FYI.

This story is over 5 years old.

A VICE Adora a Magnum

Dominic Nahr É Mestre em Fotografar o Lado Sombrio do Ser Humano

Discutimos com ele o potencial infinito de histórias na África, o Japão pós-tsunami e como o sentimento de não ter um lar pode ser inspirador para fazer fotos incríveis.

QUÊNIA. Hell's Gate, 2013. Um trabalhador descansa numa nova piscina geotermal na usina geotermal próxima a Nairóbi.

Magnum é provavelmente a agência de fotógrafos mais famosa do mundo. Mesmo que você não tivesse ouvido falar dela até agora, é muito provável que já conheça suas imagens – seja a cobertura de Robert Capa da Guerra Civil Espanhola, ou as férias bem britânicas de Martin Parr. Diferente da maioria das agências, os membros da Magnum são selecionados pelos outros fotógrafos da agência e, como eles são a maior agência de fotógrafos do mundo, tornar-se um membro é algo muito difícil. Como parte de uma parceria com a Magnum, vamos apresentar o perfil de alguns de seus fotógrafos nas próximas semanas.

Publicidade

Para essa rodada de A VICE Adora a Magnum, conversamos com Dominic Nahr, que – diferente dos entrevistados anteriores – ainda está passando pelo processo de seleção para se tornar um membro da agência. Discutimos com ele o potencial infinito de histórias na África, o aspecto sinistro do Japão pós-tsunami e como o sentimento de não ter um lar pode ser inspirador para fazer fotos incríveis.

VICE: Você é um dos fotógrafos mais jovens com quem já conversamos para a série. Você pode nos dar um resumo sobre como chegou onde está agora, como você entrou para a fotografia e sua relação com a Magnum até o momento?
Dominic Nahr: Entrei para a fotografia quando minha mãe me deu uma câmera. Tenho uma memória tão ruim que não lembro de nenhuma de minhas férias com meus pais, o que é péssimo. Então, ela me disse para fotografar as coisas, assim eu não me esqueceria. Fui para a universidade e comecei estudando cinema, mas eu não gostava de trabalhar com um monte de pessoas na época. Eu queria definir minha visão e meu estilo próprios. Então, larguei o curso e entrei em fotografia.

Meu primeiro trabalho foi para a revista GQ França – eles me ligaram quando eu estava andando de bicicleta em Toronto, onde estudei, e eu quase levei um tombo. Arnaud, o editor de fotografia, disse “Você quer fazer um trabalho para nós em Nova York?”, respondi, “Não estou entendo – o que vocês querem que eu faça?”, e ele, “Faça o que você faz”. Foi o primeiro trabalho que consegui, foi um momento-chave em que concluí: OK, legal, esse trabalho realmente existe.

Publicidade

Comecei a fotografar profissionalmente e em 2008, logo depois da Universidade, entrei para uma agência chamada L'Oeil Public, que era incrível. A agência fechou em 2009, eu me juntei a eles no último ano de existência da agência. Eles me deram muito apoio e sugeriram que eu fosse para o leste do Congo. Eu nunca tinha estado na África antes, mas fui até lá para cobrir a guerra. Minhas fotos ficaram muito boas e muitas revistas se interessaram por elas. Até consegui uma exposição durante o Visa pour l'image em Perpinhã, o que realmente me ajudou muito. Acho que foi isso que abriu os olhos das pessoas para meu trabalho e me levou finalmente a Magnum. Estou entrando no meu quarto ano com eles agora.

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO. Kivu do Norte, Kibumba, outubro de 2008. Mais de 25 mil pessoas fogem de um dos principais campos de refugiados locais devido à aproximação dos combates no leste do Congo. Os soldados do governo foram forçados a recuar pelos rebeldes do general renegado Laurent Nkunda, quando se aproximavam de Goma.

Nossa. Acho que é isso que faz a Magnum ser o que é – o fato de ser tão difícil entrar e ter que convencer um monte de outros fotógrafos a deixar você entrar.
É provável que esse seja o relacionamento mais longo que já tive com qualquer coisa.

