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Dados Chocantes Mostram como Famílias Pobres Estão Sendo Forçadas a Sair de Londres

Os dados fornecidos com exclusividade para a VICE mostram quantas e quais são as "áreas da pobreza" que existem dentro da capital inglesa.

Quando os cortes nos benefícios de moradia foram anunciados em 2010, o prefeito de Londres, Boris Johnson, disse que não aceitaria "nenhum tipo de limpeza social ao estilo de Kosovo em Londres", acrescentando que "a última coisa que queremos na nossa cidade é uma situação como a de Paris, onde os mais pobres são empurrados para os subúrbios".

Mas, cinco anos depois, todo mundo à esquerda de Boris, em algum ponto, já lamentou a limpeza social em andamento na cidade. Porém, quem realmente está sendo enxotado de Londres? E como essas pessoas se sentem a respeitodisso? Infelizmente, o aspecto menos reportado da mudança rápida da capital inglesa é o destino daqueles que se veem obrigados a sair. Houve uma enxurrada de manchetes em 2012 e 2013 sobre os conselhos dos bairros de Londres especulando locais para seus inquilinos sem-teto como Stoke, Hastings, Birmigham e além. Mas tudo foi sempre especulativo: ninguém tinha realmente demonstrado como muitas pessoas estão sendo forçadas a sair da cidade – até agora.

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Pela primeira vez, a VICE pôde confirmar com fatos o que sempre foi visto como uma possibilidade de um êxodo dos pobres de Londres. Não é uma tendência fácil de se medir, ou de se mostrar, porque não há um sistema de monitoramento desse aspecto para a cidade inteira. Mas dados recolhidos através de várias requisições FOI (Freedom Of Information) submetidas pelo Partido Verde britânico nos últimos cinco anos, vistos com exclusividade pela VICE, destacam alguns detalhes sobre uma das questões mais significativas a serem debatidas na próxima eleição no Reino Unido.

Todos os gráficos abaixo mostram números de 15 dos 32 conselhos de bairros de Londres que forneceram respostas consistentes sobre os últimos cinco anos ao Partido Verde.

O gráfico abaixo mostra os números de famílias com filhos que se mudaram da cidade em cada ano desde 2010/11:

Nessa amostra substancial – que inclui bairros internos, como Camden, Lambethe Kensington & Chelsea, assim como bairros externos, como Bromley e Merton –, o número de famílias com filhos forçadas a sair de Londres subiu de 10 no ano municipal de 2010/11 para 307 em 2013/14. Em 2015, esse montante já conta com 364 famílias. Mesmo que a amostra seja incompleta, o padrão é claro: de acordo com os dados, 35 vezes mais famílias estão tendo de se mudar de Londres neste ano em comparação há cinco anos.

Eles me dizem que não tenho escolha. Eles me mandaram cartas dizendo que tenho de me mudar. Não consigo dormir de preocupação. – Amal

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Essas pessoas não são apenas números num gráfico de barras. São gente real como Amal, uma mãe solteira com três filhos, todos menores de sete anos, que o conselho de Wandsworth está tentando tirar de Londres. "Eles me dizem que não tenho escolha. Eles me mandaram cartas dizendo que tenho de me mudar. Não consigo dormir de preocupação." Estamos sentados num sofá puído nas acomodações temporárias da família em Tooting, e ela tinha acabado de parar de chorar. "Acordo me sentindo tão doente, sabe? Tenho de ir à aula, mas me sinto tão doente."

A crise habitacional triplica com a escassez de moradias sociais, as reformas nas políticas de bem-estar social e a rápida gentrificação, que tem feito conselhos como o de Wandsworth mandar seus moradores mais pobres e vulneráveis para cada vez mais longe. Enquanto o desenvolvimento imobiliário de luxo Battersea Power Station continua em um lado do bairro, o conselho anunciou, no ano passado, um projeto de £ 5 milhões para comprar propriedades a fim de alojar seus sem-teto fora do bairro. Eles acabaram de anunciar mais financiamentos de emergência, além de arranjos com senhorios privados em Leicester, Portsmouth, Birmingham e West Bromwich.

