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Saúde

A verdade nada saudável que a modinha do ‘bem-estar sem glúten’ esconde

Apesar da total falta de evidências científicas, no Reino Unido o glúten virou o inimigo número um da nova onda de neurose coletiva alimentícia, a ‘alimentação saudável’.
Imagem principal: ilustração por Marta Parszeniew.

Matéria originalmente publicada na VICE UK.

Alguns anos atrás descobri o bem-estar. Eu sentia meu corpo como um fardo, e a comida que eu ingeria não parecia me energizar, apenas entorpecia minhas extremidades, me deixando desfocada e lenta. Então fiz uma mudança. Me livrei das barras de chocolate, refeições de micro-ondas e bolos. Li sobre dietas baseadas em vegetais e parei de comer carne, peixe, laticínios, ovos ou qualquer coisa muito processada. Ouvi histórias sobre leite de soja, hormônio e agrotóxicos, então tentei cortá-los da dieta também. Todo jantar, eu me sentava à mesa e assistia os outros se curvando sobre suas refeições, contente em saber que se eu não podia comer, eu não ia comer. Eu pensava em comida o dia inteiro; acordava no meio da noite pensando em rolinhos de salsicha, pizza, frango assado com pele crocante. Amigos e inimigos da alimentação viviam em dois campos separados da minha mente, e eu via problema em cada mordida. Me tornei nervosa e magricela. Eu tinha encontrado o bem-estar. Mas não estava bem.

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Em janeiro de 2015, enquanto a maioria do pessoal ainda estava saindo do estupor pós-Festas, Ella Mills (anteriormente Woodward) estava batendo recordes. O livro de receitas dela, Deliciously Ella (batizado com o nome de seu blog de receitas) vendeu mais de 32 mil cópias nas primeiras semanas, se tornando o livro de culinária de estreia vendido mais rápido na história do Reino Unido. Desde então, ela lançou um segundo livro, Deliciously Ella Every Day; abriu uma deli em Notting Hill, e capitalizou sobre suas credenciais com um serviço online pago (£35), que dá dicas de saúde e planos de dieta semanais.

Ella está na crista da onda. Nos últimos anos, saúde se tornou um passatempo mundial. De caldo de osso ao Spiralize, alimentos sem glúten e crus, até as onipresentes Nutribullets, detox de suco e torrada de abacate, essa é uma cultura alimentar baseada no que dizem ser nutrição. Faz uma década que Nigella Lawson publicou seu livro How to Be a Domestic Goddess, que ficou no topo das listas de mais vendidos com sua marca de indulgência caseira. Os livros de culinária no topo da lista hoje não poderiam estar mais longe disso. Dos best-sellers da categoria de Gastronomia e Culinária da Amazon, 18 dos 20 livros de receitas focam em alimentação saudável e dieta.

É o "bem-estar" que está no cardápio dos livros de culinária da nova geração — um termo tão alegremente impreciso que talvez seja mais fácil enquadrá-lo em termos do que ele não é. Não é uma saúde fria e clínica — ele não tem nada a ver com indústria farmacêutica, remédios e médicos pouco simpáticos. Também não é sobre vídeos de exercício suarentos. Os livros de dietas da geração dos nossos pais eram evangelismo brega cheios de afirmações milagrosas. Nossa saúde é mais complicada agora — vivemos na era da "epidemia de obesidade", escândalos com carne de cavalo e pavor dos males escondidos e aditivos cancerígenas. O "bem-estar" nos eleva acima desse caos alimentar. Por que não limpar nossa dieta e voltar ao básico? Essa é a salvação que o bem-estar promete: sem novas ciências, sem tecnologia de ponta, sem modas: simplesmente voltando para um tempo mais simples. O bem-estar é o começo de uma volta ao Éden, e a primeira serpente a ser expulsa é o glúten.

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Nos anos 60, os alarmes dispararam sobre um ingrediente potencialmente tóxico escondido na comida que todo mundo amava. Ele foi declarado o responsável por sintomas que iam de enxaqueca a queimação de estômago, sensação de ardência, palpitação, dormência e fraqueza. Alguns começaram a evitá-lo a todo custo, fugindo de restaurantes onde ele poderia estar entranhado na lista de ingredientes, enquanto outros foram além e pediram que o ingrediente fosse declarado perigoso pelas autoridades. O pânico foi acompanhado por estudos médicos, pesquisas de jornais científicos sérios e lobby de advogados de alto escalão. O ingrediente foi ligado pelos cientistas, de variados níveis de reputação, com Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade, diarreia, depressão, refluxo e obesidade. Foi uma epifania: finalmente uma explicação para o coquetel de sintomas ruins que os médicos nunca diagnosticaram antes.

