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Música

Um papo com o pessoal da Ocupação Mauá na estreia de "Crisântemo", do Emicida

O vídeo foi gravado lá e, em homenagem à prestatividade e bom espírito da comunidade, o Emicida fez questão de mostrar primeiro para os moradores o resultado das gravações.

O internauta esperto sabe muito bem que a gente gosta mesmo do Emicida. Pois nesta quinta (23) temos um bom motivo para novamente o colocarmos em nosso site. Hoje o rapper lança o clipe de "Crisântemo", primeiro trabalho (musical e visual) do seu primeiro álbum completo, que em breve deve vazar na internet.

A gente viu o vídeo com exclusividade na última terça (21), no evento de lançamento que rolou no pátio da Ocupação Mauá, no centro de SP. Foi lá que o vídeo foi gravado e, em homenagem à prestatividade e bom espírito da comunidade, o Emicida fez questão de mostrar primeiro para os moradores o resultado das gravações. Algumas imagens também foram feitas em outra bem-sucedida intervenção sócio-urbana na Avenida Prestes Maia, também no centro. Inclusive, alguns atores são de fato moradores da Mauá.

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E o fã esperto vai sacar que o enredo do clipe abaixo tem uma semelhança com a própria história do Emicida. Para o desfecho da história, um toque a mais no coração do ouvinte: é a própria Dona Jacira, mãe do rapper, quem escreve e narra o acontecido original. É pesado.

Viu? Ficou muito bonito. Mesmo. Até já fizemos um bolão aqui na firma, apostando quantos prêmios ele vai ganhar no VMB deste ano.

Aproveitamos a situação do evento, com pipoca e refri grátis, uma molecada correndo e gritando e climão de cinema ao ar livre, para colhermos algumas histórias de moradores da Ocupação Mauá que estavam presentes ali no lançamento. Afinal, ela é o palco e a mise-en-scène da tragédia urbana familiar contada em "Crisântemo". Mas, lógico, não é só isso, fique esperto.

Ivanete de Araujo, 40, coordenadora da Ocupação Mauá.

VICE: Faz quanto tempo que você está aqui na Ocupação?
Ivanete: Faz seis anos. Eu vim para cá quando terminou um contrato meu de bolsa-aluguel, daí nos organizamos e chegamos aqui no dia 25 de março de 2007.

Você já participava do movimento pela moradia antes disso?
Sim, era coordenadora geral. Já tínhamos feito outras ocupações.

Já tinha morado em outra ocupação antes da Mauá?
Sim, sim. Antes de conhecer a luta eu já tinha ficado em situação de rua, então morei em outras ocupações. Às vezes só dando apoio, em outras por necessidade mesmo.

E como você chegou aqui?
Eu morava no interior, numa cidadezinha chamada Guariba, e lá eu era boia-fria, cortava cana. Quando eu conheci o pai das minhas filhas, nos mudamos para Ribeirão Preto e de lá viemos para SP, com o sonho de conquistarmos tudo, já que era uma cidade grande. Assim como todo mundo que vem para cá. Isso foi em 1996. Mas aí me deparei com a verdadeira selva de pedra, com a realidade da cidade, então acabei sendo mais uma vítima. Fiquei em situação de rua, morei embaixo de viaduto, morei de favor, fui despejada de cortiços, até conhecer o movimento de moradia do MSTC [Movimento de Sem-Teto do Centro].

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Como tem sido a sua vida desde que você mudou para cá?
Cada ocupação é diferente da outra, cada uma delas é um momento, uma experiência. Aqui, por exemplo, nós estávamos em uma situação de término de um programa de moradia, o bolsa-aluguel (subsídio de R$ 350 por 30 meses). Então, por necessidade mesmo, partiu de mim a ideia de fazermos uma assembleia extraordinária para vermos quem tinha conseguido avançar a partir do auxílio e quem iria para a rua. Ninguém era obrigado a vir, lógico, mas quem não luta está morto. Nesse momento nos organizamos e viemos para cá. Foi uma ocupação que aconteceu até sem truculência, só depois de uma hora e meia de começarmos é que a polícia deu fé de que estava ocupado. Depois também convidamos outros dois movimentos para participar da luta, o MMRC e o ASTC/SP. E de lá para cá travamos a luta, com muitas perdas e ganhos, muitas horas de sono perdidas, mas acredito que todo momento é válido. Quando faltavam quatro dias para completar cinco anos de ocupação, veio uma liminar de reintegração de posse. Lutamos de novo e hoje sabemos que a Mauá está na lista para entrar no decreto de interação social do prefeito Haddad. Olha o avanço!

Então vocês estão otimistas agora.
Sim, mas todo passo é uma luta. Agora a briga é garantir o atendimento, o direito de retorno e a saída delas enquanto reformam. É outro processo, mas valeu até aqui!

Luan, 14, estudante e ator.