Eu queria saber como você se sente sobre os projetos de livros, como o que você está trabalhando atualmente sobre a África, em contraste com outros projetos que você já fez, que parecem histórias mais autossuficientes. Parece que você prefere trabalhar em projetos de final mais aberto, certo?
Não, acho que é uma mistura – por exemplo, os projetos de livro vêm de projetos menores. Não entro nessa pensando “Sou um fotógrafo, tenho esse conceito e vou fotografar isso por seis meses ou um ano”. A África não é um lugar assim – há muitas e muitas histórias aqui. Posso fazer histórias menores e tirar fotos para meu livro dessas histórias. Elas são todas para o livro, mas a lista de coisas legais que quero fotografar é superlonga. Ela não acaba nunca. Moro em Nairóbi, Quênia, e não consigo ir embora, porque, sério, se você se sente complacente ou entediado sentado no sofá de sua casa, é porque tem alguma coisa errada – há muitas coisas para fazer. Mesmo se as pessoas não estiverem pagando você para isso, alguma coisa vai sair dali.

Publicidade

Então, sua primeira vez no Congo foi sua primeira vez na África e, obviamente, isso foi uma experiência que abriu seus olhos. Você tem passado muito tempo trabalhando lá desde então. Isso é só pela quantidade de histórias ou você gosta de trabalhar lá por motivos práticos?
Não, é algo maior do que isso. Cresci em Hong Kong; não sou suíço, alemão, canadense nem chinês, obviamente. Sou um expatriado. Então, não tenho esse problema de “ir para casa”. Estou sempre à procura de um lar, mas isso não existe. E quando cheguei pela primeira vez a África em 2008, quando saí do avião e meus pés tocaram o chão, alguma coisa aconteceu comigo. Tinha uma voz em minha cabeça dizendo “Você está em casa”. Claro que isso já tinha acontecido antes – em Timor Leste, em todos os lugares – porque estou sempre procurando meu lar. Mas isso nunca foi tão profundo como quando cheguei em Kigali pela primeira vez.

Outra coisa que a voz na minha cabeça disse foi “Seja lá o que acontecer, não leve as coisas muito a sério”, o que foi realmente útil quando cheguei ao Congo.

PALESTINA. Faixa de Gaza, 2007. O funeral de um membro da Fatah, depois de enfrentamentos entre combatentes do Hamas e do Fatah no campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza.

E como essa viagem se compara a seu trabalho anterior no Oriente Médio, Gaza e assim por diante? Cobrir essas zonas de conflito diferentes em países tão diferentes.
Antes de Gaza, fiz Timor Leste, que foi até bem relaxante. Depois fiz Gaza e então o Congo. Não sei – estive no Egito, cobrindo o levante e tudo mais, mas de alguma forma, trabalhar na África como um todo é mais comovente para mim, mais comovente do que agitado. Muitas vezes, eu me encontro no meio do nada, sozinho ou só com um pequeno grupo de outros jornalistas, cobrindo alguma notícia. Isso é meio que o oposto de trabalhar, digamos, no levante no Egito, onde parecia haver centenas de jornalistas. Dito isso, não acho que meu trabalho seja só em zonas de conflito e, realmente, também gosto de trabalhar em cenários mais definidos, sem a pressão de uma situação de conflito.

Publicidade

Quando você estava no Sudão, você trabalhou incorporado lá ou tinha um papel mais livre?
Não estávamos “incorporados”, mas a única maneira de conseguir ir a algum lugar era com os militares. Então, minhas fotos do Sudão são de quando entrei lá “ilegalmente”. E a única maneira de fazer isso era seguindo com o exército ou com os rebeldes. Para a foto que me rendeu o prêmio World Press, tivemos que seguir com os soldados avançados do Sudão do Sul até o norte. Não podíamos usar nosso próprio carro, senão eles teriam atirado na gente. Precisava parecer que tínhamos sido liberados pela chefia no comando, que foi o que fizemos.