Uma história familiar. Os sintomas são quase os mesmos apontados para o glúten hoje: inchaço, lentidão, ganho de peso e saúde ruim no geral, as afirmações hiperbólicas feitas sobre sua toxidade, o dinheiro investido (e ganho) com a sua eliminação das nossas dietas. Mas a verdade é que esse misterioso cavalo de Troia não era o glúten. Quarenta anos antes do pânico do glúten, era o glutamato monossódico que estava no coração do desastre de saúde pública. Acontece que o mito da doença do glutamato monossódico foi totalmente desmascarada depois. Não existia uma doença. Não havia necessidade de mudar as legislações de saúde ou tirar o glutamato das papinhas de bebê. Esse é o poder do pânico.

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Ella Mills, a.k.a. Deliciously Ella. Foto via Instagram.

Doença celíaca, que é quando um indivíduo sofre de diarreia, inchaço e dor abdominal aguda, é uma condição real e séria que afeta cerca de 1% da população no Reino Unido. Uma manifestação menos severa de intolerância a glúten, a chamada Sensibilidade ao Glúten Não-Celíaca (SGNC), existe em 5% da população. Para pessoas que sofrem de qualquer uma dessas condições, evitar o glúten não é só uma escolha de vida, mas uma exigência de saúde. Mas como isso reflete no resto das pessoas, a maioria? Lendo qualquer um dos livros ou blogs de bem-estar mais populares, você pode achar que o caso contra o glúten já foi julgado e condenado. Em seu livro de culinária de estreia, Get the Glow, a nutricionista das estrelas Madeleine Shaw o chama de "lixa para o estômago"; Amelia Freer, autora de Nourish Glow, coloca a culpa de coisas como "mente enevoada" e dor nos pés no glúten. Não há nenhuma explicação nos livros da Deliciously Ella de por que você deve largar o glúten se não sofre de doença celíaca ou SGNC. Ainda assim, todas as dietas dela se baseiam na sua eliminação.

Aí você tem as irmãs Hemsley, que encontraram a fama, um café em Selfridges e um programa de culinária no Channel 4 com suas credenciais de bem-estar, e que disseram que a dieta GAPS é uma grande inspiração para sua marca de saúde sem glúten. A GAPS, ou Gut and Psychology Syndrome Diet, é uma dieta pró-"detox", altamente restritiva e sem glúten, popularizada pela Dra. Natasha Campbell-McBride. A dieta pretende tratar de autismo a bipolaridade, defendendo a ingestão de peróxido de hidrogênio para "limpar" o intestino, encorajando dar ovo cru para crianças e inspirando desconfiança nos profissionais de saúde. As Hamsleys, sabiamente, nunca endossaram as especificidades da dieta GAPS, mas fico imaginando por que consideraram as reivindicações dessa altamente controversa (e em grande parte infundada) dieta uma boa base para sua filosofia de alimentação saudável. Merecemos fatos, números e pesquisas aprofundadas, não só das irmãs Hemsley, mas de todos os autores e blogueiros de bem-estar que prometem transformações na saúde nessa onda de dietas sem glúten. Boas pesquisas em saúde e nutrição são lentas, rigorosas e ficam longe do evangelismo de coisas como a dieta GAPS, e os autores de bem-estar deveriam refletir isso. E ainda assim, o que eles dizem é que se cortar o glúten, você vai perder peso, ter uma pele melhor e um cabelo mais brilhante. Parece mesmo um milagre.

