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“Dog of Dracula 2” e o Espírito Cyberpunk

Já vivemos no futuro, e ele é feito de gifs e memes. E é precisamente aí que Dog of Dracula 2: Cyber Monogatari se encaixa.

Esta história é dedicada a todos os otakus que lutam contra a injustiça e a corrupção todos os dias de suas vidas

Em meados do ano passado, um jogo no mínimo curioso foi lançado sem muito alarde. Alguns diriam que, justamente por isso - e talvez estejam certos –, existe algo incrivelmente charmoso, ao menos para mim, nessa pérola da cultura pop do submundo dos jogos eletrônicos. Para mim, foi o bastante ver alguns screenshots para elevar o jogo Dog of Dracula 2: Cyber Monogatari a esse nível conceitual. Mas por que essa coisa estranha me fez tão feliz por simplesmente existir? Bom, primeiro veja esta cena aqui:

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A semente do subgênero de ficção científica denominado cyberpunk vem do ideário de um mundo extremamente avançado tecnologicamente, dominado por megacorporações que chegam a fazer o papel de Estados totalitários em embate com um submundo baseado em troca de informações privilegiadas e crimes cometidos na cyberesfera. Com a noção de que o avanço tecnológico não necessariamente vem aliado a melhoras sociais, criou-se um ranço, originado no século passado, a partir da ressaca da crença exacerbada no progresso tecnológico como solução para todos os problemas da humanidade. Vale relembrar a noção em voga nos anos setenta e oitenta de que o Japão, agora em clara crise econômica, era a bola da vez com sua diligência oriental e tecnologia do futuro. Universos cyberpunks, como o apresentado no RPG Shadowrun, têm esse curioso tempero oriental, claramente indicado pela moeda corrente no mundo do jogo, o novo iene. Mundo esse onde megacorporações controladas por dragões (sim, dragões) dominam o espaço físico e cibernético, no qual a internet pode te matar e em todos os bares da cidade existe um canto sombrio onde você pode buscar um freela como hacker ou mercenário assassino.

Esse gênero pop pode parecer extremamente datado, mas parece atiçar a imaginação do público. Qual seria o papel do universo cyberpunk hoje em dia? Ainda faz sentido esse universo criado a partir de elucubrações futurísticas de como se daria a problemática interação do humano com o tecnológico? Como se posiciona um futuro distópico em nossas mentes e vidas do século XXI, agora que a cyberesfera é uma realidade e nós praticamente vivemos dentro da internet? Bom, de certa forma nós já vivemos no futuro, e ele é feito de gifs e memes. E é precisamente aí que Dog of Dracula 2: Cyber Monogatari se encaixa.

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No estilo de clássicos do gênero cyberpunk, como Blade Runner, o roteiro do jogo praticamente se escreve sozinho a partir de uma ambientação distópica meio filme noir. Você controla Cid, um ex-profissional do banho e tosa. Cid é um dos poucos indivíduos que não vive conectado ao cyberespaço dominado pelas megacorporações opressoras que controlam até as mentes dos zumbis, que vagam friamente na cyberesfera. O resultado é uma tiração de sarro bizarra com os jogos do gênero e sua seriedade crônica, como o clássico Neuromancer (baseado no premiado romance de 1984), o maravilhoso Dreamweb, o tosquíssimo Bloodnet e o cult Policenauts – tão cult o último que nem foi lançado oficialmente fora do Japão apesar dos planos de uma versão para o Sega Saturn.

Feito no formato do visual novel, assim como nossos queridos jogos hentai, Dog of Dracula 2: Cyber Monogatari (monogatari é um estilo literário clássico japonês comparável à narrativa épica ocidental) se passa em Nuevo Tokyo no ano de 2000. E do que esse jogo bizarro trata afinal de contas? De abuso de substâncias, amizades perdidas, corporações sem coração e a perda da humanidade para o hedonismo vazio recheado de Pringles e prazeres fúteis da internet – ou, ao menos, da versão distópica da internet chamada cyberbahn. Passado anos depois dos acontecimentos do primeiro jogo, Dog of Dracula: Barbecue Densetsu (densetsu é a palavra japonesa para lenda), mesmo você e Dog tendo conseguido acabar com a proibição autoritária de todos os molhos e condimentos dos EUA do ano pós-ou-pré-apocalíptico de 199X, a vida não parece ter melhorado.

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No mundo de Dog of Dracula, os molhos e condimentos representam todos os escapes que usamos para fugir da dura realidade.

Já sem seu emprego de banho e tosa, ele também perdeu sua esposa, Prissy: na própria descrição do jogo, uma "senciente e sedutora lata de refrigerante". Agora, ele e seu melhor amigo Dog vivem juntos em um muquifo nojento, injetando a maior quantidade possível de condimentos que seu pobre corpo aguenta.

A figura de Cid é tão artificial que não conseguimos não simpatizar com ele.

O bom do jogo é que, como um bom exemplar do gênero cyberpunk, ele não foge em nada da narrativa estabelecida com o gênero, e cada bordão encaixa certinho nele, mesmo dentro do mundo absurdo de fandom de cultura pop japonesa e das analogias de bebidas e drogas com condimentos. A imagem do anti-herói atormentado por abuso de substâncias e seu passado obscuro já foi tão usada nas últimas décadas que perdeu completamente o sentido. Já esta imagem inserida numa ridícula situação, como o mundo dos otakus (fãs de cultura pop japonesa) em uma distopia cyberpunk, acaba até fazendo sentido. O cliché, por ter sido tão usado, parece só voltar a ter o significado original em um contexto de humor absurdo. Por vezes, me peguei tendo empatia com Cid e suas questões existenciais, por mais besta que o game todo possa ser.

Além da narrativa bizarra, a arte do jogo é maravilhosa, toda feita de photoshops toscos e retrofuturismo anos noventa e glitch art, no maior estilo vaporwave, que a juventude tanto transa hoje em dia. Outro detalhe gostoso é o nome do disco que contém algumas das músicas da trilha sonora: Generic Dystopian City. Traduzido literalmente Cidade Distópica Genérica, ele é o encaixe perfeito nesse jogo feito de clichés e lugares comuns. O som também é um pastiche do som cyberpunk, com partes iguais de emulação de Vangelis e Trent Reznor, no que tudo isso tem de lindo e horroroso.

Dog of Dracula 2 está disponível para download gratuito e deve levar uma meia hora para terminar; se eu fosse você, eu apertava nesse link e o baixava de uma vez.