"O conselho perguntou que situação seria ideal. Eu disse que seria algo como Tooting ou Battersea, porque não conheço nenhuma outra área", explica Amal. Ela estuda administração numa faculdade local, faz trabalho voluntário numa creche nas proximidades e depende muito dos vizinhos e do ex-marido – que se mudou no ano passado depois de bater nela pela segunda vez – para ajudar com as crianças. "No final da ligação, ela disse: 'OK, achei a casa para você'. Eu não conhecia a área e perguntei onde ficava isso, e ela disse 'perto de Newcastle'."

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Depois disso, eles repetiram a mesma ladainha de tantas vezes antes: Amal, em súplica, dizendo "não" e o conselho mantendo que "Você tem de ir, você não tem escolha, você é sem-teto".

O conselho eventualmente objetou. Na vez seguinte em que conversaram, eles afirmaram que tinham arranjado outra propriedade para Amal – em West Bromwich. "Eu disse a eles: 'Tenho uma entrevista de trabalho em Londres, estou estudando em Londres, meus filhos estão na escola em Londres, meu ex-marido visita toda semana para ajudar com as crianças'." Era a última chance dela, eles alegaram. Fim do debate – venha ver a propriedade em West Bromwich, porque é pra lá que você está indo. "Eles disseram: 'Você só tem uma opção: West Bromwich'. Se eu dissesse não, eles não iam me dar outra chance." Ela falou "não" e, agora, aguarda uma data distante no tribunal.

O exemplo de Paris dado por Boris Johnson em 2010, em que os pobres "banlieues" nos subúrbios são escondidos do centro turístico e de negócios, é pertinente. Achar dados para provar essa "banlieuezação" de Londres é difícil, mas não impossível.

O mapa abaixo mostra o número de requerentes do benefício de moradia no município para o setor de imóveis privados – ou seja, aqueles que suplementam o valor do aluguel com dinheiro do governo – e a mudança desses números desde 2011:

A queda substancial nos requerentes alugando em "Inner West" ("Oeste Interno": um agrupamento de áreas caras, como Camden, Hammersmith & Fulham, Kensington & Chelsea, Wandsworth e Westminster) contrasta nitidamente com o aumento em "Outer West" ("Oeste Externo") e "North West" ("Oeste Norte"), lugares como Barnet, Brent, Ealing, Harrow, Hillingdon, Hounslow e Richmond-upon-Thames.

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A razão é simples: com parte de seus benefícios cortados e os aluguéis subindo, milhares de pessoas estão sendo forçadas a sair de suas casas nos bairros internos de Londres. Organizações antipobreza, como a Zaccheas 2000 Trust, de Westminster, viu os casos em que trabalha mudarem dramaticamente por isso. A cada semana, eles arranjam novos clientes, muitos trabalhando atualmente, que moram em Westminster há décadas, mas não conseguem mais pagar o aluguel. Um estudo de 2014 mostrou que o aluguel de um imóvel comum de dois quartos em Westminster subiu para £ 4.174 (R$ 19.506). Apenas dois bairros dos 32 de Londres têm aluguéis mensais médios abaixo de £ 1 mil (R$ 4.673): Bexley e Havering.

A política oficial da prefeitura dita que a mudança de famílias com crianças em idade escolar deve ser uma preocupação da administração. Boris Johnson tinha dito anteriormente que conseguiu que os conselhos "permitam que essas famílias particularmente necessitadas, que precisam viver perto de seu local de trabalho, ou manter as crianças na escola, desfrutem de circunstâncias especiais".

Mas a realidade atual não parece nada com isso. O número de famílias vulneráveis tendo de se mudar entre diferentes bairros de Londres também está aumentando. Em 2010/11, 928 famílias com crianças em idade escolar foram realocadas de um dos bairros da cidade para outro, e esse número aumentou para 1.828 famílias em 2012/13 e para 2.483 em 2013/14. As implicações dos "exílios de pobreza" dos bairros internos de Londres, como Westminster, são severas: um cotidiano de rotas estressantes de 90 minutos em transporte público para crianças de apenas cinco anos de idade, de hostels distantes para suas escolas, além de exaustão, preocupação e depressão para seus pais.

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Neste ano, o número está atualmente em 2.332 famílias – então, é muito provável que isso suba novamente.

