Foto por Felipe Larozza.O fim da Copa, daqui a poucos dias, dará início à maior ressaca futebolística dos últimos 64 anos. Esqueça as transmissões ao vivo de até três partidas diárias na TV, o desfile de gringos, o churras e o bolão na firma. Quando o novo dia raiar, será a vez dos pernetas de sempre, a vez da dura realidade do futebol nacional entrar de sola outra vez.Três dias depois da grande final da Fifa, 12 equipes nacionais voltarão a se enfrentar pela décima rodada do Campeonato Brasileiro. Sairão de campo Brasil, Argentina, Alemanha e Holanda, para a entrada dos scratches de Sport de Recife, Criciúma, Coritiba, Goiás, Figueirense e Bahia, envolvidos numa sequência de seis partidas das quais pelo menos duas devem ocorrer nos novos estádios da Copa, já no dia 16.Nomes como Zé Love, Tarracha, Neto Coruja, Uelliton, Neuton e Rychely pisarão no gramado das modernas “arenas”. Com eles, voltam às arquibancadas as torcidas organizadas e a suspeita de que nada será como antes. Nada de torcedores rivais confraternizando dentro dos estádios, nem de partidas sem alambrado e Tropa de Choque de prontidão, com seus cães, à beira do gramado. Algumas das melhorias que fizeram os jogos dos últimos dias parecerem coisa de campeonato europeu ficarão apenas na memória. Mas outras mudanças – como o fim dos fossos que separavam a torcida dos gramados, como no Mineirão e no Maracanã – serão, de fato, legados da Copa.O jornalista esportivo Juca Kfouri disse à VICE que “após a Copa, os estádios deverão ser ‘customizados’ para enfrentar os hábitos da torcida brasileira. Ou serão elitizados e viverão vazios”.Como ele, muitos analistas dizem que o Brasil estará diante de uma bifurcação existencial: ou mantém os estádios tinindo, no padrão Fifa, e elitizam a plateia, elevando preço de ingressos, ou “customizam” os estádios para receber os brasileiros de volta, no padrão habitual de desconforto e desrespeito dos campeonatos locais.Outro especialista no tema, o jornalista Mario Marra, da rádio CBN, diz que o perfil dos torcedores de estádio já vinha mudando desde antes da Copa. “Já havia ingressos a R$ 200. Se você dissesse, cinco anos atrás, que isso aconteceria, dariam risada. Mas veja a final da Libertadores da América: a renda com ingressos foi de R$ 14 milhões.” O jogo teve mais de 56 mil pagantes, na maior bilheteria da história do futebol nacional. Atlético Mineiro e Olímpia, do Paraguai, se enfrentaram diante de torcedores que pagaram R$ 100 pelo ingresso mais barato. A bilheteria superou em 70% o recorde anterior, que era da partida entre Brasil e Inglaterra no Maracanã.As empresas privadas que exploram as novas “arenas” – a palavra estádio é coisa de pobre, coisa do passado – apostam na elitização. Mas, mesmo se não der certo, o lucro estará garantido por força de contrato. Um dos casos mais exemplares é o do Mineirão, em Belo Horizonte, onde “foi estabelecida uma faixa de rentabilidade que dá sustentabilidade ao negócio. Se ela não for atingida, o governo deve complementar o valor até determinado teto; se ela for superada, o excedente é dividido entre os parceiros”. Ou seja: o governo de Minas é fiador do lucro da Minas Arena e colocará dinheiro público para garantir esse lucro sempre que o ganho com bilheteria for inferior ao estipulado em contrato. A Minas Arena não respondeu à pergunta da VICE sobre qual é exatamente o valor determinado em contrato.A Concessionária Maracanã – formada pela Odebrecht Properties, IMX Venues e Arenas, e a norte-americana AEG – diz que o fosso que havia no estádio, separando torcedores e gramado, não volta. “O Maracanã não possui grades entre gramado e a arquibancada, garantindo maior proximidade do torcedor ao campo e visibilidade. Desde o início da operação da concessionária, em julho de 2013 até a entrega do estádio à FIFA para organização e realização da Copa do Mundo, foram realizadas 90 partidas no estádio, muitos deles com grandes públicos, tanto no Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e Libertadores, sem registro de qualquer problema quanto à segurança do torcedor”, disseram, por meio de nota.O botox nos estádios se repete na Arena da Baixada, em Curitiba, onde a grade não existe mais, e em outras arenas da Copa – sejam elas usadas para grandes campeonatos ou destinadas a show e exposição de gado nos Estados onde não existem campeonatos expressivos de futebol.Mas mesmo locais tradicionais e mais antigos, sem nenhuma relação com os jogos da Copa, como a Vila Belmiro, do Santos, já vinham se adaptando aos novos padrões, com a substituição de grades metálicas por vidros e a instalação de cadeiras no lugar das arquibancadas de concreto.Massa diz que o movimento não terá volta. Para ele, o risco desse legado é que o futebol brasileiro pós-Copa se descole do povo.
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