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O problema, como Alan Levinovitz explica em seu livro The Gluten Lie, é que não há necessariamente nenhum benefício em cortar o glúten da sua dieta, a menos que seja uma exigência médica. Se o glúten não é um risco pessoal à saúde — e isso deve ser definido por um médico — uma dieta sem glúten não vai necessariamente te ajudar. E essa cruzada contra o glúten pode não apenas ser infrutífera (e cara — segundo Levinovitz, produtos sem glúten são, em média, 242% mais caros que a versão normal), mas realmente prejudicial. Nutrição é um campo incrivelmente complicado e contestado, e raramente há um consenso sobre o que é bom e o que não é para todos. Na falta de uma certeza, a abordagem mais segura e, sem dúvida, mais saudável para a nutrição é a variedade — de grupos alimentares, macronutrientes, ingredientes. Quando a cura geral é prometida através da exclusão de algum grupo alimentar, isso pode ir contra a corrente de uma das poucas certezas nutricionais que temos.

E daí que algumas pessoas vão gastar mais e se nutrir menos, perseguindo um milagre sem glúten que pode nunca chegar? Isso não afeta necessariamente o resto da população, certo? Afeta sim. A linguagem usada nos círculos de bem-estar não aponta apenas para os efeitos ostensivos do glúten na nossa saúde — ela passa direto pela ciência alimentar e entra em outro reino. Em blogs populares de bem-estar, você lê que o glúten é "mau", um "veneno", um "contaminante" e "tóxico". Existe até um famoso site de dieta australiano chamado glutenisthedevil.com. A questão agora não é apenas nutricional, mas moral, e quando a comida se torna imbuída com esse tipo de linguagem alarmista, a mesa do jantar se torna um campo minado.

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"Eu desprezo o termo 'alimentação saudável'… isso necessariamente implica que qualquer outra forma de alimentação — e consequentemente quem se alimenta — é doente, impuro e mau." – Nigella Lawson

Falei sobre esse fetiche de pureza com Nigella Lawson, cuja abordagem sem culpa para a alimentação ajudou a reconfigurar minha atitude alimentar quando eu estava mais vulnerável. "Eu desprezo o termo 'alimentação saudável'", ela disse, "apesar de gostar dos alimentos que entram nessa faixa. ['Alimentação saudável'] necessariamente implica que qualquer outra forma de alimentação — e consequentemente quem se alimenta assim — é doente, impuro e mau, e isso não é simplesmente uma maneira de envergonhar e perseguir os outros, mas leva a uma vergonha e uma perseguição interna que só pode ser prejudicial para a verdadeira alimentação saudável".

Nossa dieta se torna uma questão moral quando essa é a cultura alimentar que promovemos, e o glúten é apenas o começo. "Eu queria que as pessoas reconhecessem isso antes de dizer 'Ei, tente essa dieta de eliminação — você não tem nada a perder'", lamentou Alan Levinovitz quando perguntei sobre a moda das dietas de eliminação. "Nada a perder? Tem muita coisa em jogo aí."

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Antes da minha incursão no "bem-estar", meu transtorno alimentar era muito diferente. Se bem-estar é sobre amar a comida, cuidar do corpo e se nutrir, os transtornos alimentares estão do lado oposto do espectro — eles são sobre volatilidade, privação e medo. Minha bulimina era exatamente esse tipo clássico de transtorno alimentar. Sempre amei matemática, e o desafio de encontrar sentido num mundo caótico através da clareza dos números. Quando tive depressão na adolescência, essa paixão encontrou uma saída na dieta. Minha mente era uma confusão de números: quantas calorias ingeridas e quantas expurgadas; quantos minutos de corrida equivaliam a uma barra de chocolate; meu peso, duas vezes por dia; os dias e semanas até me tornar a pessoa que eu queria ser.

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A blogueira de "bem-estar" Madeline Shaw. Foto via Instagram.

Quando encontrei o "bem-estar", achei que tinha encontrado uma saída da tempestade. Eu queria alguém que me dissesse que havia coisas que você não podia comer mesmo, mas que isso seria bom para mim. Ao mesmo tempo, eu não estava pronta para esquecer meu mundo de neuroses alimentares. O bem-estar era atraente justamente por impor restrições. Não há nada a temer quando os alimentos ruins vêm com o rótulo "Alimentos Ruins", e quando o que resta é cura milagrosa. Eu estava procurando por algo como os livros da Deliciously Ella, que afirmam "contar benefícios, não calorias" por um lado, e ridicularizam comidas convenientes "nojentas" de outro, traçando uma caminho precário entre dietas e amor por comida. Claramente, eu não era a única tirando conforto de dietas prescritivas: na introdução de seu livro de receitas, a especialista em "bem-estar" Madeleine Shaw descreve sua adolescência de contagem de calorias, ansiedade e transtornos alimentares, o que ela deixou nas praias frias da Inglaterra depois que viajou para a Austrália e lá, no sol e no surfe, descobriu o bem-estar — através de dieta restritiva e exercícios — e ficou curada.