Depois eles nos mandaram ir com os soldados. O inimigo estava jogando bombas em nosso caminho no Sudão e nas linhas de frente, então, ter um veículo camuflado é a melhor ideia. Só que, quando estávamos voltando, a cordinha que segurava o capô do carro estourou, o capô levantou e bateu no para-brisa com força, estourando todo o vidro. Felizmente, o motorista se manteve calmo, conseguiu diminuir a velocidade e parou sem bater em nada.

Falando em se infiltrar, outro dia você estava me contando sobre se vestir como um trabalhador nuclear, ou algo parecido, para ter acesso ao Japão depois do tsunami. Riscos assim – ou o risco de estar na linha de frente, com aviões passando por cima de sua cabeça – como você pesa esses riscos? Você fica muito preocupado ou avalia clinicamente o que vai fazer?
Bom, estou preocupado o tempo todo. Estou sempre paranoico com tudo. Mas por um lado, isso me ajuda, acho, a identificar o problema e ver a situação mais claramente. Não sou blasé em relação a isso – não chego a um lugar e pensou “É isso que você precisa fazer para entrar lá”, ou “OK, fácil”. Penso muito sobre isso – avalio o perigo e a probabilidade de ser preso ou de me ferir, avalio o que vai acontecer e o que não vai, vejo o que vou conseguir fotografar e tomo uma decisão.

Publicidade

JAPÃO. Namie, 2012. Vacas mortas pertencente a um fazendeiro que ficou para trás, dentro da zona de exclusão de 20 quilômetros, para proteger e cuidar de suas outras vacas.

O que me deu uma sensação estranha em seu trabalho no Japão é que ele é quase que totalmente desprovido de pessoas – vazio e sinistro. É praticamente um contraste com a maior parte de seu trabalho, que é cheio de pessoas e atividade humana. Foi um trabalho incomum para você nesse sentido?
Sim, o trabalho que você viu é muito único nesse sentido. Eu realmente me conectei com o espírito japonês enquanto estava lá. Foi logo depois que meu pai morreu. Eu estava em casa por alguma semanas em Hong Kong quando o tsunami atingiu a costa do Japão. Eu já estava no caminho para o aeroporto depois de ver as primeiras imagens das ondas levando todas aquelas casa. Viajei com um amigo japonês, cobrindo a história para a TIME e, em algum momento, encontramos um templo no meio de uma área devastada.

Tudo estava destruído, menos esse templo. Era o único lugar para dormir e muitos refugiados também estavam lá. Era um templo de madeira e era inverno. O clima era congelante. As pessoas tinham perdido entes queridos recentemente. Eu também tinha, sob circunstâncias diferentes, mas naquele momento isso não importava. Foi uma experiência muito espiritual e eu respeito o processo japonês de luto silencioso e desafiador. De repente, eu estava num lugar onde a vida humana não existia e isso me impressionou. Foi algo muito poderoso.

Publicidade

Parece muito estranho e sombrio. Acho que eu teria perdido a cabeça.
Eles tinham um sino que soava às 17h para indicar o fim do dia de trabalho e aquilo era como uma música de ninar – tocava por todas as cidades e você parava de trabalhar. O som ressoava pelas ruas e era possível ouvir os pássaros cantando, mas não havia carros nem humanos, então, quando o som acabava, era só silêncio. Lembro muito bem desses momentos.

Você pode contar como acessou a zona de exclusão? Você não tinha permissão para entrar lá, tinha? Você teve que acompanhar os inspetores?
Inicialmente – nos primeiros dias – você podia simplesmente ir para lá de carro. Não havia paradas, bloqueios, nada; eles ainda não tinham conseguido acertar as coisas. Você podia simplesmente dirigir para lá, fazer o que tinha que fazer e voltar, o que era legal, mas – claro – totalmente louco. Então, eles começaram a colocar os bloqueios, e você tinha que conseguir passes, o que era muito difícil, ou simplesmente entrar escondido. Dava para passar pelos portões, entrar vestido de trabalhador da limpeza da contaminação ou numa caminhonete, escondido debaixo da lona na caçamba. A gente fazia o que fosse preciso para entrar lá.

JAPÃO. Minami Sanriku, 2011. Sobreviventes se preparam para dormir numa sala fria antes de um funeral em massa no templo de Daiou.

