Deus é uma mulher negra no filme de um jovem cineasta brasileiro
Cena do curta-metragem 'DEUS'. Crédito: divulgação

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Deus é uma mulher negra no filme de um jovem cineasta brasileiro

Negro, periférico e o primeiro da família a ter curso superior, o cineasta Vinícius Silva quer finalizar o filme 'DEUS'.

Quão visceral e emblemático pode ser o cinema brasileiro ao mostrar a cena de uma mãe negra e periférica que briga com o filho pequeno antes que ele entre no chuveiro pois não "limpou a bunda direito" e deixou rastros na cueca? Muito. Tragicômica, impactante e real: eis a rotina de tantas mães, agora retratada no filme DEUS, curta-metragem inédito dirigido pelo paulistano Vinícius Silva, 25. O título faz alusão à música "Mãe", do Emicida, cuja letra traz: "Desafia, vai dar mó treta quando disser que vi Deus. Ele era uma mulher preta".

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Roseli, a protagonista, trabalha em uma empresa de mangueiras e mora com o filho Breno na Cohab, no bairro de Arthur Alvim, zona leste da cidade de São Paulo. Sua rotina lavando roupas, buscando o menino na escola e assistindo Faustão no domingo à noite desperta no espectador um longo renque de reflexões acerca da consciência social quando deságua na arte.

É com esse olhar cuidadoso e tão próximo que o diretor narra a vida da própria tia, que, de cara, topou o convite para ser retratada. Na equipe, estão também Débora Mitiê (fotografia) e Huli Balász (montagem). "As cenas eram gravadas de acordo com o que foi investigado no dia a dia da família, como acordar às 4h para limpar a casa", justifica Vinícius, que passou a infância e a adolescência no bairro paulistano.

"Eu morava em frente a uma praça onde brincávamos e, do nada, tínhamos de correr, pois começava um tiroteio por conta de acertos entre os bandidos da área", relembra. As questões de classe e gênero abordadas no filme surgiram naturalmente. "Ser negro e de periferia não permite que eu faça só cinema sem me importar com alguma questão social. Não sou contra quem faz arte pela arte, eu só não consigo", detalha o jovem cineasta.

Assistir DEUS é como ligar a TV num Big Brother bruto, que incomoda e encanta. Roseli emana forças femininas e resistentes em seus diálogos com o filho, seja no momento em que dividem o colchão numa conversa qualquer antes de dormir ou ajudando-o pacientemente na lição de casa. Mas paciência não é regra. Ela também inexiste ­– como no momento em que se depara com a cueca suja do menino. A mãe o incentiva a amar o pai, explica que o casal não está junto pois não há amor, mas mesmo assim demonstra ciúme. Teme que o filho goste mais dele do que dela. São feixes de humanidade na tela o tempo todo.

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Cena do curta-metragem 'DEUS'. Crédito: divulgação

"Temos de quebrar estereótipos que são criados pela mídia e até mesmo pelo cinema de arte, que por muitas vezes representa a vida das mulheres periféricas num puro sofrimento. Mas a vida na periferia não é só sofrimento", pontua Vinícius.

O projeto surpreende por ser o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de cinema da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde Vinícius, anteriormente aluno de escola pública, foi parar graças à nota alcançada no Sisu (Sistema de Seleção Unificada). A família se assustou com a possibilidade de ele sair de São Paulo e ir sozinho para outro estado, mas depois apoiou. Hoje, Vinícius é o primeiro membro da família Silva prestes a completar o ensino superior.

O cinema veio como opção para fazer algo transformador. "Parte da minha educação veio do hip-hop. O rap orientou muito meu estilo de vida. Só que eu não tinha aptidão pra fazer rap, mas tinha com audiovisual", conta. Tanto que o estalo decisivo para engrenar o curta foi o momento em que ele escutou "Mãe", do último disco do rapper Emicida, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa… (2015). Uma breve apresentação do projeto chegou até a produtora do músico, que prontamente liberou a faixa para servir de trilha sonora para DEUS.

Cena do curta-metragem 'DEUS'. Crédito: divulgação

Com a grana curta e os equipamentos emprestados pela faculdade, o jeito foi pensar numa maneira de viabilizar o curta-metragem, que está em processo de finalização e sendo bancado pelos próprios estudantes. Para isso, a equipe lançou um financiamento coletivo na internet com o intuito de arrecadar R$ 14.700. "Estamos pagando parcelas até hoje. Essa grana seria uma forma de tentar ser mais profissional, trabalhar e, no mínimo, não ter prejuízo."

O filme é inédito e a pretensão é, no futuro, levá-lo para festivais nacionais e, quem sabe, internacionais. Por enquanto, fica guardado a sete chaves.

"DEUS não é um filme sobre sofrimento. Ele é duro, mas tem momentos felizes", finaliza o diretor.

Para colaborar com o financiamento coletivo do filme DEUS, clique aqui.

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