Em Guarulhos, o crime não é o creme
Foto: Felipe Larozza/VICE

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Em Guarulhos, o crime não é o creme

A VICE deu um rolê em Guarulhos (Grande São Paulo) no dia 15 e descolou três histórias de crimes populares feitos com originalidade. Ao todo, até onde a apuração rolou, três rodaram.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Há um senso comum entre policiais de que, em dias de chuva, os crimes diminuem. Porém existem lugares em que bandidos não são feitos de açúcar e que, pode cair a água que for, as tretas continuam sendo feitas com vontade.

A VICE deu um rolê em Guarulhos (Grande São Paulo) no dia 15 e descolou três histórias de crimes populares feitos com originalidade. Ao todo, até onde a apuração rolou, três rodaram.

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Antes de começar a contar tudo, vale lembrar que, na 4ª DP da cidade (onde uma das ocorrências foi registrada), já foi lavrado um Boletim de Ocorrência contra um ET que foi acusado pela vítima de mexer nas gavetas dela e de tentar violentá-la.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Voltando ao planeta dos terráqueos, acompanhamos um caso de tentativa de roubo seguido de tiroteio, um clássico estelionato (ou 171, mas feito de forma muito imprudente) e, creiam, o furto de um hidrômetro que resultou de uma tentativa frustrada e malandra de conseguir grana fácil.

Malas vítimas do próprio azar.

Começamos nosso rolê por volta das 10h30. Enquanto tomávamos um café em um boteco de esquina no centro da cidade, onde, segundo estatísticas da Secretaria Estadual de Segurança Pública, se concentra grande parte dos crimes de roubo e furto da cidade, uma mensagem informou que um soldado de segunda classe da Polícia Militar (que ainda frequenta a academia de formação) teria reagido a um assalto numa passarela da Rodovia Presidente Dutra, no final da madrugada, deixando um bandido baleado no quadril, miando o roubo de quatro malacos. Rumamos para o 3º DP, onde, a princípio, a treta seria registrada.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Chegamos antes que a PM na delegacia. Menos de dez minutos depois, duas motos (pilotadas por policiais encharcados por causa da chuva) chegaram. No apoio, duas viaturas.

Os PMs explicaram que o caso não era deles. Os policiais que estavam na ocorrência haviam rumado até o Hospital Doutor Alípio Correa Neto, em Ermelino Matarazzo (Zona Leste de São Paulo), onde o bandido baleado deu entrada alegando ter sido vítima de um assalto.

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Os policiais explicaram que o soldado que reagiu ao roubo atravessava – irregularmente com sua moto – uma das passarelas para pedestres da rodovia, na região de Cumbica (onde fica o Aeroporto Internacional), quando foi fechado por duas motos ocupadas com dois malacos cada uma.

Mas os bandidos não esperavam que a vítima deles estivesse armada. O soldado sacou sua pistola ponto 40 e deu só um tiro, que feriu no quadril um dos bandidos. Na sequência, as duas motos foram abandonadas, enquanto o quarteto correu até se deparar, já em um dos acessos à passarela, com o aposentado José Ferreira Leite, 65 anos, que levava as duas filhas ao local (como faz cotidianamente) a fim de que ambas embarcassem em um ônibus para ir ao trabalho.

As motos da dupla de assaltantes. Foto: Felipe Larozza/VICE

"Parei meu carro, e, de repente, apareceram uns bandidos armados. Eles se jogaram no capô do meu carro (Fiat Uno branco) e, dando murros no para-brisa, falaram pra gente descer. Se a gente não fizesse isso, eles falaram que iríamos morrer." O plano de fuga deu quase certo. O vacilo dos bandidos foi usar uma moto registrada no nome de um deles para fazer a fita.

O roubo aconteceu por volta das 5h30. Uma hora depois, o dono de uma das motos abandonadas na passarela ligou para o 190 afirmando ter sido roubado. Desconfiada, a polícia "abraçou" a história dele. Entretanto, o cara foi reconhecido por uma das vítimas e rodou rapidão. O mesmo rolou com o bandido que foi baleado. Os comparsas dele o levaram pra um hospital fora de Guarulhos para ser atendido, mas a perna da mentira dele foi bem curta. Isso tudo foi contado por policiais que deram o apoio na ocorrência.

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Até então acreditávamos que a treta seria registrada na 3ª DP. Instantes depois, o delegado titular dessa delegacia chegou e deu sinais com a mão de que não estava podendo, literalmente, falar. Ele se retirou e voltou com um caderno onde passou a escrever, "oficializando" o lance de estar sem voz. Perguntou, rabiscando um caderno pequeno, se estávamos na DP por causa do caso de resistência policial a um roubo. Confirmamos. Daí ele escreveu que, provavelmente, o caso iria para a 4ª DP. E foi o que rolou.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Em Guarulhos, existem nove delegacias. Somente quatro delas funcionam 24 horas (1ª DP, 2ª DP, 4ª DP e 7ª DP). As demais trampam em horário comercial.

