FYI.

This story is over 5 years old.

Edição Fantasmagórica

Corrida Pela Liberdade

Raramente alguém tem a chance de vivenciar a História, de testemunhar uma revolução em primeira mão e toda sua terrível glória. Porque é terrível.

Shane a caminho de Misurata a bordo de um antigo navio de cruzeiro transformado em balsa revolucionária.

Na primeira vez em que fui à Líbia, em 2010, fui preso dois dias depois de chegar. Eu estava gravando um documentário para a VICE e fui detido por filmar lugares que as autoridades achavam que eu não deveria filmar. O que se seguiu foram rodadas intermináveis de perguntas, gritos enfáticos e gestos de incredulidade diante das minhas alegações de inocência – e, claro, a indispensável implicação de que eu era espião. Quando finalmente fui liberado, jurei nunca mais voltar à Grande Jamairia Socialista Árabe do Povo Líbio (o nome oficial do país). Mas a promessa foi quebrada exatamente um ano depois, em meio a uma caótica e violenta revolução.

Publicidade

Raramente alguém tem a chance de vivenciar a História, de testemunhar uma revolução em primeira mão e toda sua terrível glória. Porque é terrível. Comunicação esporádica e desordenada, infraestrutura danificada e dilacerada que dificulta o deslocamento, eletricidade intermitente, refeições esporádicas, barulho da artilharia ao longe e de tiros de armas de fogo por perto garantem boas doses de adrenalina. É, na melhor das hipóteses, um caos organizado e, na pior, um caos anárquico. Mas não deixa de ser um caos maravilhoso. Assistir à luta pela liberdade contra um dos ditadores mais tirânicos da história recente há de ser um dos momentos mais inspiradores da minha vida.

Poucas pessoas anteviram a Primavera Árabe. Passei muito tempo no Oriente Médio e teria apostado uma grana preta que aquele tumulto generalizado jamais aconteceria na região. Então, mesmo quando a rebelião irrompeu no início do ano na Tunísia e no Egito, eu ainda achava pouco provável que o mesmo pudesse acontecer na Líbia – Gaddafi tinha muito poder, controle e dinheiro para que pudesse efetivamente ser desafiado pela população. Só que mais uma vez eu estava errado.

Minha segunda ida à Líbia consistiu em duas semanas viajando da fronteira com o Egito até Bengasi e depois até as linhas de frente em Misurata, me juntando a diferentes grupos rebeldes pelo caminho. Fiquei chocado ao ver o quanto muitos deles eram jovens. Mal tinham saído da puberdade e já estavam lutando com qualquer coisa que encontravam (um deles carregava um arpão), demonstravam tanto heroísmo e coragem que eu me despedaçava ao falar com eles. Um rebelde com quem conversei, mesmo tendo perdido uma perna, tinha acabado de deixar o hospital para poder voltar para as linhas de frente. Uma ONG havia oferecido a ele uma passagem de avião até a Alemanha e uma nova prótese, mas ele preferiu fugir do hospital para se reunir com seus camaradas.

Publicidade

Mais tarde, conheci outro grupo que tinha acabado de voltar do fronte entre Trípoli e Misurata. Eram, em sua maioria, adolescentes de Bengasi. Estavam em 68 quando chegaram. Quando os encontrei, só restavam 35. Apesar da grande baixa eles ainda estavam otimistas. Mas a grande pergunta pairando sobre tudo era “Por que estão lutando?”. Fiz essa pergunta para diversas pessoas – banqueiros, vendedores, estudantes, pedreiros, engenheiros e ex-legalistas de Gaddafi – e ouvi sempre a mesma resposta: “Liberdade”. Era como o final de Coração Valente toda vez que um rebelde olhava nos meus olhos e dizia isso. Um menino de 16 anos me disse: “Morrerei para que outros possam respirar um ar livre”. É estranho ouvir isso de um adolescente, até porque a maioria dos rebeldes não tinha idade suficiente para ter conhecido um sistema político diferente do Gaddafismo. Arriscar a vida por liberdade é uma coisa, arriscar a vida pelo conceito da liberdade é outra completamente diferente.

Eles não estavam lutando pela xariá ou para se tornarem mártires. Também não estavam lutando pelo islamismo ou contra o Ocidente. Estavam lutando para destituir um homem que, nas últimas quatro décadas, patrocinou quase todas as organizações terroristas do planeta. Um homem responsável por explodir aviões (o atentado de Lockerbie e o voo UTA 772), ordenar inúmeros assassinatos, roubar a maior parte do petróleo (e, portanto, da riqueza) de seu país para si e para sua família, além de transformar a Líbia em um estado policial e pária internacional. Jovens estão morrendo para livrar seu país desse terrível ditador, para simplesmente poderem ser “como todo mundo”.

Publicidade

Quase todos os prédios exibiam antigas bandeiras tricolores, anteriores ao regime de Gaddafi, para mostrar apoio à revolução. Também havia bandeiras da França (primeiro país a fornecer armas aos rebeldes), Qatar (maior doador e fornecedor de gás), Alemanha (participante nas missões da OTAN) e dos EUA. Quando perguntei por que exibiam bandeiras americanas (a Líbia provavelmente divulgou mais propaganda antiamericana nos últimos 40 anos do que qualquer outro lugar do planeta) responderam que era porque, para eles, os EUA significam a liberdade.

Quando finalmente chegamos a Misurata, a cidade estava cercada pelas tropas de Gaddafi e só era possível acessá-la por mar. Lentamente, nos deslocamos até o fronte, com paradas periódicas para falar com rebeldes. Conheci um garoto de 15 anos que estava adaptando um caminhão para ser usado como lançador de mísseis Grad para a batalha. Radiante, ele queria saber se eu poderia “pedir novas armas para o Clinton e para o Obama” para que eles pudessem derrotar Gaddafi e ele, particularmente, pudesse realizar seu sonho de jogar basquete no Miami Heat ou no Dallas Mavericks. Enquanto conversávamos, me dei conta de quanta coisa mudou em tão pouco tempo – essa era uma Líbia bem diferente da que eu havia conhecido no ano passado. É um país completamente novo. Ver tanta coragem e convicção tão de perto faz você perceber que tudo é possível, que podemos de fato mudar nosso futuro. Podemos escrever nossa própria história. E, de fato, precisamos fazer isso.

Publicidade

Muitos dos combatentes que lutavam pela liberdade na Líbia mal tinham saído da puberdade.

Na relativamente segura capital rebelde de Bengasi, não pudemos deixar de notar que as tropas estavam mais preocupadas com suas roupas do que com seus amaradas no fronte.

Um rebelde na linha de frente que nos pediu para avisarmos Gaddafi que ele estava indo pegá-lo.

Após perder uma perna, esse homem escapou do hospital para voltar à luta. Você não vai querer se meter com ele nem conhecer suas habilidades com o arpão.

“Fofo” não é uma palavra que normalmente se usa para descrever jovens árabes armados usando balas como joias, mas e o Abdul Salam Faituri aqui? Coisa mais fofa.

Nosso guia de 11 anos nos mostrou as assustadoras ruas de Misurata.