"O bem-estar não causa transtornos alimentares. Mas quando você defende, e até insiste, numa dieta tão restritiva, moralizante e inflexível, vende isso para jovens mulheres, e propaga isso como cuidado com o corpo: isso é mesmo responsável?"

Aquilo me pareceu óbvio: transtornos alimentares eram caóticos e infelizes, e bem-estar era uma maneira de sair da ansiedade e desordem. Mas lendo as entre linhas dos livros de receita de bem-estar, encontrei uma história diferente, e não é só o glúten que está na mira dessas dietas. Só no primeiro livro de receitas de Madeleine Shaw, o vocabulário usado para descrever vários alimentos e como eles fazem você se sentir sugere uma visão menos aceitável de saúde: "lixo", "lerdo", "ruim", "inimigo", "trapaça" e "gordo" são algumas das palavras que ela usa. Ela também nos lembra que nossos amigos podem tentar sabotar nossa dieta, então precisamos aprender a ignorá-los. Ella Mills implora que suas leitoras relaxem quando a vontade de comer realmente bater, mas que com o tempo, esses alimentos de conforto vão começar a parecer "meio nojentos".

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Essa é uma abordagem "ou tudo ou nada" para a nutrição, em que todas as nuances deliciosas de cozinhar, comer e sentir prazer com isso são jogadas pela janela. Quando perguntei à nutricionista e ativista da campanha Health at Every Size Michelle Allison sobre essa dicotomia, ela explicou: "Não há uma terceira opção na cultura das dietas — é preto no branco, bom ou ruim, fazer dieta ou comer incontrolavelmente… E muitas pessoas vão de um lado para o outro como quem liga um interruptor, mais ou menos durante a vida inteira". Ninguém resume melhor o totalitarismo do bem-estar que a própria Deliciously Ella. "Não é uma dieta, é um estilo de vida." E é aí que está o problema.

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O bem-estar não causa transtornos alimentares. Mas quando você defende, e até insiste, numa dieta tão restritiva, moralizante e inflexível, a vende para jovens mulheres e a apresenta como cuidado com o corpo: isso é mesmo responsável? Quando entrei para a tribo do bem-estar, isso me deu um meio para racionalizar minhas inseguranças alimentares, enquanto encobria meu medo de comida com o verniz da respeitável busca pela saúde. Minha doença ficou escondida à vista de todos, e mais 3 ela se tornou algo para se ter orgulho.

Ortorexia é uma preocupação excessiva com alimentos "certos" e "errados". Apesar de ainda não ter um diagnóstico aceito por todos os médicos, um porta-voz da beat, a maior ONG de transtornos alimentares no Reino Unido, me disse que houve um aumento considerável nos casos de ortorexia nos últimos anos, e explicou que "isso pode ter sido exacerbado pela ênfase na chamada 'alimentação saudável', o que pode levar a pessoa a ir além do cuidado com o corpo e entrar no campo da fixação e obsessão". Alguns consideram a ortorexia um transtorno alimentar, outros a colocam como um transtorno obsessivo-compulsivo – ansiedade com "Alimentos Ruins", inflexibilidade da dieta, uma preocupação com a saúde física às custas da vida social e emocional — o que parece estar em ascensão.

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"A indústria das dietas pode ter orquestrado o mais bem sucedido rebranding de comida da história — em 2014, o mercado de alimentos sem glúten no Reino Unido valia £175 milhões."

Claro, algumas pessoas podem dedicar a vida à saúde e ainda estar mentalmente bem, assim como sempre haverá pessoas sofrendo de transtornos alimentares, vendidos como "saudáveis" ou não. Mas quando o bem-estar vai além do indivíduo, indo além de um escolha pessoal de estilo de vida para queridinho da indústria de dietas, enchendo os supermercados de couve-de-folhas, óleo de coco e sementes de chia como uma grande oportunidade de lucrar mais, esse é um problema para todos nós. Quando a busca pela saúde se torna obsessiva, ela não é mais saudável. Pior, está cada vez mais claro que o bem-estar que tanto perseguimos pode estar cada vez mais longe.