Refutando uma pergunta sobre a "migração dos benefícios" como resultado de sua nova legislação de bem-estar social, Iain Duncan Smith comentou em novembro de 2014: "Há poucas pessoas se mudando para mais de oito quilômetros de distância de suas casas originais como resultado dos cortes nos benefícios". Oito quilômetros são o número aceitável escolhido pelo governo, mas, mesmo para os londrinos que não foram mandados para centenas de quilômetros de distância, oito quilômetros não são pouca coisa nessa cidade. Em áreas rurais, oito quilômetros podem significar se mudar de uma cidade para outra. Em Londres, essa é a diferença entre Bow e Ilford – acarretando em novas escolas em potencial, rotas mais longas e afastamento das redes de apoio de amigos e familiares para essas pessoas.

Para Amal, o futuro oferece apenas insegurança. Ela me contou que tentou pensar positivamente sobre a ideia de West Bromwich, concordando em visitar o lugar com uma funcionária do conselho. Se o lugar fosse um imóvel novo – quente, seco, espaçoso, num lugar sobre o qual ela tivesse uma boa impressão –, ela poderia tentar começar do zero como uma mãe solteira de três filhos pequenos numa região onde não conhecia ninguém.

Ela me mostrou fotos da propriedade em West Bromwich: o lugar parecia dilapidado e úmido. Havia fiação exposta e rodapés arrancados, carpete sujo e protuberâncias suspeitas no papel de parede. A funcionária do conselho que a acompanhou parecia entediada e pouco simpática a todo o processo. "Perguntei 'Onde é a escola?'. Ela disse 'Não sei'. Perguntei 'Onde é a faculdade?'. Ela disse 'Não sei'. 'Onde é o hospital? Meu filho tem asma.' 'Não sei – espere pelo senhorio.'

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"Quando o senhorio chegou, fiz as mesmas perguntas, e ele respondeu 'Desculpe, sou de Birmingham, não sei'.

"Sou sempre muito educada com eles, mesmo quando eles são rudes. Eu disse para a mulher do conselho 'Você moraria aqui?'. Ela disse 'Não sou sem-teto. Você é sem-teto'."

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Numa carta para o prefeito apresentada à VICE, o membro da Assembleia Darren Johnson, do Partido Verde, condenou os incidentes em ascensão de crianças sendo mudadas de escola, enquanto os pais são separados de amigos e familiares – e da rede de apoio vital que eles fornecem. Johnson também lamentava a falta de fiscalização pelos conselhos e pela prefeitura. Mais da metade dos bairros não conseguiu responder às requisições FOI do Partido Verde. "Com uma preocupação tão grande do público sobre o impacto dos cortes no bem-estar social", ele escreveu, "achei impressionante que tantos bairros não estejam com isso [requisições FOI] em sua área".

O problema é simples: sem supervisão – ou pelos menos recolhimento de dados –, é impossível avaliar a verdadeira escala do êxodo. Alguns bairros, como Tower Hamlets e Hackney, conseguiram fornecer respostas substanciais para apenas um ano. Croydon e Westminster alegaram que seria muito caro conseguir os dados; por sua vez, Kingston pontuou que isso seria muito complicado. Newham, Redbridge, Harrow e Lewisham estão há meses devendo as respostas às requisições. Tower Hamlets conseguiu dar uma resposta intrincada dizendo que seria muito complicado, que eles publicam seus próprios dados (impenetráveis) e que finalmente pensaram em responder, mas decidiram que isso não seria do interesse do público.

No entanto, os dados obtidos pelo Partido Verde e apresentados aqui pela VICE deixam claro que o êxodo forçado dos pobres de Londres não apenas está acontecendo, mas piorando a cada ano. A crise de moradia será uma questão-chave nas próximas eleições gerais do Reino Unido, com a frase "geração aluguel" na boca de vários políticos. Mas as grandes vítimas já estão sendo soterradas em campanhas manipuladas de lobistas da indústria de imóveis e saturadas pela visão parcial daqueles em posição de comprar uma casa em Redbridge, mas não em Hackney. Como sempre, são as vozes daqueles no fundo do poço que continuaram sem serem ouvidas.

*O nome de Amal foi mudado.

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Tradução: Marina Schnoor