Então seu livro sobre a África é o principal trabalho em seu horizonte? Ou você tem outros projetos já engatados para o futuro?
Não, acho que este ano vou ter muito o que fazer na África. Não vou cobrir notícias fora do continente, a menos que seja uma coisa que realmente desperte meu interesse. Não posso acompanhar os acontecimentos mais tensos porque minha família é mais importante agora. E isso é bom, porque faz você focar realmente no lugar que conhece. Que, para mim, no momento, é o leste da África. Quer dizer, seria bom se fosse a África Ocidental, porque a música é ótima e a comida é fantástica, mas agora minha atenção está principalmente voltada para o leste.

Publicidade

Quero passar mais tempo na Somália e fazer mais trabalhos no Quênia, onde moro. Quero trabalhar mais em questões energéticas e ver o que está acontecendo na “nova África”, que está mudando muito rápido. É algo muito empolgante. Há eventos como o envelhecimento do Mandela e o que vai significar para a África do Sul quando ele morrer, Zimbábue e Mugabe, a Somália tem um novo governo, o Sudão do Sul que acabou de surgir, a crise de identidade das novas gerações do Quênia. Tudo está acontecendo muito rápido.

Um projeto intimidante para assumir, não?
Sim, é como se você estivesse tentando sair, mas se tem um lugar que continua em movimento é a África. Mesmo a energia – qualquer coisa relacionada a isso é muito empolgante. A maior fazenda eólica do mundo fica no Marrocos e o Quênia disse agora que vai construir uma maior ainda em terras tribais. Isso não vai ser bom. Eles têm explorado petróleo na mesma região e já estavam com grandes problemas apesar de ser uma plataforma pequena. Agora, imagine 350 aerogeradores – isso não vai acabar bem.

Clique nas páginas a seguir para ver mais fotos de Dominic Nahr.

PALESTINA. Faixa de Gaza, Beit Lahia, 2007. Um palestino foge da Faixa de Gaza e da violência entre as facções locais nadando dois quilômetros no Mar Mediterrâneo, a partir norte da fronteira israelense, sob a vigilância de um navio de guerra israelense em Beit Lahia.

SUDÃO. Unidade, 2012. Trabalhadores de uma usina de petróleo e soldados do EPLS (Exército Popular de Libertação do Sudão) observam uma cratera causada por um ataque das FAS (Forças Armadas do Sudão) durante a luta entre o norte e o Sudão do Sul.

Publicidade

JAPÃO. Misawa, 2011. Uma mulher caminha entre árvores enlameadas durante uma limpeza comunitária ao redor do porto de Misawa, depois do tsunami que atingiu a costa leste do Japão.

SUDÃO. Heglig, 2012. Um soldado das Forças Armadas Sudanesas morto e coberto de petróleo nas proximidades de uma usina petroleira. Ele morreu depois de um confronto entre as FAS e as tropas do EPLS do sul.

JAPÃO. Namie, 2011. Um televisão ligada numa casa abandonada dentro da zona de exclusão de 20 quilômetros. Os moradores fugiram apressadamente quando a radiação atingiu níveis perigosos.

EGITO. Cairo, 29 de janeiro de 2011. Um manifestante segura garrafas vazias e se protege atrás de um muro durante protestos contra o governo de Hosni Mubarak.

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO. Kivu do Norte, Kibati, 2008. Quatro soldados do governo congolês se abrigam da chuva nas linhas de frente a cerca de 5 quilômetros ao norte de Kibati. Rebeldes do CNDP (Congresso Nacional para a Defesa do Povo) e soldados do governo estavam separados por menos de meio quilômetro e confrontos explodiam regularmente.

Anteriormente:  Bruce Gilden Faz Fotos de Rua Como Você Nunca Viu Antes

Mais de A VICE Adora a Magnum:

O Jeito que o Christopher Anderson Vê o Mundo É Incrível

Thomas Dworzak Fotografa Soldados Norte-Americanos Tristes e Posers Talibãs

Peter van Agtmael Não Nega a Estranha Sedução da Guerra