Em seu Novo Filme, Love, Gaspar Noé Transa 3D
Karl Glusman interpreta Murphy e Aomi Muyock, Electra em 'Love' (2015). Foto por Benoît Debie.

FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Em seu Novo Filme, Love, Gaspar Noé Transa 3D

Conversamos com o controverso diretor em Cannes sobre seu novo filme - um melodrama sentimental sobre intimidade romântica - censura e críticas.

O cinema notoriamente polêmico do autor francês nascido na Argentina Gaspar Noé subverte normas de maneiras inconfundivelmente extremas. Seu filme de estreia, Sozinho Contra Todos, de 1998, nos confrontou com um açougueiro racista, misantropo e até sociopata como protagonista. Em Irreversível, de 2002, ele nos brutalizou com violência sexual sem vacilar; já em Enter the Void - Viagem Alucinante, de 2009, quase nos perdemos em sensações alucinógenas. Seu último filme, Love, chegou a causar um tumulto no Festival de Cannes deste ano, com centenas de espectadores se acotovelando para entrar na estreia. Mas o que a multidão acabou testemunhando às 3 da manhã foi um melodrama sentimental sobre intimidade romântica. Aos 51, o enfant terrible amoleceu?

Publicidade

O que é uma piada, já que o hipersexual Love é cheio de transas explícitas reais. Noé disse que sempre sonhou em reproduzir a paixão de um jovem casal na tela, com várias cenas de sexo "transcendendo a divisão ridícula que dita que nenhum filme normal pode conter cenas abertamente eróticas, mesmo que todo mundo ame fazer amor". E, refazendo sua parceria com o brilhante diretor de fotografia Benoît Debie (Irreversível, Enter the Void - Viagem Alucinante), o diretor filmou Love em CinemaScope… e 3D.

O protagonista de Love é o jovem Karl Glusman: ele interpreta Murphy, um norte-americano egoísta aspirante a cineasta em Paris, que vemos primeiro numa cena extensa (porém carinhosa) de masturbação mútua com a aspirante a atriz Electra (Aomi Muyock). Em flashbacks sexualmente carregados, Murphy reconta seu relacionamento caótico com ela e a igualmente linda Omi (Klara Kristin), encontrando um peso lamentável em cada boquete, ménage à trois e espasmo gosmento lembrado.

Na noite da estreia, o titã francês de distribuição internacional Wild Bunch organizou uma rave old school para Love em um local a 15 minutos de carro de Cannes. Sem convite, consegui passar escondido pelo segurança na porta e me vi num espaço do tamanho de um ginásio, onde mulheres trans tiravam selfies enquanto se beijavam e as batidas do DJ eram tão graves e profundas que me senti preso num dos filmes de Noé. Na tarde seguinte, encontrei o próprio para discutir Love, apesar de ele parecer mais de ressaca do que eu.

Publicidade

VICE: Além de um jato de porra mirando o público, Love é claramente menos sobrecarregado sensorialmente do que Enter the Void - Viagem Alucinante. Por que você quis filmar um romance melancólico em 3D?
Gaspar Noé: Porque tenho tirado fotos com uma câmera 3D há alguns anos com negativo de película cinematográfica. Também consegui outra câmera Fuji que faz fotos digitais 3D. Há algo divertido, engraçado e infantil nessas imagens, algo de que gosto muito. Quando minha mãe estava morrendo, tive essa necessidade estranha de filmá-la com uma câmera 3D e descobri que, se a câmera é portátil, isso pode causar enjoos. Para evitar que as pessoas ficassem enjoadas, decidi que deveria usar apenas imagens paradas ou tomadas muito estáveis de steadicam.

Também notei, quando estava filmando minha mãe durante sua agonia, que, quando você assiste a essas imagens dentro de uma tela 3D, isso parece muito mais perto da realidade do que uma imagem 2D. É meio chocante, porque o tamanho não é exatamente o tamanho real. O rosto pode ficar enorme numa tela grande; então, a pessoa se torna como um rochedo. Há essa sensação de realidade que é maior do que com imagens 2D, e também há uma sensação de intimidade. Logo, para um filme que se baseia em paixão, com sexo, talvez os rostos sejam mais tocantes, mais emocionais. Mas é muito difícil gravar em 3D. As câmeras são muito pesadas. Há muitos problemas ligados ao tamanho das câmeras.

Publicidade

O maior problema que tenho com o 3D são os óculos, que escurecem significativamente a imagem. Love tem cores vibrantes: isso foi algo em que você pensou enquanto gravava?
Sim. Na verdade, as cores são muito mais vívidas se você assiste a isso numa tela de TV, como uma tela da Sony com Blu-ray. Tivemos de aumentar a gradação de cores para tornar isso mais colorido; assim, depois que coloca os óculos, você ainda tem cores vivas e brilho. A gradação de cores é uma bagunça quando se trata de 3D.

Karl Glusman como Murphy e Aomi Muyock como Electra em Love (2015). Foto por Benoît Debie.