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VICE: Como você começou a atuar, mano?
Luan: Eu estudo numa escola e, depois da aula, eu fico numa instituição. Minha mãe fala que é para não ficar só em casa. Um dia o pessoal da instituição avisou que ia ter um teste para ator. Aí apresentaram para a gente o que era e fizemos o teste. Eu nunca tinha atuado na vida, então achava que não ia dar em nada. Mas passei em um teste, depois no outro… Fiz um longa já, "Jonas e a baleia", que ainda não saiu. E foi o preparador de elenco desse filme que me apresentou para o Emicida, que disse "eu quero que você faça [o papel no videoclipe]", então eu fiz.

Curtiu fazer?
Curti, quero fazer mais!

E onde você mora e estuda?
Moro em Carapicuíba, mas minha escola fica na Lapa.

Cacetada, bicho, é longe, hein. Por que esse rolê todo? Como você faz para chegar de um lugar ao outro?
Minha mãe fala que as escolas lá de casa não são muito boas. Demora tipo 1h30 para chegar. Acorda às 5h, se arruma, 5h30 vai pegar o ônibus, chega na aula às 7h.

Já curtia o som do Emicida antes do clipe?
Sim, eu curto! Eu ouço rap.

Maria Inês, 41, auxiliar de limpeza, e João Lucas, 3.

VICE: Faz quanto tempo que você está aqui?
Maria Inês: Seis anos. Nós que abrimos as portas daqui. Era tudo cheio de sujeira, limpamos e estamos até hoje.

Como era a situação de vocês antes de virem para cá?
Eu trabalhava de garçonete no restaurante de uma mulher no Parque Dom Pedro, e ela me deixava morar em um quartinho nos fundos do lugar com os meus três filhos e mais uma menina de 14 anos, que é a mãe do João Lucas. Ela falou que não tinha família, então veio morar comigo. Ela engravidou da Heloísa, que ficou morando comigo. Depois ela foi morar com um cara, engravidou do João Lucas, mas foi presa em seguida. Ela me mandou recado, então a assistente social do presídio me perguntou se eu não podia ficar com o bebê. A menina já estava comigo, então pensei: Ah, se eu posso ficar com um, por que não posso ficar com o outro? [Risos] Então fui até o juiz, peguei a guarda, tudo certinho. O João Lucas tinha três meses.

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Vish, até perdi a conta dos filhos, quantos são agora? Dá conta de cuidar de todo mundo?
Tenho cinco filhos agora. Ô, se dá! [Risos] Com certeza!

E como está a sua situação aqui na Mauá hoje?
Agora está bom, eu trabalho. Quando vim para cá, eu não tinha nada, não tinha um fogão, cama. Aí comecei a trabalhar em dois serviços, como auxiliar de limpeza, e fui aos poucos conseguindo minhas coisas. Hoje em dia tem tudo, não falta nada para eles.

E você ainda tem dois empregos?
Não, não, agora é só um, no tribunal da Paulista, das 6h às 15h.

Hebert, 13, estudante, e Thiago, 14, estudante.

VICE: Gostaram do vídeo?
Ambos: Sim! A gente participou naquela cena jogando futebol.

E como vocês conseguiram participar?
Thiago: Foi ele [Hebert] quem me chamou.
Hebert: Foi uma mulher que convidou a gente.

Vocês moram aqui há quanto tempo? Vocês moram com a família?
Hebert: Quatro anos, junto com minhas duas irmãs, minha mãe e meu padrasto.
Thiago: Eu moro faz um ano, com mãe, padrasto e irmã.

Onde vocês moravam antes de vir para cá?
Hebert: Na Bahia. A minha mãe já morava aqui, e eu estava com a minha avó na Bahia. Aí ela foi me buscar.
Thiago: Morava na zona sul, em Santo Amaro. Meu padrasto era do movimento, ficou sabendo e trouxe a gente para cá.

E vocês gostam de morar aqui?
Thiago: Sim, é legal fazer novas amizades, com gente diferente. E gosto de morar no centro, prefiro agora.
Hebert: Eu preferia antes, aqui só falam para a gente ir estudar. E de noite é ruim de jogar bola, tem pouca gente para jogar. Eu gosto daqui, mas prefiro a Bahia, lá eu morava perto da praia.

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O que vocês fazem além de jogar bola aqui no pátio e estudar?
Thiago: [Depois de um silêncio] Tem um fliperama no outro andar aqui, e tem também um projeto do SESC para conhecer o centro, daí tem dia que a gente vai para a piscina.

William Santana dos Santos, 23, ensina capoeira na Mauá e é auxiliar administrativo.

VICE: Há quanto tempo mora aqui?
William: Seis anos. Dos primeiros a chegar também.

Por que veio para cá?
Vim com minha família. A gente participava do programa do bolsa-aluguel também, daí quando acabou, para não ficarmos na rua, viemos para cá. Antes a gente morava na zona cerealista [também no centro, próximo ao Mercado Municipal].