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"Até uns quatro anos atrás, eu era um monstro do açúcar, e quero dizer totalmente viciada", reconta Ella Mills na primeira frase de seu primeiro livro de receitas. Isso quer dizer, claro, que se ela, uma autoproclamada junkie do açúcar, consegue encontrar a saúde, qualquer um consegue. Esse é um bem-estar para todo mundo. Em seu livro recordista, com sua história de cura e transformação, faz sentido ela preparar a cena com um bode expiatório viciante. O açúcar refinado é um anátema nos ciclos de bem-estar. Sabemos que comer muito açúcar é prejudicial, então é compreensível que a indústria do bem-estar defenda comer menos açúcar e com menos frequência. O que é menos compreensível é por que a autora de bem-estar, ironicamente batizada de "Yes Chef", Tess Ward, manda "evitar qualquer coisa branca", ou "refinada", confiando cegamente numa Mãe Natureza benevolente que não sei realmente se existe. Ela recomenda açúcares "naturais" como mel puro, melaço e açúcar de coqueiro, sem deixar claro por que essas opções naturais são tão melhores que o açúcar saído da cana.

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Não se pode considerar verdade absoluta quando Madeleine Shaw despreza as "calorias vazias" do açúcar — as mesmas calorias que fazem o corpo se mover, respirar e sobreviver. Também não fica claro por que, apesar do xarope de bordô conter alguns nutrientes de valor, devemos riscar o açúcar de cana da nossa dieta (ainda mais considerando que ele custa quase cinco vezes mais por grama). Se o objetivo final é apenas boa saúde, porque o foco parece estar menos em reduzir o consumo de açúcar e mais em promover formas mais caras e menos acessíveis disso? Como Alan Levinovitz confirma, "a grande diferença entre as formas de açúcar está no preço e nos alimentos onde ele aparece". Se os defensores da alimentação saudável só nos levam para caminhos mais caros e exclusivistas, precisamos questionar a sua integridade. Quando a guru de bem-estar Amelia Freer diz que açúcar é "uma droga que faz a gente engordar", ela disse tudo. Porque, como frequentemente acontece num mundo que reverencia a magreza, uma conversa sobre açúcar, e bem-estar, se torna uma conversa sobre engordar.

Chef e autora do livro de culinária 'The Naked Diet' Tess Ward. Foto via Instagram.

Perder peso está no coração do bem-estar, apesar de não ser fácil adivinhar isso pela maneira como a indústria se rotula. Tess Ward deixa claro logo de cara que sua "Naked Diet" não é uma dieta dieta, mas uma dieta de estilo de vida, assim como Madeleine Shaw separa seu passado de contagem de calorias de seu presente sem glúten. Novamente, Deliciously Ella desconsidera qualquer afirmação de que sua dieta é sobre "privação". Bem-estar não é uma dieta, nos dizem, mas algo limpo e sustentável, longe das conversas tópicas sobre dieta, perda de peso e corpos perfeitos.

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E mesmo assim, em todos esses livros — os mesmos que nos dizem para colocar nossa autoestima não na aparência, mas em quem somos e como nos sentimos — há um medo consistente e entrincheirado de engordar. Quando Deliciously Ella acalma nossos medos de que "coisas como abacate e amêndoas engordam", ela deixa a ansiedade em torno do ganho de peso intacta como uma preocupação válida. Quando Madeleine Shaw afirma que suas dicas de estilo de vida podem criar um "psique mais magra e saudável", você fica imaginando onde o lema dela de "seja sua própria cheerleader" foi parar.

"Nos mesmos livros que nos dizem para colocar nossa autoestima não na aparência, mas em quem somos e como nos sentimos — há um medo consistente e entrincheirado de engordar."

