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Politică

Algumas das muitas histórias de Donald Trump

Das primárias à eleição, o que Trump fez e falou para se eleger o 45ª presidente dos EUA.
Um bolo do Donald Trump na festa de eleição de seu partido. (Foto por Jabin Botsford / The Washington Post via Getty Images.)

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Você pode imaginar a história da eleição de Donald Trump voltando à ideia principal por trás dos EUA, a ideia de que gente branca chegou ao país, tomou todas as terras e até outras pessoas para fazerem seu trabalho. Nos livramos da escravidão e a substituímos por Jim Crow, depois substituímos isso por formas mais sutis de racismo, desigualdade estrutural que impedia negros de comprar casas ou conseguir bons empregos. Ou só prender eles mesmo. Os partidos políticos pararam de ser abertamente racistas e começaram a falar em código — um candidato fala em "lei e ordem" e todo mundo sabe o que ele quer dizer. Mitt Romney diz que 47% dos norte-americanos sentem que "tem direito" a benefícios do governo e "vão votar para presidente não importa o que aconteça", e nós sabemos a que etnia essa porcentagem pertence.

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E Trump só estava dizendo as mesmas coisas que os outros republicanos. Em 2009, Glenn Beck disse que Barack Obama "odiava os brancos". Em 2011, Trump apareceu na FOX News para dizer que Obama não tinha nascido nos EUA. Você pode dizer coisas sem noção como essas supracitadas, mentiras mesmo, e ninguém vai contradizer você, pelo menos não na FOX News.

Então quando Trump falou que os imigrantes mexicanos eram estupradores e criminosos, quando disse que seus simpatizantes deveriam ir para "certas áreas" porque as eleições tinham sido "armadas" contra ele, quando disse que muçulmanos deveriam ser proibidos de entrar nos EUA, ele não estava dizendo nada que não havia sido dito antes. Ele só estava falando mais alto, do jeito que as pessoas gostam. Pelo menos do jeito que algumas pessoas brancas gostam. Elas estavam cansadas de esconder seu orgulho de serem brancas, cansadas de se sentirem culpadas por ter a bandeira dos confederados. Trump vai devolver o país para elas, e "make America great again".

As últimas pesquisas mostraram bem isso — Trump não ganhou entre eleitores jovens e pobres; o único grupo que votou majoritariamente em Trump foi o dos eleitores brancos.

Essa é uma história de Trump, mas há outras também.

A maioria dos republicanos prometeu cortar impostos, porque é isso que eles fazem, sempre, mas Trump prometeu limitar o livre comércio, reverter a globalização, ressuscitar esses empregos.

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Uma das histórias diz que Trump apareceu na hora certa. A globalização — alimentada por tratados de comércio como o NAFTA, aprovada por pessoas metidas da Costa Leste dos dois partidos — destruiu a indústria. Preocupações ambientais e alternativas mais baratas e limpas de energia levaram ao declínio da indústria do carvão. As pessoas da classe trabalhadora, muitas delas brancas, perderam bons empregos e esse pessoal metido da Costa Leste norte-americana não parecia muito disposto em ajudá-los. Talvez você não tenha ficado em apuros, mas se sentiu prejudicado, se sentiu como se essa gente metida a besta estivesse dizendo que seu modo de vida era ruim. Você queria ouvir algo novo.

A maioria dos republicanos só prometeu cortar impostos, porque é isso que eles fazem, sempre, mas Trump prometeu limitar o livre comércio, reverter a globalização, ressuscitar esses empregos perdidos. As pessoas metidas disseram não, isso não vai funcionar, só vai piorar as coisas, mas pareciam não ter uma alternativa à fala de Trump. Bernie Sanders, nas primárias democratas, disse o mesmo tipo de coisa e conseguiu a mesma eletricidade populista.

Hillary Clinton, por outro lado, parecia outra pessoa metida. Ela era uma dessas democratas de quando o partido se afastou do populismo econômico, quando eles começaram a se preocupar menos com sindicatos e mais com Wall Street.

Outra história não é realmente sobre Trump, mas sobre Clinton. Sobre como ela ficava entrando nessas situações que eram difíceis de explicar. Ela usou um servidor de e-mail para esconder sua comunicação e o FBI teve que investigar se informação sigilosa tinha sido mal usada. A fundação de sua família era complicada, e havia dúvidas sobre conflito de interesses e doações de países estrangeiros à sua campanha com histórico de opressão. O diretor do FBI, James Comey, a chamou de "extremamente descuidada" quando decidiu acusá-la de um crime por causa da coisa dos e-mails, aí, mais tarde, anunciou que o FBI tinha achado mais e-mails e ainda não tinha terminado de investigar o caso. Tem toda uma história sobre Comey, o FBI, e como os vazamentos fizeram Clinton ficar mal na foto, e talvez isso tenha influenciado a eleição. Tem toda uma outra história sobre como Clinton não soube lidar direito com esses escândalos e deixou eles se desenrolarem por várias semanas — mas, enfim, estamos tentando contar a história de Trump aqui.

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Uma das histórias de Trump é que o Facebook, que hoje é o lugar onde a maioria das pessoas leem suas notícias, não consegue diferenciar quando uma coisa é real ou falsa. Tem muita desinformação partidária ali, e desinformação mesmo para te enganar, e muita gente simplesmente quer acreditar no que lê ali. Isso também acontece com as notícias nos canais de TV a cabo, em programas que não são noticiários, nos quais aparecem pessoas discutindo as notícias.

Nesse clima, quem vai dizer o que é verdade e o que é farofa? Uma mulher disse que Trump a agarrou. Trump diz que não. Ele diz que essa outra mulher está mentindo, que todas mentem, e quem vai dizer que não? Você vê provas de que ele mentiu sobre suas doações para a caridade, ou sobre apoiar a Guerra do Iraque, e ele só dá de ombros. Onde estão as provas? Ele diz que vai fazer a economia crescer em 4% do mesmo jeito que um vigarista promete que vai fazer chover. Ninguém nem sequer pisca.

Uma história simples sobre Trump é que ele não venceu os votos totais, mas, ainda assim, controlou os colégios eleitorais — Hillary teve quase 300 mil votos a mais que Trump.

Uma história mais complicada sobre Trump vem desde as primárias republicanas, quando ninguém o levava a sério. Ele era um candidato entre muitos na época, e na verdade não estava ganhando a maioria dos votos nos estados, mas graças a mudanças recentes nas regras, ele ainda estava escolhendo grandes parcelas dos delegados porque continuava aparecendo em primeiro.

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Essa história é realmente sobre como muitos republicanos foram inúteis e não conseguiram lutar direito contra um homem que obviamente odeiam.

Os outros republicanos deveriam ter se juntado para impedir a candidatura de Trump, formar algum tipo de aliança alternativa, mas não fizeram nada. Eles ficaram lá assistindo as primárias enquanto os outros candidatos iam caindo, humilhados por Trump nos debates. A mídia também ficou assistindo a ascensão do milionário, e não investigou todos os muitos escândalos em que Trump estava metido até que as primárias acabassem. Aí os republicanos já estavam entrando em pânico sobre Trump ser seu indicado, mas já era tarde.

Essa história é realmente sobre como muitos republicanos foram inúteis e não conseguiram lutar direito contra um homem que obviamente odeiam. Ted Cruz se recusou a apoiar Trump mesmo na convenção do partido, mas depois mudou de ideia. John McCain apoiou Trump mesmo depois do milionário ter insultado seus registros de guerra.

Outra história, uma menor entre as tantas de Trump, é que Glenn Beck, o mesmo cara que disse que Obama odiava brancos, agora apoia o Black Lives Matter e acha que os norte-americanos precisam ouvir uns aos outros. Ele não queria que Trump fosse presidente, mas não quis o suficiente para realmente votar na Hillary.

Teve também uma história confusa sobre muita gente que não queria que Trump fosse presidente, mas ficava achando desculpas para não votar na Hillary.

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Há também uma história confusa sobre as pesquisas — que diziam que Clinton ia ganhar — que estavam muito erradas e ninguém nos EUA consegue dizer por quê. E tudo se junta com a história de que Clinton tinha uma campanha com todo o dinheiro e dados do mundo e mesmo assim perdeu a eleição. Essa é uma história sobre como muita gente que se achava inteligente e mesmo assim não sabia o que estava acontecendo.

Outra história triste: Trump disse uma vez que tudo bem torturar pessoas.

Tem também a história de como Trump se recusou a denunciar os grupos de ódio que rodeavam a candidatura dele como moscas na carniça. Nessa história, nacionalistas brancos estão felizes, e isso deveria deixar todo mundo deprê.

Outra história triste: Trump disse uma vez que tudo bem torturar pessoas. Ele se gabou de ser tão famoso que podia agarrar mulheres "pela boceta" sempre que quisesse. Ele disse que ia mandar prender Clinton caso ela fosse eleita, mas não disse exatamente por quê. Trump disse muita coisa inútil, idiota e desprezível, e mesmo assim venceu.

Aí temos a história de Bernie Sanders, como ele disse coisas que muita gente queria ouvir, sobre como o Comitê Nacional Democrata tinha preconceito com ele, o que deixou seus simpatizantes putos, e sobre como alguns deles ainda estão dizendo que Bernie poderia ter vencido Trump.

Contamos todas essas histórias por várias razões: para nos sentirmos melhor ou garantir a nós mesmos que sempre estivemos certos. Dizer que o Colegiado Eleitoral custou a eleição de Clinton pode ser reconfortante. Dizer que os EUA são racista pode confirmar o que muita gente já sabia.

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Mas na maior parte, acho que essa é uma história sobre como as pessoas no comando do país fracassaram, um tipo de fracasso que leva anos, até décadas, para ser totalmente compreendido.

Essas pessoas são democratas e republicanos, elas foram eleitas para cargos públicos e tem postos mais discretos no governo e em negócios privados. Algumas delas viram a estagnação dos salários e a desigualdade de renda crescer sem fazer nada; outras invadiram o Iraque sem um plano; outras ainda fecharam o governo várias vezes como tática de negociação, ou permitiram que a prisão de Guantánamo continuasse aberta, ou não tinham uma solução para a perda de empregos na indústria ou a crise de vícios em opiáceos nos EUA. Trump venceu porque tinha uma história do seu lado: ele podia apontar esses fracassos, essa paralisia de Washington, como prova de que o país estava desmoronando, de que era preciso alguém como ele para consertá-lo.

Como ele vai consertar as coisas? Segundo o Segundo o Politico, Trump vai encher seu gabinete com executivos do petróleo e do mercado financeiro, e um punhado de líderes republicanos retrógrados dos anos 90. E essa história, porém, é muito velha.

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Tradução: Marina Schnoor

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