"Nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática", diz Dilma em seu discurso no Senado
Crédito: Agência Brasil.

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"Nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática", diz Dilma em seu discurso no Senado

É difícil não olhar com preocupação o futuro que descortina-se aos brasileiros a partir de setembro de 2016.

Quando o processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff ganhou corpo com a debandada da parte do PMDB que ainda a apoiava (mais notadamente, a facção carioca do partido, além do vice puxador de tapete Michel Temer), diferentes lideranças da então oposição vieram a público garantir que o processo seria algo "da democracia" e que as instituições democráticas, conquistadas num demorado processo de abertura da ditadura militar, "seguiriam funcionando" nada ilustra melhor do que os olhos embaçados do senador Aécio Neves (PSDB-MG), fitando o vazio e garantindo que iria "blindar as instituições de qualquer ataque que venham a sofrer".

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Desde a aprovação do início do processo, votada com fanfarra circense na Câmara dos Deputados ainda presidida por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o apoio político a Dilma definhou e derreteu com velocidade, enquanto a sua antiga oposição se reforçava ao arvora-se no governo interino que ajudou a criar. Enquanto a opinião pública colava à figura de Dilma os escândalos da Lava Jato e a economia estagnava-se, em parte, por causa da disputa política, muita gente deixou de ver o que significava o processo que transcorria abertamente, diante de seus olhos mas escondido, novamente, no fundo dos cadernos políticos e nas notas curtas da cobertura televisiva.

É fato que, mais do que qualquer coisa, o que voltou a opinião pública contra Dilma, muito além do difuso discurso sobre "corrupção" associado ao PT, foi a crise econômica. Porém, o processo de impeachment em si é baseado em um quase "deslize" fiscal realizado por Dilma e repetido por presidentes anteriores e por governadores e prefeitos Brasil afora. Durante todo o processo no Senado, tentou-se aventar um conceito de que a crise econômica – uma das mais complexas e talvez profundas da história do país – teriam sido frutos de uma operação fiscal batizada pela imprensa de "pedaladas", e que isso bastaria para que o impeachment fosse consumado. Essa longa narrativa não conseguiu provar em nenhum momento a suposta gravidade dos atos pelos quais Dilma estaria sendo julgada, enquanto o forte grupo no Senado que optou pela deposição da presidente seguia firme em seu objetivo de trocar o governo.

O lance todo é que, para muitos dos manifestantes, personalidades e parlamentares que se posicionaram contra o impeachment e especialmente, contra o governo Temer, o problema vai além da crise econômica ou da preferência partidária e ideológica, mas sim é uma questão de democracia – e foi nisso que Dilma insistiu no seu discurso de mais de 45 minutos perante o Senado, na reta final do seu julgamento.

Nele – que pode ser lido integralmente aqui – a presidente reitera a ideia de que o processo em curso é um "golpe contra a democracia". Lembra que lutou contra a ditadura militar, foi presa e torturada, e compara a situação atual com 1964: "no passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e o Estado de Direito". Além disso, Dilma retrata o ambiente político que marcou o início de seu segundo mandato, em pé de guerra com a Câmara de Cunha, que atravancou uma série de propostas de política econômica e responsabilidade fiscal, e também o descontentamento de grande parte da classe política com a Lava Jato, que foi mantida em pleno vapor pela presidente, enquanto atores do agora governo interino se articulavam para estanca-la (sim, estamos falando de Romero Jucá).

Dilma também atacou fortemente o governo interino através de suas novas propostas, como a flexibilização da CLT e a PEC do teto de despesas do governo, que devem estancar e diminuir efetivamente no médio prazo os gastos com saúde e educação, e defendeu-se das acusações numa explicação espinhosa sobre a regularidade das manobras fiscais das quais é acusada. Mas o tom principal volta no final do discurso. Aos senadores adversários, ela apela: "lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros presidentes, governadores e prefeitos". Considerando o crescente nível de arbítrio associado ao governo interino – que já pensa em reeleição –, o histórico recente de "golpes parlamentares" na América Latina (caso de Honduras e Paraguai) e a histórica participação do establishment político e jurídico nacional na legitimação da interrupção dos processos democráticos, da instauração da República a 1964, passando pelo Estado Novo e outras aventuras do gênero, é difícil não dar razão à Dilma e não olhar com preocupação o futuro que descortina-se aos brasileiros a partir de setembro de 2016.

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