Se apenas os alimentos "bons" do bem-estar não engordam, o bem-estar não é tão diferente assim de qualquer dieta. Fazer dieta já se mostrou algo ineficaz (97% das pessoas que fazem dieta engordam pelo menos o mesmo peso que perderam dentro de três anos, desmentindo o otimismo implacável da indústria); mas também geralmente algo sem bases científicas (a Health at Every Size é uma organização que luta exatamente contra a afirmação de que todas as pessoas gordas são doentes); dietas podem ser até perigosas. Então, talvez, a indústria do bem-estar não seja tão mágica no final das contas. A indústria da dieta pode ter orquestrado o mais bem sucedido rebranding de comida da história recente – em 2014, o mercado dos alimentos sem glúten no Reino Unido valia £175 milhões e sua popularidade continua crescendo. O maior mito do bem-estar pode ser que ele realmente tem a algo a ver com bem-estar.

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E para onde vamos agora? Uma pista pode estar num estudo conduzido no meio dos anos 60. Nele, um grupo de mulheres — algumas tailandesas, o resto suecas — comeram um prato de arroz apimentado, feito com ingredientes e sabores familiares da cozinha tailandesa. Os cientistas descobriram que as mulheres tailandesa — mais acostumadas com o sabor picante que as suecas — absorviam quase 50% mais ferro que as outras. Quando as participantes comiam alimentos em purê (feitos com o tipo de comida que conheciam e gostava), elas absorviam uma média de 70% menos ferro do que quando comiam essas mesmas refeições no formato normal. O prazer dessas mulheres na antecipação e realização da refeição as ajudou a absorver mais nutrientes do que se alimentar de uma versão menos palatável. Foi um resultado surpreendente, e destaca algo que a indústria do bem-estar costuma deixar de lado: quando separamos prazer de nutrição na nossa dieta, acabamos menos nutridos — física e emocionalmente. Gostar da sua comida é bom pra você. Ao basear a saúde em regras e restrições, em vez de no prazer e intuição, o bem-estar perde totalmente esse ponto. E não está claro se a ideia perfeita de saúde que o movimento prega é válida em si. A Organização Mundial de Saúde afirma que saúde é "um recurso para o dia a dia, não o objetivo de viver", uma ressalva crucial que a indústria do bem-estar ignora rotineiramente. Mesmo escolhendo dar prioridade à saúde em nossas vidas, ela não precisa ser complicada.

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Há infinitas rotas para a saúde fora do dogmatismo do bem-estar. Aproveite o cheiro bom de cebola caramelizada na manteiga. Quando seu aniversário chegar, faça seu próprio bolo, e sempre se dê um prêmio quando sentir a necessidade. Se sinta estimulada pela certeza de que a comida hoje é mais segura, abundante e nutritiva do que nunca. Confie que seu corpo sabe do que precisa, e quando você sentir vontade de comer salgadinho, chocolate ou abobrinha, preste atenção nessa vontade: o ronco do seu estômago não é um sabotador. Lembre que acima de tudo, você vai se nutrir não só pela comida que ingere, mas pelo prazer que tira disso.

Se você não confia em mim, acredite na nutricionista Michelle Allison: "Comer uma grande variedade de alimentos, experimentar coisas novas, e tirar prazer na comida é bom pra você. Combine isso com uma estrutura de refeições e lanches regulares, e tente incluir o maior número de grupos alimentares na sua refeição, assim você não tem como errar". Comer bem é simples assim. A chave para a saúde não está escondida numa dieta da moda ou num regime de eliminação. Você não vai encontrá-la por mágica no fundo de um saco de chia ou como prêmio por perder de peso, passar tempo na academia ou fazer detox. Comer bem é comer intuitivamente, com prazer e sem vergonha. Independente do que a indústria do bem-estar te disser, você já tem o segredo do bem-estar em você. Sempre teve.

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Fontes para comer bem sem as armadilhas do "bem-estar":

Health at Every Size — "apoiando pessoas de todos os tamanhos a encontrar boas maneiras de cuidar de si mesmas".

Ellyn Satter Institute — fontes para um modelo de alimentação saudável baseado no prazer e na "competência alimentar".

The Fat Nutritionist, a.k.a. Michelle Allison, uma nutricionista e ativista do HAES que apoia uma abordagem empoderadora da alimentação.

The Gluten Lie, por Alan Levinovitz — desmascarando alguns dos mitos mais populares sobre alimentação.

Glenys O — uma nutricionista que fala de saúde com uma abordagem de alimentação competente e, principalmente, sem fazer dieta.

O livro de receitas da Ruby, Flavour, sai em julho. O lucro das vendas vai para a organização de transtornos alimentares do Reino Unido beat.

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