Filmes pornôs se concentram obviamente no sexo, mas, quando você está dirigindo um drama com sexo explícito, a atuação é muito importante. Como foi o processo de casting e que qualidades você estava procurando nos atores?
Em certo ponto, pensei em contratar jovens atores da indústria pornô. Encontrei uma garota de que gostei bastante, e havia outra que eu estava considerando. Mas essas garotas eram depiladas, e eu não queria que as principais personagens mulheres fossem depiladas, porque isso me lembra de vídeos pornôs. Se a garota tivesse o triângulo de pelos pubianos, isso pareceria mais natural. Algumas pessoas fazem isso, outras não, mas achei melhor encontrar gente de verdade, até não atores, para atuar no filme.

Mesmo se a pessoa disser "Sim, eu faço", você não tem como saber quem diz isso só para pegar o papel e quem realmente quer se comprometer. Todo o elenco foi decidido uma semana antes de começarmos a filmar. Mas fiquei muito feliz que Karl, Aomi e Klara fizeram o filme e que a química funcionou tão bem entre eles.

Publicidade

Há tantos personagens com nomes familiares. Um se chama Noé, Gaspar é o filho que vai nascer e há uma referência a uma ex chamada Lucile.
O nome da minha mãe era Nora Murphy. Então, há uma personagem chamada Nora e outro chamado Murphy. Quando era garoto, eu achava que "Noé" como sobrenome era muito curto; logo, sempre dizia "Gaspar Noé Murphy". E Paola é o nome da minha irmã. Escolhi nomes de pessoas próximas.

Karl Glusman como Murphy em Love (2015). Foto por Benoît Debie.

Há algo autobiográfico na história por trás desses nomes?
Eu diria que é uma mistura da minha vida e das vidas de amigos próximos. Por exemplo, nunca estive com uma travesti, mas tenho amigos próximos que gostam disso.

Falando nisso, alguns críticos chamaram o filme de "heteronormativo", talvez porque haja gírias homofóbicas casuais e a cena mais queer termine com Murphy surtando quando está prestes a transar com uma mulher trans. Houve uma razão para se manter uma perspectiva hétero?
Você não sabe exatamente o que acontece [naquela cena]. Talvez ele tenha recebido um boquete na van e talvez mais alguma coisa. Sou heterossexual. Pelo menos, o filme retrata um personagem que… não que me sinta próximo dele, mas o entendo. O personagem do filme poderia dizer "Tenho orgulho de ser hétero".

Conheça Gaspar Noé na nossa série em três partes.


Que lições você aprendeu filmando toda essa carne nua?
O que aprendi é que álcool ajuda as pessoas a tirarem a roupa [risos]. Isso nos ensinou muito sobre a energia no set. Algum sexo é real, algum sexo é simulado no filme. É uma mistura. Mas, em qualquer caso, você precisa acompanhar a pessoa que está sendo filmada, especialmente se ela disser "Não quero fazer isso". Você nunca pode forçar as pessoas a fazerem algo que elas não querem, porque a cena vai ficar estranha. Você pode tentar convencer as pessoas de que isso vai ser bom para o filme, mas também tem de perguntar "O que você faria se fosse o diretor?". Na maioria das vezes, eles surgiam com a ideia certa.

Publicidade

Karl Glusman, Aomi Muyock e Klara Kristin em Love (2015). Foto por Benoît Debie.

A trilha sonora do filme é incrível: um apanhado retrô de Bach, Erik Satie, Goblin e até John Carpenter. A conexão é que essas são músicas de que você gosta?
Uma das minhas faixas favoritas é "Maggot Brain", do Funkadelic, nem considerei tirar isso do filme. Sim, eu não tinha nenhuma música na cabeça antes de começar a editar. No meu computador, tenho o iTunes, claro, e isso tem todas essas músicas com cinco estrelas. Sabe, você faz a própria seleção dos seus favoritos. Tentei colocar essas inicialmente, mas, às vezes, era impossível conseguir os direitos. Por exemplo, se você tentasse colocar Beatles, você nunca ia conseguir.

Há uma mudança na maré dentro da indústria pornô quanto ao uso de camisinha, e é legal que você tenha feito isso parte integral da história.
Eles usam camisinha para evitar a gravidez, para se proteger de doenças. E as camisinhas estouram, como na vida real. Não é sobre sexo seguro, é só que ele não quer engravidar a vizinha.

Esse parece o filme certo para te fazer essa pergunta: tem alguma coisa incomum que te excita? Ou algo que te surpreendeu te deixando com tesão?
Vi um videoclipe estranho [da Sia] com Shia LaBoeuf fazendo, tipo, um Homo erectus dentro de uma jaula. Tem uma garota de uns 14 anos dançando na frente dele. Você já viu esse?

Gaspar Noé.

[risos] Não vi, mas vou. Há uma técnica de edição muito inteligente em Love em que cada corte imita um piscar de olhos. Comparando isso com o som de disparos pontuando os cortes de Sozinho Contra Todos, e considerando que esse filme é mais delicado e romântico que seus outros trabalhos, esse é o começo de um cinema mais suave de Gaspar Noé?
Depende do assunto. Esse filme não devia ser violento. A única violência que você vê é quando o casal fica bêbado, ou se desentende, e começa a insultar um ao outro das piores maneiras possíveis.

Bom, ainda estou curioso com a forma como o filme será lançado nos EUA e se vai haver pressão para cortar cenas.
Não corto filmes. Não gosto de tesouras.

Siga o Aaron no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor