cara com um cachimbo de crack, fumando no final do corredor, mas ele foi despejado.

Aliás, esta não é a Chaka Khan.

E as pessoas são despejadas por causa de coisas assim com frequência?
Meu Deus, muita gente simplesmente volta. Eles não estão reabilitados.

O que segura esse pessoal aqui?
Ah, eles têm trabalho para essas pessoas também. Mas ninguém diz pra eles o que fazer, que eles precisam fazer qualquer coisa. Sabe? Eles não estão apertando os parafusos. Essas pessoas ainda não receberam um ultimato. Elas precisam não ter outra opção a não ser tomar jeito.

Semana que vem vamos conhecer um cara azarado que diz ter levado 13 facadas e sobrevivido.

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Tradução: Marina Schnoor