E o que mudou desde que vocês chegaram na Mauá?
Mudou que nós demos uma geral da hora aqui, estava muito bagunçado, sujo. Hoje, graças a Deus, conseguimos dar um jeito. Agora é só tentar melhorar.

Gosta de morar aqui?
Com certeza. A gente se acostuma com o estilo de vida de cá, com a correria. Eu não saio daqui, não.

Como rolou esse lance de dar aula de capoeira?
O projeto surgiu há três anos, a criançada já tinha vontade de fazer capoeira. Conseguimos um professor, começamos a treinar. Eu já fazia capoeira, então passei a dar aula também, na ausência do professor. E hoje, na última vez que contamos, tinha umas vinte crianças participando.

Já conhecia o Emicida antes do vídeo?
Conhecia só de ouvir falar, nunca tinha parado para ouvir. Agora eu gostei muito da música, ficou show de bola o clipe.

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Marta, 34, faxineira.

VICE: Você mora na ocupação da Prestes Maia, né? Faz quanto tempo?
Marta: Faz quase três anos. Eu morava em outra ocupação na Rua da Consolação antes, que teve despejo. Aí fui para a Prestes Maia. Lá na Consolação não era organizado pelo movimento, era um casarão do governo que foi ocupado. Morei lá por outros três anos.

E você gosta da Prestes Maia?
Ah, gosto sim. Lá eu moro com meus filhos. São seis.

Bastante gente, hein. Dá conta de cuidar? Você trabalha?
A gente se vira, né? Eu trabalho lá na ocupação mesmo, fazendo faxina, tem salário, tudo certinho.

Você quer continuar morando na ocupação?
Queria sim. Hoje é muito caro pagar aluguel, é difícil. E lá foi o meio que eu achei para não ficar na rua, ou no albergue.

Antes das ocupações você morava onde?
Na rua. Na verdade eu vivia na rua desde os meus nove anos. Era difícil ter que ficar correndo de um lado para o outro debaixo de sol e chuva. Na época eu trabalhava com carroça, então tinha que correr do rapa da polícia… Às vezes, querendo ou não, tem policial que maltrata, porque para eles todo mundo é usuário de droga, é noia, todo mundo rouba. E eu tive dois filhos quando morava na rua, era muito difícil.

Edson Salsicha, 32, faz manutenção nas ocupações.

VICE: Você também mora na Prestes Maia, né?
Edson: Sim, mas morei aqui um bom tempo, tanto que ajudei a entrar aqui e na Prestes Maia. Eu tenho uns dez anos de movimento. Tem três anos que moro lá.

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Como tem sido essa sua militância?
Tudo tranquilo. É o seguinte, nêgo confunde ocupação com bagunça, então tem que ter regra, organização. Se um não ajudar o outro, não vai para frente. Então tem um monte de coisinhas que os mais novos têm que aprender dos mais velhos. Tem que ir trocando, uma sucessão.

E o pessoal tem contribuído?
Sim, sim, está tudo certinho, limpo, organizado. Acaba o evento a gente limpa tudo… Agora há um núcleo de união.

Miranda Índio, 48, produtor musical.

VICE: Mora aqui há quanto tempo? Como veio parar aqui?
Miranda: Há um ano. Através dos próprios moradores. Como eu trabalho com produção musical e ajudava o pessoal aqui, me convidaram para morar aqui também e continuar ajudando.

Onde você morava antes?
Na Praça Princesa Isabel, pagando aluguel.

Gosta de morar aqui?
Sim, aqui está tranquilo. O pessoal tem um respeito muito grande por mim.

Você trabalha com música então?
Faço produção de show, mas também trabalho com revista, gravação de CD. Não tem um estilo específico, sou bem eclético. Mas eu gosto mesmo é de forró, que está no sangue, né, na raiz. Eu sou de Fortaleza, mas já morei por todo o Brasil, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio… Por eu ter conhecido tanto do Brasil, hoje ouço um pouco de tudo.

Qual é o ritmo que o pessoal mais ouve aqui na Mauá?
Ah, aqui tem muita gente, então não tem um estilo único. Tem rap, tem forró, tem sertanejo, tem o pessoal evangélico, da música gospel… Tem de tudo.

E você pretende ficar por aqui?
Sim, sim, é um lugar bom. Mas o importante é que seja algo fixo, seja aqui ou não. Casa própria é o motivo de luta de todo brasileiro. E independentemente de ser eu ou um companheiro meu a conseguir isso, fico feliz da mesma forma. Eu sempre trabalhei com pessoas de baixa renda, então fico muito contente quando um companheiro recebe algo melhor. E os coordenadores daqui se esforçaram muito para que a situação aqui fechasse bem, a gente fica muito alegre com isso.