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Filhos do Dragão

É Mole

Resolvi testar se essa dieta milagrosa realmente me faria ser uma pessoa mimada e baderneira, ou se me faria ainda mais conservador.

Pedro preparando o café da manhã dos campeões no seu primeiro dia de dieta. Foto: Matheus Chiaratti.

Resolvi testar cientificamente duas máximas de rua (mentira, uma delas é de internet) que misturam alimentação e posicionamento político. A primeira, "badernistas criados a leite com pêra e Ovomaltino [sic]", foi popularizada pelo filósofo moderno, analista da sociedade contemporânea e comediante Away de Petrópolis. A segunda vem de uma música do queridão Criolo em que ele rima "acostumado com Sucrilhos no prato", também para caracterizar alguém bundão. Seriam essas expressões acuradas? Uma dieta baseada nesses elementos realmente alteraria a personalidade de quem a praticasse?

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Intrigado com o possível poder transformador desses alimentos, resolvi testar se essa dieta milagrosa realmente me faria ser uma pessoa mimada e baderneira, ou se me faria ainda mais conservador. Ou se me daria vontade de fumar maconha o dia todo. Ou estudar. Na minha mente as possibilidades eram infinitas!

DIA 1

Almoço: Sucrilhos no prato com leite; leite com pêra, batido.

Tarde: uma pêra; leite com ovomaltino, mexido.

Janta: Sucrilhos com leite; uma pêra.

Humor: suave na nave.

Aparência do cocô: saudável.

Opinião política: #PauNoCuDaPM!

Como já estava dois dias atrasado para deslanchar com a dieta, e é sempre bom começar o dia com energia (ou seja lá o que falam na propaganda), desci até o mercado ao lado de casa. A primeira boa surpresa da dieta é que a comida para os próximos cinco dias não custaria mais do que R$20. Isso imediatamente tirou anos de preocupação das minhas costas: sempre pensei que estava abusando da boa vontade da minha avó, que me preparava tantas vitaminas de leite com pêra, já que talvez esse mimo pesasse no seu bolso. Mas, aparentemente, ser mimado como um bom filho de vó não pesa tanto na renda doméstica de uma senhora aposentada. Fechei a noite com outro prato de leite e uma pêra, refletindo sobre esse interessante dado sociológico.

DIA 2

Almoço: leite com "ovomaltino".

Tarde: uma pêra; vários copos de leite.

Janta: Sucrilhos com leite; um copo de leite.

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Humor: com sede.

Aparência do cocô: inexistente.

Opinião política: maconheiro.

Acordei cedo para terminar um trampo, mas parecia que não tinha dormido nada. Fui para o sofá e acordei de novo às 11h, com fome. Passei o dia inteiro com sede e a única bebida que estava gelada era… leite. Outra surpresa: descobri que leite não faz passar a sede. Percebi que aquela gordura que amontoa na língua depois de 1 litro de leite faz com que você fique constantemente salivando, e, infelizmente, nem a saliva mata a sede. No final do dia percebi que tinha tomado dois litros inteiros de leite, e que ainda não havia ido ao banheiro, o que era peculiar. De noite lembrei que muitas pessoas falam que asiáticos cheiram a peixe. Uma vez perguntaram para um senhor japonês se ocidentais tinham algum cheiro distinto. Ele pensou e respondeu: "Ocidentais cheiram a leite". Fui dormir me sentindo um verdadeiro ocidental.

DIA 3

Almoço: Sucrilhos no prato, com leite e "ovomaltino".

Tarde: nada.

Janta: três pêras.

Humor: de merda.

Aparência do cocô: vômito anal.

Opinião política: quero andar na ciclovia de Moema para cagar na porta das milionárias de salto alto.

Foto: Matheus Chiaratti

ESQUERDA: Nessa foto já podemos notar uma alteração na personalidade do Pedro, só não sabemos identificar qual.

DIREITA: Depois de beber esse copo de leite com pêra e "ovomaltino", o Pedro descobre que fica difícil manter uma rotina regrada com um intestino desregulado.

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Levantei me sentindo saudável pra caralho, porque percebi que cereal com leite pela manhã era realmente bom para mim, além, claro, do tanto de frutas que eu estava comendo. Tudo bem que na verdade era exclusivamente pêra, mas era melhor do que nada, certo? Depois dos anos desjejuando um comercial de bisteca acebolada na hora do almoço, senti que tinha finalmente me disciplinado,e até parecia que tinha começado a me alimentar direito. Um adulto, diria minha avó.

Com minha atenção voltada para mesa de café da manhã, percebi que o mascote do saco de cereal era um floco de milho fazendo atividades recreativas humanas: estudando, andando de skate e… comendo cereal no café da manhã? Mas ele também é um floco de milho! Estaria essa companhia alimentícia insinuando o canibalismo? Filosofei sobre isso até a hora do almoço, enquanto pensava qual seria a próxima combinação de pêra, leite, "ovomaltino" e Sucrilhos de que iria me alimentar. Resolvi pegar as últimas três opções e misturá-las num prato, tipo um Sucrilhos sabor "ovomaltino" com leite.

O resultado, pelo menos visualmente, era um pouco indigesto. Para falar a verdade, nem consegui chegar a experimentar. Assim que sentei à mesa para comer, meu intestino protestou num volume razoavelmente alto para um órgão humano, e, imediatamente, meu corpo clamou por uma privada. Saiu tudo de uma vez pelo menos quatro vezes até a hora do jantar, quando havia me decido por apenas consumir três peras para conseguir dormir sem fazer um buraco no estômago. Comecei a pensar, como alguém consegue sobreviver numa dieta como essa? É difícil manter uma rotina quando se tem que ir ao banheiro seis vezes ao dia. Imagino que nem a ROTA deprede um lugar tão bem quanto essa dieta depreda a louça do banheiro. Falando nisso, fora PM!

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DIA 4

Almoço: Um copo de leite com pêra e "ovomaltino".

Tarde: Sucrilhos.

Janta: Sucrilhos com leite.

Humor: corinthiano.

Aparência do cocô: um copo de leite com pêra e "ovomaltino".

Opinião política: pau no cu do mundo.

Acordei com uma vontade de vestir minha camisa do Corinthians. Será que é a dieta? Um efeito colateral talvez? Enfim, depois de 24 horas de vomitar pelo cu, cheguei à conclusão que toda a fibra contida nos cereais matinais, bem escondida com todo o açúcar, não resolveria as tretas no meu intestino sozinha, então tomei o primeiro remédio que encontrei no banheiro que mencionava "regulagem intestinal". Infelizmente, tomar o remédio foi como distribuir camisinha em sala de espera de clínica de aborto. Fiquei deitado no sofá, tentando viver. Não conseguia nem sair dali, imagina conseguir armar um protesto e ainda peitar a polícia e o governo? Isso exige energia que o Sucrilhos definitivamente não estava me oferecendo. E olha, parabéns a quem o faça e consiga manter o consumo de maconha; eu aqui em casa, e nem um fininho de cadeia estou conseguindo bolar. Dieta da deprê.

DIA 5

Almoço: um copo de leite com pêra.

Tarde: Sucrilhos; uma pêra.

Janta: Sucrilhos, Sucrilhos e Sucrilhos.

Humor: democrático.

Aparência do cocô: água com "ovomaltino".

Opinião política: leite com pêra.

Me entupi de Sucrilhos (e o que restou daqueles R$20 em mantimento) e esperei que meu intestino entendesse o recado. Passei o dia pensando se aquilo tudo que eu estava comendo mudava alguma coisa do meu comportamento, refletindo sobre a semana que passou. Qual o resultado político da dieta? Beber leite com pêra todos os dias me deixou cansado e indisposto. Tudo tanto faz, dane-se. Aliás, se aparecesse um governador reacionário na minha frente falando que eu não entendo de democracia, eu provavelmente não faria nada, já que não consigo nem ficar em pé direito. Depois de virar um trapo humano, te digo que mimadas são as pessoas que nunca tiveram que viver à base de leite, pêra, "ovomaltino" e Sucrilhos, e que não têm ideia do que é ficar com o cu em chamas por causa de uma dieta imbecil. Não seria a primeira vez que as pessoas preferem focar em dietas milagrosas para perder uns quilos (que foi exatamente o que me aconteceu), em vez de assumir que têm preguiça de entender que tem gente que vai tentar a todo custo fazer as pessoas engolirem lixo. Afinal, opinião política é como pixação de banheiro público: pode ter muita poesia, mas é sempre escrita na hora da cagada.