Mesmo com a 3ª DP já aberta, a treta acabou sendo registrada na 4ª DP, pois rolou um caso de resistência policial. Em ocorrências como essa, há uma portaria da PM que impede membros da corporação de falar sobre casos assim com a imprensa. A responsa pra isso cabe à assessoria deles. A treta foi para a delegacia fora da área original da ocorrência, uma vez que a Companhia da PM mais próxima daquela região onde aconteceu a tentativa de assalto fica ao lado da 4ª DP.

Na Companhia da Polícia Militar, identificamos o soldado que foi vítima. Mas ele disse não estar autorizado a falar com a gente por causa da portaria. Fomos orientados, por um sargento, a entrar em contato com a assessoria da PM. "Como houve resistência, não podemos comentar sobre o caso. Liguem para nossa assessoria", informou.

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Mesmo com todos os obstáculos, constatamos que dois suspeitos haviam fugido e que dois rodaram. O que foi ferido não corria risco de morrer, segundo nos foi confirmado informalmente.

E a chuva continuava.

Quando o barato sai caro

Uma mensagem chegou pelo WhatsApp informando sobre um suposto caso de estupro na 7ª DP. Chegando à delegacia, sacamos que o lance era, de fato, suposto.

O caminhoneiro espertão. Foto: Felipe Larozza/VICE

No meio disso, policiais civis nos falaram de um caminhoneiro mineiro que passou sem pagar, pelo menos, por quatro pedágios na Rodovia Presidente Dutra.

Segundo um funcionário da concessionária CCR Nova Dutra, que administra a rodovia, Eli das Graças Limas, 53 anos, usou seu caminhão de seis eixos para passar reto pelas cancelas dos pedágios de Moreira César (Pindamonhangaba), Jacareí, Guararema e Arujá.

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Antes de passar cada cancela, ele virava para cima a placa de seu cavalo e colocava uma câmara de pneu de bicicleta sobre a placa traseira da carroceria que estava atracada ao seu veículo (que não transportava nenhuma carga). Com isso, ele pretendia economizar R$ 147.

Ele falou pra VICE que fez o que fez com o intuito de guardar grana para pagar as prestações de seu caminhão. No entanto, Limas pagou, no ato, R$ 1 mil de fiança, além de cerca de R$ 500 estipulados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), e perdeu 16 pontos em sua carteira (quatro por cada pedágio) por causa da sequência de infrações que cometeu.

Durante o registro da ocorrência, a delegada de plantão pediu para os policiais apreenderem a borracha usada para camuflar a placa traseira do veículo do caminhoneiro. Pedimos para fotografar o objeto e fomos zoados.

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Foto: Felipe Larozza/VICE

ma braçadeira da PRF chegou a ser despregada do uniforme de um policial federal que estava no caso. Entretanto, rapidamente ele a colocou de volta e afirmou, rindo, "que nem fodendo" permitiria isso.

171 da água

Depois dessas duas histórias, achando que o dia de apuração havia terminado, decidimos voltar ao centro de Guarulhos para dar um oi a uma policial conhecida. Durante o encontro, ela nos falou sobre uma história curiosa.

Um averiguado, já identificado pela polícia (mas que não vai ter o nome divulgado para não ferrar a investigação), usou irregularmente uniforme e carro (supostamente pirata) do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) para coagir um comerciante. A ideia seria trocar grana pela não retirada dos hidrômetros do estabelecimento.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Segundo o que foi registrado pela Polícia Civil de Guarulhos, o cara se identificou como funcionário da autarquia, afirmando "saber" de pendências do estabelecimento com o Saae. Isso rolou mais de uma vez. Ele ainda teria se oferecido para "intermediar" uma hipotética dívida entre o comerciante e o Saae. Diz um trecho do Boletim de Ocorrência do caso: "(..) ocorre que a proposta feita não foi aceita, visto o fato de já estar se discutindo com a empresa abastecedora a cobrança exorbitante [não informada], questionando-se inclusive eventual vazamento [de água] do local".

Outras pessoas teriam reconhecido o averiguado, afirmando que ele usa o fato de ser ex-funcionário da autarquia para tentar conseguir "vantagens indevidas" por causa disso.

Foto: Felipe Larozza/VICE

O sistema de monitoramento com câmeras do estabelecimento registrou quando o – agora – falso técnico interrompeu o abastecimento de água do local em 13 de janeiro. A VICE esteve em frente ao comércio dois dias depois e verificou que furos foram feitos na calçada. Também foi sacado que o cadeado que trancava a grade do hidrômetro foi arrombado e que o equipamento que calcula o consumo de água foi mesmo furtado.

O Saae informou em nota que o caso se trata de uma investigação policial que apura uma possível fraude "que não envolve funcionário" seu. "A autarquia informa que, em caso de corte, os usuários são avisados, antecipadamente, diversas vezes. Além disso, o procedimento de corte é realizado por funcionários (e não apenas um) usando uniforme e viaturas devidamente identificados", complementou.

Isso tudo em uma sexta-feira fria e chuvosa, daquelas propícias para um Netflix.